"Os caminhos desapareceram da alma humana – diz Milan Kundera –. E também a sua vida ele já não vê como um caminho mas como uma estrada".
Claro que continuamos a ter caminhos e a palavra não caiu em desuso, mas parece não ter em nós o impacto que tinha em tempos idos. Continuamos a dizer “meter os pés ao caminho", é certo, mas esta expressão, num mundo atravessado de estradas, que a contaminam, parece ter perdido o seu sentido original: a estrada vendo-se melhor na paisagem, faz desnecessários muitos caminhos.
A estrada pode ver-se melhor na paisagem, mas o caminho liga-se ao homem com outra intensidade: está mais à sua escala, convida-o a caminhar. Talvez porque, além de nome, também é forma verbal. E o caminho mais a forma verbal a que se junta faz o caminhante que lhe dá sentido. Com a estrada não se faz verbo: "estradar" não existe, e mesmo como verbo inventado não soa bem ao ouvido. A estrada está mais à escala da máquina, sugere que te deixes guiar.
"O homem já não sente o desejo de caminhar"! Porquê? Não tem caminhos que mereçam ser caminhados? Ou simplesmente desviaram-lhe o olhar para estradas, que o conduzem rapidamente a destinos que alguém lhe diz ser mais importante que a experiência de caminhos que convidam à pausa?
"O caminho e a estrada implicam também duas noções de beleza" – diz Milan Kundera."(...) No mundo das estradas uma paisagem bela significa: um ilhéu de beleza, ligado por uma longa linha a outros ilhéus de beleza. No mundo dos caminhos, a beleza é contínua e sempre em transformação: diz-nos a cada passo pára".
Não tenho nada contra as estradas, que fique desde já claro: Uso-as para chegar ao "ilhéu de beleza" que outro já descobriu antes de mim. Quer dizer, não aprecio nada, mesmo nada, que ao pedir, por exemplo, o significado de uma palavra a quem sabe, ele me dê um dicionário. Porquê? Já sei de que é feito o dicionário e a ordem alfabética não é segredo para mim. Mas não me pousem no cimo da montanha se a experiência que procuro é o prazer da escalada.
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