domingo, 29 de agosto de 2021

Reprovar ou reter, uma questão de semântica?

Daniel Lousada

Os alunos não reprovam, ficam retidos, ouço dizer, ironicamente, desde que, nos inícios dos anos noventa, a palavra repro­vação deu lugar a retenção em decretos e despachos, sem que, daqui, resultas­sem outros efeitos na progressão dos alu­nos, que passaram a ser retidos em vez de reprovados, no que foi entendido, por mui­tos, como apenas uma questão de se­mâ­ntica. E, no en­tanto, entre repro­vação e retenção há uma distância enorme. A re­provação tem subjacente um juízo de va­lor que a reten­ção não tem. Quando re­provo alguém es­tou a di­zer: O que fi­zeste é reprovável, isso não se faz; isto está er­rado, vai para o teu lu­gar e volta ao prin­cípio.

Imagine-se, por exemplo, que decido vi­a­jar do Porto até Lisboa. Embarco no “In­tercidades” e, ali pela região de Coimbra, a linha está interrompida. Fico então re­tido, à espera que a via seja desimpe­dida, ou que me seja dada alternativa para prosseguir a viagem. Compete à CP [Ca­minhos de ferro portugueses] fazer a ava­liação. E, na avaliação que fizerem, de certeza, não lhes passará pela cabeça fa­zerem-me regressar ao Porto, para ini­ciar de novo a viagem: fico retido apenas o tempo necessário à resolução do pro­blema. Mas, na re­pro­vação, a alternativa é voltar ao princí­pio, ponto!

Retenção não é reprovação. E só é repro­vação porque, desde início, se viu redu­zida a um conjunto de medidas puramente adminis­trativas e burocráticas, com "planos de re­cuperação" que, rapidamente, se integra­ram num processo de legitimação da re­pro­vação! Porque, sejamos claros, não há plano de recuperação que recu­pere, na recta final do ano escolar [Por isso é cha­mado também de retenção, por muito boa gente]. Neste sen­tido, um plano de recu­peração só será legítimo quando não ti­ver data fixa, num calendá­rio, para acon­te­cer, quando me for per­mitido “pa­rar” sempre que a dificuldade se fizer sen­tir: “parar” [reter naquele con­teúdo] porque algo acontece que não deixa avançar no caminho. Então ava­lio, e convoco os apoios e recursos neces­sá­rios se o desimpedimento da via for coisa que não sei fa­zer sozinho.

É aqui que tudo falha. Porque planos de recupe­ração, a acontecerem ali pela pás­coa, apenas dão para confirmar o óbvio, reduzindo a pedagogia a um mero acto administrativo. E, num ex­cesso burocrático, tudo se conjuga para que não se resolva problema nenhum: fa­zem-se diagnósticos e (pr)escrevem-se medidas, em impressos pronto-a-vestir, num processo em que a forma prevalece sobre o conteúdo. E se o problema não fi­car resolvido, que fique, pelo menos, bem arquivado, colocando entre ele e nós uma distância que não incomode!