No mundo actual, que se diz «horizontal» e resistente à verticalidade hierárquica, em nome da democracia e da igualdade, a negação da dimensão pedagógica na relação de ensino, já não é sustentável, a não ser que se retome a retórica dos defensores da ordem antiga ou que se proceda abertamente à selecção dos alunos em fileiras estanques e hierárquicas, que é a agenda fundamental dos partidos de direita. É por isso que uma das formas de reintegrar esta dimensão pedagógica sem aludir às noções legadas pela história da pedagogia é recorrer à «ciência» e aos lugares-comuns pedagógicos da neuro-educação, como se fossem uma descoberta recente.
Quais são os contributos e os conceitos-chave da neuro-educação? […] Os seus credos didácticos limitam-se, de facto, às primeiras aprendizagens, cuja actividade neuronal é acompanhada e cujas funções são decifradas: a linguagem oral, a leitura e a escrita, o cálculo e a aritmética são os principais alvos da prescrição «neuro». As aquisições mais complexas, características da escolaridade posterior, já não são objecto de uma prescrição pedagógica detalhada, porque permanecem misteriosas para a investigação neurocognitiva. É a constatação de Stanislas Dehaene: «Não compreendemos [...] como [as mudanças nos neurónios e no seu ambiente] implementam as aprendizagens mais elaboradas, baseadas na “linguagem do pensamento”, a combinação de conceitos específicos da espécie humana. [...] Não existe um modelo realmente satisfatório das redes neuronais subjacentes à aquisição da linguagem ou das regras matemáticas. Passar da sinapse às regras simbólicas que aprendemos nas aulas de matemática continua a ser, atualmente, um desafio». É por isso que, para o resto da escola do 1º. ciclo, a partir do 2º ou 3º ano, as prescrições «neuro» continuam a ser muito gerais e não vão ao cerne dos conteúdos e das tarefas escolares reais.
Em que consistem estas prescrições? Dizem respeito ao controlo da atenção, da memorização, da automatização, do raciocínio, do empenho activo e, paralelamente, à condução de comportamentos favoráveis à aprendizagem: o sono, a actividade física e artística do corpo. Todas estas áreas são, precisamente, as trabalhadas pela pedagogia desde as suas origens, até à «psicopedagogia», uma vez que se baseia nos resultados da psicologia do desenvolvimento desde o final do século XIX e da psicologia cognitiva no século passado. Para o comprovar, basta consultar a volumosa literatura de investigação sobre as formas de raciocínio (indutivo, dedutivo, abdutivo, etc.), sobre a docimologia, que estuda as diferentes formas de avaliação das aprendizagens (sumativa, formativa, portefólio, etc.), sobre as investigações relativas aos mecanismos de com-preensão, abstracção e conceptualização em geral, ou em didática nas diferentes disciplinas (ciências, matemática, francês, educação física, etc.). Alguns investigadores esforçaram-se por obter modelos úteis para a reflexão e a prática pedagógica.
A neuro-educação revisita assim, à sua maneira, aquilo a que poderíamos chamar, sem ironia, os lugares-comuns da pedagogia. É certamente preferível que assim seja, mesmo que se deseje que os trabalhos pioneiros e as tendências de investigação não sejam ignorados, dando a aparência de um grande zapping (a neuro-educação a substituir a referência à pedagogia) ou de uma redescoberta. Se esta reapropriação «neuro», feita às escondidas, permite aos professores do ensino secundário manterem-se aparentemente fiéis a uma certa postura «erudita» ou «científica» dominante, adoptando na realidade uma postura mediadora e não transmissora, será que este ardil assegura um ganho pedagógico para os alunos?
A procura de uma maior eficácia pedagógica sob a bandeira «neuro» não deve impedir-nos de nos interrogarmos também sobre o sentido e os valores que rodeiam o acto de ensinar (aquilo a que os filósofos da educação chamam a dimensão axiológica). Os movimentos educativos, as associações de especialistas, os sindicatos e todos os actores colectivos, têm um papel importante a desempenhar, para que os fundamentos políticos e éticos da profissão permaneçam vivos na prática quotidiana e não sejam submergidos por questões técnicas ou «burocráticas».
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