domingo, 5 de maio de 2024

Falemos de educação e bem comum, de avaliação, exigência e excelência.

Na educação, tal­vez mais do que em qualquer outro lugar, a soma dos interesses individuais não produz o bem comum.

O modelo de competição (assente na conquista de interesses individuais, a qualquer preço) está de tal forma difundido entre nós, que é difícil imaginar que a excelência e a perfeição possam estar ao alcance de todos.

Reservamos o acesso à excelência àqueles e àquelas que foram sujeitos a uma selecção draconiana e se impuseram acima dos outros, ou até mesmo contra os outros.

Receio que pensemos ser exigentes porque somos selectivos. Abandonamos a exigência para que o processo de selecção funcione.

Temos de ajudar as crianças a competir consigo mesmas para se ultrapassarem, e não com os outros para esmagá-los.

Falta à escola uma visão educativa alargada. A escola é a única institui­ção por onde passam todas as crianças. Como tal, não creio que seja possível isentá-la da sua função educativa. Porque a própria instrução, por mais pura que seja, é sempre realizada num quadro que transmite valores. Os exercícios escolares não são neutros.

Excertos de "A Escola e o seu Espelho", de Philippe Meirieu e Jean-Bertrand Pontalis. CONTINUAR A LER >>>


sábado, 13 de abril de 2024

Se ele não sabe porque é que explicas?

A propósito da uma história de Manuela Castro Neves

Não é possível explicar a quem não quer saber de explicações. E só não quer saber de explicações, quem se sente a léguas do assunto da explicação.

Explicar é fazer com que o outro entenda o que temos a dizer. Mas para que isto aconteça precisamos saber o que ele sabe do que queremos que saiba. E só chegamos a esse saber pela conversa. Uma conversa só possível, tantas vezes, se tivermos a capacidade de ler os sinais que ele nos passa: a perplexidade que vemos no seu olhar e nos interroga,  que pode ser o início do diálogo que leva à explicação; ou aquele desafio que nos diz que não está nem aí e nos "convida" a seguir outro caminho, algo idêntico ao relatado em “Matemática, só matemática", uma das trinta e quatro pequeníssimas histórias que a Manuela nos conta no seu livro "Caderno A4", e que reproduzimos abaixo [as restantes só podem ser lidas no livro], num enredo que nos convida a reflectir sobre o caminho das explicações que damos: negociação ou confronto.

A Manuela diz que não dá explicações, mas explica! Explica no diálogo que o outro aceita ter com ela. Só não traz a explicação à cabeça. SEGUIR PARA A LEITURA DA HISTÓRIA >>>

Daniel Lousada

segunda-feira, 1 de abril de 2024

A ESCOLA

Philippe Meirieu
Este texto é a introdução de Philippe Meirieu ao livro "L'école e son miroir", que escreveu com Jean-Bertrand Pontalis, em jeito de conversa [Éditions Jacob-Duvernet, 2011 - trad. D.L.]

De que falamos quando falamos de escola? Estamos realmente certos do que sabemos? Não será este um assunto no qual estamos demasiado envolvidos para pretender ser [cientificamente] objectivos? Isto porque a escola é, ao mesmo tempo, o lugar para onde íamos quando éramos criança e para onde mandamos os nossos filhos. A escola é a imagem amarelecida que recordamos com saudade e a última reportagem da tv sobre violência escolar. É para nós e para os nossos filhos o lugar da alegria de aprender e da angústia de não saber. São os olhos que brilham quando recebem uma boa nota e aquela pressão no estômago no dia do exame. A escola é também uma máquina imensa - a maior empresa portuguesa - e o quotidiano frequentemente muito distante das generosas declarações de intenções dos políticos. A escola é o bem comum da república, o lugar onde se cruzam histórias singulares e imprevisíveis. É objecto tanto das nossas raivas e esperanças colectivas como o depósito das nossas ambições familiares.

Há sempre duas escolas. E se temos tanta dificuldade em falar delas no debate público é porque, quando alguém fala de uma, respondemos sempre a falar da outra: a quem se refere à escola da sua saudade, responde aquele que sublinha a novidade radical da situação actual; ao pai que afirma que a escola não pode ignorá-lo, responde o professor que teme a usurpação das suas prerrogativas; ao defensor da cultura humanista desinteressada, responde o contribuinte que exige uma boa gestão dos fundos públicos e o "controlo dos resultados". Não há escola sem o seu espelho: simultaneamente o mesmo e o seu oposto; de frente e de costas; da direita para a esquerda; da esquerda para a direita... Sem limites no espelho, a escola forja o seu reflexo, o seu duplo.

É preciso, portanto, sair deste efeito de "mise en abyme"[*] - patético ou irrisório, depende - para reinscrever a escola no nosso "mundo comum". Um empreendimento árduo, sem dúvida, tal a dificuldade em escapar de oposições caricaturais. Mas empreendimento de salvação pública, humilde e persistente.

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[*] Mise en abyme é um termo francês que costuma ser traduzido como "narrativa em abismo", usado pela primeira vez por André Gide ao falar sobre as narrativas que contêm outras narrativas dentro de si. É uma técnica que consiste em inserir uma obra dentro de si mesma, criando um efeito de reflexão infinita. Essa técnica é frequentemente utilizada na literatura, nas artes visuais e no cinema para explorar a noção de representação e autoreferência.

quinta-feira, 14 de março de 2024

João Costa: um ministro da educação que confundiu persistência com teimosia. E agora?

Não sou muito de ilusões ou desilusões. Mas confesso que João Costa, com as expectativas que criou, na imagem conciliadora que deu de si enquanto secretário de estado, no tempo da pandemia, acabou por se revelar uma grande desilusão, não pela "promessa" de renovação pedagógica que trouxe, mas pela caminho que usou na sua concretização, que deu no que deu! Daqui esta irritação estranha, que suplanta a irritação que senti, relativamente a outros ministros da educação que o antecederam e que, sem grandes expectativas e sem ilusões da minha parte, não tinham como desiludir-me.

João Costa por ex­cesso de voluntarismo, talvez, ou na ânsia de atingir rapi­damente os fins a que se propôs, e incapaz de negociar com os professores, consegue o feito "notável” de aprofundar a interpre­tação da peda­gogia como aplicação burocrática de protocolos estan­dardizados. “Desconhecendo” (?) que, num sistema esco­lar ultra-burocratizado, os professores corre­m o risco de “sucumbir ao vírus da hierarquia burocrá­tica, de pais perdidos, ou de colegas re­ceosos” [1], arregimenta a má­quina burocrática do seu ministério e das di­recções dos agrupamentos de escolas, ao serviço do seu programa. Preferiu, assim, a lógica da sujeição à lógica da emancipação que caracteriza a política educa­tiva que queria promover, ao deixar engordar o monstro sufocante de registos de controlo [2]: terá pensado, talvez, que o diálogo com os professores poderia ser feito atra­vés de directores, exímios no controlo burocrático das práti­cas. Não deu conta (?) que, com esta escolha, afas­tava os pro­fessores do processo de renova­ção pedagó­gica e desacre­ditava, aos olhos destes, o que de melhor se produziu, na pedagogia, nos últimos cem anos [3]. Foi obra! Com professores sem tempo para falarem entre si sobre a sua prática pedagógica, mas apenas para reunir à volta da construção da “grelha”, que ajuda a administração a controlar o seu trabalho, só poderíamos chegar aqui: desgastados pela contaminação bu­rocrática das propostas, grande parte dos professores já não consegue, lamentavelmente, ouvir falar de pedagogia de projecto, de gestão flexível do currículo, de tra­balho cooperativo, de educação para a cidadania... etc., etc.[4]

Cheio de certezas, João Costa meteu-se ao caminho, sem cuidar de saber se caminhava acompanhado ou sozinho. Tivesse seguido a máxima “Há um destino mas nenhum caminho; aquilo a que chamamos caminho é a hesitação[5] ter-se-ia dedicado, quem sabe, a acompanhar as hesitações de quem vive o dia a dia da sala de aula, e a “criar as condi­ções para a partilha de experiências”, no pressuposto de que “as dinâmicas de inovação devem ser construídas por adesão voluntária dos professores no exercício da sua au­tonomia e liberdade” [6]. Mas, infeliz­mente, insistiu e insiste ainda em dar de si a imagem de quem con­funde persis­tência com teimosia. Só mesmo por teimosia, alguém prestes a passar a pasta ao senhor que se segue, é capaz de insistir na realização de exames e provas de aferição em plataformas digitais [7]!

A partir de certo ponto – dizia Kafka – já não há regresso. Há que atingir este ponto[8]. João Costa não atingiu ponto algum. Pior, conseguiu, talvez, atingir o ponto que ne­nhum ministro quereria atingir: o ponto de ruptura [9]. Conseguiu colocar contra si a maior parte daqueles que o acompanhavam nos fins que elegeu e, pasme-se, não conseguiu dar por isso! "Se as políticas de educação não servem para abrir novas possibilidades de futuro, então para que servem?", interrogava-se António Nóvoa. Que desperdício: desbaratar o apoio de tantos, que o seguiam nos fins que elegeu!

Aqui chegados e com um novo governo à porta, pouco se sabe sobre o que se projecta para a educação. As grandes questões passaram ao lado da campanha eleitoral e os programas dos partidos adiantam pouco. Retenho, no en­tanto, uma medida que consta no programa da A.D.: a fu­são do 1º e 2º Ciclos, num único ciclo de ensino [10]. Não sei o que farão com ela: se fará apenas parte de um conjunto de medidas que visa, a curto/médio prazo, combater a falta de professores, e recuar em tudo mais que o actual ministro não conseguiu levar a bom porto, ou se vem tam­bém para integrar uma ideia de re­no­vação pedagógica [11], mantendo uma ou outra “bandeira”, de João Costa: aquela, por exemplo, da gestão fle­xí­vel do currí­culo, mais amiga de uma escola inclusiva, que promove a ligação entre saberes. Não sei. Mas olhando o perfil dos ministros de educação do PSD que o antecederam, sem querer fazer futurologia, o mais certo é um tremendo retrocesso relativamente aos fins que João Costa definiu. Sem ilusões, espero para ver.

Nota sobre o perfil de um futuro ministro da educação.

É interessante observar os exercícios que se fazem por aí, na tentativa de adivinhar o nome de quem poderá vir a ser o futuro ministro da educação. Para além do regresso de Nuno Crato, de fraca memória, Alexandre Homem de Cristo é nome de quem se fala. Não sei se será o nome do futuro ministro, mas a divulgação do seu nome é já um sinal, uma forma de condicionar, talvez, a escolha de um perfil. Acho que não seria descabido revisitar as crónicas que escreve no Ob­servador, para ficarmos com uma ideia do que poderá vir por aí.

Daniel Lousada

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[1] Nicolas Go, in Freinet: l’arternative. Principes et orientations. Chroni­que sociale, Lyon, 2022, p. 61.

[2] Tudo ou quase tudo que emana do ministério da educação chega à escola e é transformado numa sigla, e a expressão que esta codifica passa a ser outra coisa: pedido de resposta, num formulário, a uma pergunta que o professor não fez, não teve necessidade de fazer, que não decorre do seu trabalho, e ajuda muito pouco a reflectir sobre ele. Ver >>>

[3] “Os processos de transformação e de metamorfose da escola não se constroem a partir de novas leis, reformas tecnológicas, mas com a cri­ação de condições para partilhar experiências, com liberdade e apoio dos poderes públicos (Nóvoa, 2023).
[4] Para o clima vivido nas escolas, não concorreu apenas a contagem do tempo de serviço para efeito de progressão na carreira. Acho que o entendimento do ministro sobre o significado de “adesão voluntária” contribuiu e muito para a insatisfação dos professores. Veja-se a título de exemplo o projecto MAIA: os directores dos agrupamentos de es­co­las dizem ámen e o que era facultativo virava logo obrigatório.
[5] Franz Kafka, Aforismos, Lisboa, Assírio & Alvim, 2008: p. 31.
[6]António Nóvoa, jornal Público, 6 de Janeiro de 2023.
[7]Poderia manter, talvez, neste formato, as provas na área das Tecno­logias de Informação e comunicação, cumprindo parte da sua agenda, nesta matéria.
[8] Franz Kafka, idem, p. 50.
[9] Imaginando o “Jogo da Glória”, João Costa quis levar a educação até céu e, no percurso, em grande parte feito de muita teimosia, caiu na casa do inferno. Agora, o mais certo é o regresso à casa de partida.
[10] Até nisto o ainda ministro conseguiu desbaratar a mai­oria absoluta de que dispunha, não se lembrando (!) de iniciar a reestruturação dos ciclos de ensino básico, há muito pensada mas nunca iniciada por incapaci­dade em afrontar o poder corporativo liderado pelos sindicatos, com receio de que tal resultasse na redução de turmas e consequente ex­cesso de professores – algo que já se sabia ser o contrário.
[11] Afinal, a principal motivação que está na sua origem, quando surgiu ainda no século passado
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quinta-feira, 7 de março de 2024

A reestruturação dos Ciclos do Ensino Básico.

Daniel Lousada

No século passado ainda [final dos anos oitenta, inícios dos noventa talvez], foi lançada a ideia de estender o modelo de monodocência até ao sexto ano, eliminando desta forma o 2º Ciclo do ensino Básico. Julgo que a formação de professores do Ensino Básico, que junta a uma formação generalista uma variante disciplinar, contemplava já esta possibilidade. A ideia não avançou, e continuamos onde estamos. 

Os argumentos a favor ou contra esta ideia são conhecidos. Há-os para todos os gostos na net. Não vou, portanto, listá-los aqui. Começo então por comentar a opinião daqueles que, ao verem este tema discutido no relatório "Educação 2022", defendem que, "numa altura de grande escassez de professores, presente e futura, nada acontece por acaso"[1]. Também nesta coisa dos acasos é possível encontrar acasos para todos os gostos. Quando, no tempo do governo de Passos Coelho, a fenprof parecia abrir porta à divisão do currículo do 1º Ciclo em "fatias"[2], dizia-se, não por acaso também, haver excesso de professores. Não é portanto por acaso que, nesta sucessão de acasos, sejam ora os interesses da tutela ora os interesses corporativos a trazer o tema da fusão entre ciclos para a agenda.

Uma coisa parece certa: de acordo com o jornal Público, o tema é assunto, pelo menos, no programa da A.D., mas desconheço em que termos. Nisto da leitura de programas eleitorais, sou como a generalidade dos portugueses: fico-me pelo que se diz. Por vezes, é certo, nestas coisas, nem o que se escreve se faz, quanto mais o que se diz. Mas, à cautela, o melhor é estarmos atentos e prepararmos-nos para reagir ao que pode vir por aí.

A fusão de ciclos, mantendo a monodocência, ou avançando com a pluridocência a partir do 3º ano, são hipóteses pensadas no passado. Fica por saber o que esta pluridocência significa. É que entre a docência partilhada com um professor coadjuvante, e a divisão do currículo em disciplinas, leccionadas por professores especialistas nos respectivos conteúdos disciplinares, a diferença é enorme. 

Há compatibilidade entre monodocência e pluridocência? Sim. Não é preciso dispensar o modelo em vigor no 1º Ciclo, para permitir a entrada de professores especialistas desta ou daquela área disciplinar. Têm é de entrar para apoiar e não para substituir o professor titular, à semelhança do que acontece, por exemplo, com a educação especial. Mas isto, a meu ver, implica que se repense o serviço de apoio aos professores e seus alunos, e o perfil dos respectivos especialistas [3].

No 1º Ciclo, o que se passa com a disciplina de inglês, nas situações que observo, reflecte um modelo incompatível com o regime de monodocência. Faz parte do currículo deste Ciclo, mas parece um corpo estranho a correr fora dele. Para mim, que apoio, convictamente, a extensão da monodocência até ao 6º ano, não me faria impressão alguma ver a língua inglesa a partir mesmo do 1º ano, desde que a sua entrada se desse como mais um instrumento de cultura que nos liga ao mundo, interligada com outras componentes do currículo [4]. Como nem todos os professores do 1º Ciclo sabem o mínimo dos mínimos, indispensável para ensinar inglês, há o especialista que os coadjuva, podendo o professor do 1º Ciclo, que se mantém na sala de aula, como figura tutelar de referência, aprender com ele, apoiando os seus alunos enquanto aprende com eles [5]. Seria a aprendizagem cooperativa professor/aluno, no seu melhor, atrevo-me a dizer.

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[1] Comentário partilhado na página do Facebook de "Inquietações Pedagógicas".
[2] "A reorganização do 1º CEB que se defende, (...) implica o fim do regime de docência com um único professor para todas as áreas curriculares" [Jornal da FENPROF nº 274, Dezembro 2014, p.18].
[3] Aqui não posso deixar de entrar num assunto que, talvez, não seja do agrado dos professores de educação especial que, a meu ver, não são todos especialistas na área de especialização de que a escola precisa. Por exemplo, o que aprendi sobre deficiência mental, serviu-me de muito pouco [para não dizer nada], no apoio que fui chamado a prestar às crianças portadoras daquele tipo de deficiência. Mas isto são fados de outro fadário, que ficam para “cantar”.
[4] Sérgio Niza defendia, há alguns anos, que os conteúdos nucleares do 1º Ciclo são os Estudo do Meio, identificando os conteúdos da língua portuguesa e da matemática, como instrumentos de cultura, naquela visão integrada que tem caracterizado o seu currículo
[5] Assim, por exemplo, quando na área do Estudo do Meio, no Bloco 1 - À descoberta de si mesmoas crianças são levadas a identificar-se pelo seu nome, a identificar os seus pais e outros familiares, e respectivas profissões, os amigo, o lugar onde vivem, etc., poderiam brincar com a língua inglesa: I am ..., my name is ..., my best friend is ..., etc.

domingo, 3 de março de 2024

O que é cooperar?

Nicolas Go
Versão portuguesa de Daniel Lousada

Cooperar é “trabalhar juntos”.

Do latim opus, que significa tanto o trabalho quanto a obra, a palavra designa o produto concreto do trabalho [operari signi­fica trabalhar]. O prefixo cum [“com”] indica que o tra­balho é feito em conjunto. É, portanto, a associação de duas ideias, a do trabalho e a do que é comum. É uma certa forma de trabalho, cuja propriedade é que seja feito em comum. Mas o que é esse comum? E como se concebe esse trabalho? CONTINUAR A LER >>>

sexta-feira, 1 de março de 2024

Pedagogia: em busca de um tempo presente de alegria de viver

Nicolas Go
Versão portuguesa de Daniel Lousada


Práticas

Sabemos bem que a obra de Proust não relata o percurso de quem procura o que perdeu, mas que se apresenta como a criação literária de um mundo sensível. Da mesma forma, a pedagogia não trata o tempo como algo que deve ser racionalizado para não ser desperdiçado. Molda um tempo de subversão das instituições escolares. Abre a pos­si­bilidade de um outro mundo, um tempo presente de ale­gria de viver, um tempo de poder supremo sobre o traba­lho.

O tempo perdido é o de um presente sem desejo, LER MAIS >>>

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Educação: entre "ducere" e "agere"

Nicolas Go

Sabemos que pedagogo deriva do grego paidagôgos – “aquele que guia as crianças” –, uma palavra composta de paidos – que se refere a um filho e que pode ser interpretada também como criança – e do verbo agein, que significa "conduzir, guiar". Na antiguidade, o pedagogo não era o professor, era o empregado [normalmente um escravo] encarregado de acompanhar a criança à escola, [levava-lhe a sacola e a lanterna com que iluminava o caminho do seu jovem amo], e tinha como função a formação e a educação moral ou, no sentido metafísico, a de "condutor de almas".

Uma grande maioria das palavras gregas são as de uma civilização de pastores, guias de rebanhos. O termo agein – conduzir – está próximo de agelê, que significa rebanho, manada, e que acabou por se transformar, no latim, em agere, que quer dizer agir. Isto para dizer que o significado de conduzir que é atribuído à palavra grega agein tem o sentido de "empurrar à frente". Como é que se conduzem os rebanhos? Empurrando-os à frente. Não é o pastor que programa o caminho dos animais, são os animais que, por si sós, na exploração que desenvolvem através do pasto existente, controlam o caminho de acordo com as suas necessidades. É uma relação rebanho/pastagem. O pastor limita-se a estimular os que param ou se perdem. A evolução da língua, em latim, levou ao termo ducere, que significa também "conduzir", mais precisamente, "conduzir indo à frente", e foi deste verbo que derivou a palavra educação. Temos então "ducere” – “conduzir indo à frente" – e “agere” – “empurrar à sua frente" ou fazer caminhar. Dois tipos de pedagogia.

* In "A criança autora: para a construção de uma prática de emancipação >>>

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

D' "A sociedade do resumo"

Rosário Rosa e Daniel Lousada

No "perfil" de um amigo (o perfil é do facebook, mas o amigo é de verdade), damos com o artigo "A sociedade do resumo" [09.02.2024], de Filipe Gil, editor do Diário de Notícias.

A propósito do livro "Smart Brevity", que explora "o poder de dizer mais com menos", Filipe Gil não resiste a comparar o comportamento da sua geração com o comportamento da geração actual, face ao consumo dos bens de cultura:"Naquele tempo" (o seu), "há menos de trinta anos, os bons alunos explicavam, es­creviam e, pasme-se, pensavam", dando a entender que os bons alunos, hoje, não explicam, não escre­vem e, pasme-se, não pensam! Será? Não sabemos! Como não sabemos, e Filipe Gil não explica, se os bons alunos não pensam porque não explicam como querem que expliquem; ou se não explicam porque escrevem o que pensam na mesma forma rápida e sucinta, que já naquela época safou o autor da “soci­edade do resumo”, em tantos testes e exames, com notas acima da média, dando-lhe acesso à desejada categoria dos bons alunos.

Mas sabemos que os 30 anos que medeiam os tem­pos a que Filipe Gil se refere não conheceram altera­ções tão significativas no sistema educativo portu­guês que permita que, hoje, um aluno que não leia e não pense possa ser um bom aluno, assim como não acreditamos que o sucesso dos bons alunos de ontem passasse pela leitura de muitos livros, com muitas pá­ginas[1] e por um pensamento aprofundado sobre os assuntos. Há trinta anos, eram também muito poucos os que "explicavam, escreviam e pensavam", a maio­ria lia apenas o estritamente necessário[2] para atingir os objetivos definidos pela escola. As excepções exis­tiam, como continuam a existir, no presente.

Então o que leva Filipe Gil a convocar a “sociedade do resumo” para acusar os jovens de hoje da falta de pensamento?

Curiosos, e para não nos metermos a comentar o as­sunto completamente às escuras, fomos à procura do livro, que Filipe Gil identifica de "quase auto-ajuda", e encontramos uma amostra (gratuita) da versão di­gital, disponível na Amazon. A leitura da amostra sa­tisfez a nossa curiosidade, dispensando-nos do inves­timento no livro, por falta de entusiasmo pelo con­ceito. “Não nos adaptámos ao excesso de informa­ção", é a constatação de partida, legítima a nosso ver, dos autores de smart brevity, administradores de uma empresa de média, dedicada a ganhar dinheiro com a informação tratada, que disponibilizam aos "leitores mais influentes e exigentes para consumi-la - CEOs, líderes políticos, gestores e curiosos viciados em notícias", oferecendo-lhes a notícia em menos pa­lavras, breves apontamentos, talvez .

Aqui chegados, achamos que só na falta de entusi­asmo pelo modelo de negócio em que assenta o con­ceito de smart brevity nos aproximamos de Filipe Gil; de tudo mais que defende no seu artigo, afastámo-nos. “Estamos a deixar que esta sociedade do resumo aconteça", diz o editor do DN, qual representante das gerações dos "trinta e muitos, quarentas e cinquen­tas", como se a sociedade que identifica “do resumo” dependesse da nossa autorização ou da vontade dos jovens que critica para acontecer.

Quanto a nós, o que vivemos hoje em dia, na forma de ‘resumos’ está longe de ser algo que apenas atinge os mais jovens, e não conseguimos identificar-nos ou embarcar neste tipo de "guerras geracionais" de va­lor, assentes em descrições que, a nosso ver, são úteis apenas para excluir a hipótese de que estamos errados ou, como refere Maria Zara Coelho[3], de a es­cola estar enganada, de os adultos que o fazem, e so­bre ela escrevem, estarem a deixar fugir cada vez mais a realidade que pretendem modelar: é o triunfo da cultura prescritiva de que fala Machado Pais[4], jus­tificada pela massificação do ensino, sujeito cada vez mais a uma economia de escala. Infelizmente, na es­cola, como nos jornais que a contam, as perspectivas tão diversificadas dos jovens pouco valem”[5].

Vivemos, como sempre vivemos, num mundo feito de “ondas” que, indiferentes a quaisquer tentativas de controlo, e não se deixando navegar (apenas sur­far), seguem o seu caminho influ­enciando a nossa forma de pensar. Acontece que a maior parte dos jo­vens da nossa geração (a tal dos trintas, quaren­tas, e mais) deixavam-se, apenas, ir na onda! Quer dizer, sem de­safio e sem escolha, limitavam-se a segui-las sempre rumo às praias que lhes eram indi­cadas. Não sendo mais possível garantir que os jovens seguem a onda indicada, resta-nos, com eles, identificar as on­das que melhor nos servem, cuidando que somos ca­pazes de surfá-las para não nos deixarmos afogar por elas. Até porque não são só os jovens que correm o risco de não chegar à praia. E hoje, quer pela dimen­são quer pela na­tureza das on­das, não fica claro o lu­gar de quem aprende e de quem ensina neste pro­cesso de surfar: em muitos aspectos, não estamos se­guros de estar suficiente­mente habi­litados para surfá-las: só em co­operação com os jo­vens – e eles connosco – nos manteremos à tona.

”O modo como pensa­mos depende do modo como co­municamos”[6] – defende Castells[7] –, ou como sur­famos, diríamos mantendo a analogia. E, neste sen­tido, afirmamos a urgência de encarar a dimensão ge­racional, não numa lógica de oposição, mas de rela­ção. Como pen­sam os jovens, como se relacionam entre si? De que forma procuramos conciliar os seus interesses (se é que procurámos conciliá-los) com os interesses de uma escola tão pouco flexível?[8] Tudo desafios que só no interior de uma profunda reflexão pedagógica é possível enfrentar. Um problema da pedagogia que, na falta dela, se agudiza dia após dia!

VERSÃO EM PDF DISPONÍVEL >>>

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[1] Embora presente em muitos professores e na sociedade em geral, a ideia de que os estudantes (bons ou maus) “não pensam” é absurda. Os jovens pensam, e provavelmente não pensam menos do que as gerações anteriores, até porque o mundo em que vivem é muito mais complexo: estruturas enfraquecidas; enorme volume de informação diversificada e contraditória; incerteza e risco na percepção do futuro ...
[2] Convém recordar que o livro era quase um bem de luxo, raro nas casas das famílias portuguesas.
[3] Jovens no discurso da imprensa portuguesa: um estudo exploratório. Análise social, vol XLIV (191), 2009, pp. 361-377.
[4] 2001, p. 414
[5] Neste afã de olhar o lado negro do mundo, não vêem que o futuro se vai fazendo, de preferência de forma participada, envolvendo os jovens.
[6] Não há pensamento sem comunicação. E o outro está sempre presente quando pensamos, mesmo no diálogo interior que aprendemos a fazer na sua ausência, a partir dos inúmeros diálogos que tivemos com ele.
[7] Ver registos vídeo: Escola e internet>>> e O poder da juventude é a autocomunicação>>>
[8] O interesse, aqui, tem o sentido que lhe é atribuído por Daniel Pennac, que o distingue do desejo: o que desejamos nem sempre é do nosso interesse. Quantos alunos conhecem o programa (não os conteúdos dos manuais escolares), que faz parte do seu contrato com a escola, essencial na construção das pontes entre os interesses em confronto?


sábado, 10 de fevereiro de 2024

Tecnologia Digital: Extensão ou substituição? Mais outras interrogações e a pedagogia no horizonte

Tema em desenvolvimento, iniciado a partir das interrogações de Isabel Calado, que tomamos a liberdade de fazer nossas, saídas da 75ª "Tertúlia Inquietações Pedagógicas".

Embora a minha preocupação, como professor, no que diz respeito à tecnologia digital, tenha ido no sentido do uso que lhe poderia dar como instrumento auxiliar do meu trabalho, de tirar o melhor partido dela, no dia-a-dia da sala de aula, hoje acho que acompanharia Isabel Calado, na sua preocupação, e estaria muito mais preocupado com o que a tecnologia pode fazer connosco, e não tanto com o que nós podemos fazer com ela

Trata-se, sem recusar o conforto que a tecnologia traz às nossas vidas, de pensar o seu uso de um modo que não nos faça seus escravos, que nos paralisa quando nos afastamos dela.

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