quarta-feira, 26 de julho de 2023

TEIP - Território educativo de intervenção prioritária: interrogações e provocações

REGISTO VÍDEO

[Texto actualizado em 02.08.2023]

Territórios educativos de intervenção prioritária: uma via para a inclusão e igualdade de oportunidades interroga-se o colectivo Inquietações Pedagógicas, na sua 73ª Tertúlia, e da qual se apresenta aqui um registo vídeo com curtíssimos excertos que, entrelaçados de registos de terceiros [relacionados com o assunto, mas não directamente ligados a ele], reflecte, em jeito de provocação, o que penso sobre este tema. 

Estes debates, apresentados em forma de pergunta, trazem quase sempre, como resposta, expressões deste tipo: o trabalho [nos TEIP] é excelente mas nunca reconhecido pelos resultados. O modelo de avaliação utilizado  diz uma das intervenientes no debate  não consegue mostrar o que de bom se tem feito e que não é possível traduzir em números: "Hoje em dia olha-se para os números, e os números são números"! [como as letras são letras e as palavras palavras, apetece dizer]. Se os resultados não se podem traduzir em números, há que traduzi-los de outras formas, não? Ora, são essas outras formas, reconhecidas ou não pela tutela, que é preciso trazer para o debate: ouvir falar do trabalho pedagógico; ouvir alguém a descrever o que de excelente se produziu  até porque não é possível falar de mudança na avaliação, sem falar das mudanças da prática pedagógica, que justificam outro tipo de avaliação [VER >>>–. Porque quando falamos de escola é isso que conta: ouvir professores e alunos a falar do trabalho na sala de aula, das aprendizagens realizadas, e da parte dos resultados que foi influenciado pelo programa TEIP. Mas para isso faz falta trazer a pedagogia e os pedagogos [uma raça sem voz, em vias de extinção] para a conversa: as análises de psicólogos e sociólogos, e de elementos da administração da escola, poderão ser muito interessantes, mas dizem muito pouco do trabalho realizado com os alunos, e dos efeitos do que se diz ser "discriminação positiva" dos TEIP. Porque, sejamos claros, quando não se consegue dizer o que de bom foi feito, o mais certo é não haver o bom que baste para insistir na continuação de um programa que tem oferecido tão pouco. 

Não simpatizo com programas que não sabem fazer chegar às escolas os apoios de que precisam, sem as identificar como "escolas de má fama", para utilizar a expressão de uma das intervenientes no debate. Não descarto as intenções bondosas deste tipo de programas mas, como diz a sabedoria popular, de boas intenções está o inferno cheio. Acho, mesmo, que a designação TEIP funciona como repelente, para quem olha estes agrupamentos de fora. Imagino que quem os vive por dentro fugiria deles, se pudesse. Eu fugia certamente!* 

Além dos TEIP 1ª geração, 2ª geração e 3ª geração, já vi passar o PIPSE - programa interministerial  de promoção do sucesso educativo; as ECAE - Equipa de coordenação de apoios educativos que, surgindo como "upgrade" das Equipas de Educação Especial, tinham como projecto a coordenação dos apoios educativos às escolas da sua área geográfica; o EPIPSE - Equipa de projectos de inclusão e promoção de sucesso educativo, que juntou o "E" de equipa ao PIPSE e, não fosse o "P" de programa virar projecto, e o "I" de interministerial virar inclusão, ficar-me-ia, certamente, a sensação de ter recuado a 1986.

Agora a 4ª geração dos TEIP está aí para prolongar o programa por mais seis anos. E, muito sinceramente, não sei se, em vez de insistir nesta fórmula, não deveríamos, mesmo, recuar a 1986 e recuperar algo na linha do programa PIPSE  que, no essencial, poderia cumprir os mesmos objectivos, com a vantagem de ser muito menos burocrático e mais inclusivo: uma estrutura local [que podia ser concelhia ou distrital, dependendo do número de escolas da área geográfica abrangida], que negociava com a escola os apoios mais adequados, dispensando-a de processos de candidatura. Seria uma estrutura dotada dos recursos humanos necessários, especialistas de diferentes áreas da educação e ensino, que olharia para cada uma das escolas, de certa forma, do mesmo jeito que o professor [que aposta na diferenciação pedagógica], olha para cada um dos seus alunos: avaliaria, em cooperação com as escolas [como o professor em cooperação com os alunos e suas famílias], as necessidades de cada uma, providenciando os recursos, em função da avaliação realizada. De certo modo, seria uma resposta na linha do que está implícito no desabafo da interveniente no debate que identificou TEIP como "escolas de má fama": "Todas as escolas deveriam ser TEIP" – no sentido em que a educação é uma prioridade para todas –, umas com mais apoio, outras com menos apoio. Porque quando dizem que não há influência no território, não sei se não haverá! De fuga. E de fazer com que as pessoas fiquem menos incluídas" (Margarida). [minuto 59.50 do registo vídeo original].

Daniel Lousada

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*A propósito, recordo que, dois ou três anos depois [não sei precisar] da criação do programa TEIP, a presidente do conselho directivo de uma E.B.2, da área da ECAE onde exercia as minhas funções, confrontada com os problemas escolares de uma boa parte dos seus alunos, dá conta da sua intenção de candidatar a sua escola àquele programa. Manifestei-lhe a minha surpresa – já nesse tempo a sigla TEIP era um "ferrete" que "aleijava" as escolas com a intenção de aliviá-las –. E dou-lhe conta do meu apreço pelo ambiente que se vivia na sua escola  ao tempo a minha filha frequentava aquela escola de uma forma tranquila –. Recordo, agora, que a principal motivação da eventual candidatura ao programa TEIP prendia-se com a atribuição de um crédito horário, que lhe permitia a colocação de mais professores. Houvesse outra alternativa e, estou certo, a candidatura ao programa TEIP não se punha.

sábado, 15 de julho de 2023

Pedagogia: entre caminhos e estradas

Ao saber da morte de Milan Kundera, percorro mentalmente os livros que li dele. Fixo-me na Imortalidade. Vou à procura do que escreveu sobre o "caminho" como metáfora da vida e relembro o que escrevi a propósito.

"Os caminhos desapareceram da alma humana  diz Milan Kundera . E também a sua vida ele já não vê como um caminho mas como uma estrada".

Claro que continuamos a ter caminhos e a palavra não caiu em desuso, mas parece não ter em nós o impacto que tinha em tempos idos. Continuamos a dizer “meter os pés ao caminho", é certo, mas esta expressão, num mundo atravessado de estradas, que a contaminam, parece ter perdido o seu sentido original: a estrada vendo-se melhor na paisagem, faz desnecessários muitos caminhos.

A estrada pode ver-se melhor na paisagem, mas o caminho liga-se ao homem com outra intensidade: está mais à sua escala, convida-o a caminhar. Talvez porque, além de nome, também é forma verbal. E o caminho mais a forma verbal a que se junta faz o caminhante que lhe dá sentido. Com a estrada não se faz verbo: "estradar" não existe, e mesmo como verbo inventado não soa bem ao ouvido. A estrada está mais à escala da máquina, sugere que te deixes guiar.

"O homem já não sente o desejo de caminhar"! Porquê? Não tem caminhos que mereçam ser caminhados? Ou simplesmente desviaram-lhe o olhar para estradas, que o conduzem rapidamente a destinos que alguém lhe diz ser mais importante que a experiência de caminhos que convidam à pausa?

"O caminho e a estrada implicam também duas noções de beleza diz Milan Kundera."(...) No mundo das estradas uma paisagem bela significa: um ilhéu de beleza, ligado por uma longa linha a outros ilhéus de beleza. No mundo dos caminhos, a beleza é contínua e sempre em transformação: diz-nos a cada passo pára".

Não tenho nada contra as estradas, que fique desde já claro: Uso-as para chegar ao "ilhéu de beleza" que outro já descobriu antes de mim. Quer dizer, não aprecio nada, mesmo nada, que ao pedir, por exemplo, o significado de uma palavra a quem sabe, ele me dê um dicionário. Porquê? Já sei de que é feito o dicionário e a ordem alfabética não é segredo para mim. Mas não me pousem no cimo da montanha se a experiência que procuro é o prazer da escalada.