segunda-feira, 22 de julho de 2024

Que estratégias pedagógicas para um mundo-projecto? *

Versão portuguesa de Daniel Lousada

Como podemos iniciar uma verdadeira prática de Educação Ambiental, que traga o mundo às nossas vidas, traga os outros à vida no mundo e permita que o mundo seja um lugar de projectos e não apenas um mero objecto? Cinco princípios, simples, parecem-me ser o caminho a seguir: são retirados da grande tradição dos “pedagogos históricos” que tanto têm para nos ensinar, de Pestalozzi a Korczak, de Ferrer a Makarenko, de Freinet a Oury, de Maria Montessori a Germaine Tortel, de Cousinet a Paulo Freire e muitos outros...

  1. Fazer tudo sem fazer nada": era o lema de Rousseau. Os pedagogos chamam-lhe “organizar o ambiente”. “Não nos ocupamos das pessoas, ocupamo-nos do ambiente, dos dispositivos, estruturamos o espaço e o tempo”, diz Makarenko. A nossa reflexão, neste domínio, continua a ser insuficiente, e os professores são demasiado idealistas: fixados nos conteúdos, indiferentes às condições em que estes são transmitidos. A este respeito, podemos, legitimamente, ficar chocados com a falta de trabalho sobre a organização do próprio ambiente escolar, incluindo, por vezes, por aqueles que afirmam ensinar educação ambiental. O próprio ambiente escolar é, demasiadas vezes, abandonado. Não falamos da reflexão sobre a arquitectura escolar, que está ainda a dar os primeiros passos. Nem sequer mencionemos o facto de que, por exemplo, as autoridades locais, responsáveis pela construção das escolas, não disporem de um caderno de encargos nacional, que imponha um mínimo de exigências pedagógicas. Sem esquecer o facto de que, em muitos casos, qualquer educação ambiental será imediata e totalmente contrariada pelo próprio ambiente escolar, que viola as regras estabelecidas. As crianças não salvarão o planeta se não as colocarmos num ambiente escolar onde possam compreender a interacção entre o homem e o ambiente, experimentar a ligação entre o privado e o público e ter espaços onde possam aprender não a “desfrutar” da natureza, mas a viver com ela.
  2. Trabalhar com: este é um segundo princípio pedagógico essencial. Trabalhar com as crianças tal como elas são, e não como gostaríamos que fossem. Claro que preferíamos que elas estivessem já educadas, mas elas não estão educadas – isso é connosco! E temos de “lidar” com crianças concretas, crianças que têm uma história, um passado, condicionamentos e problemas, que estão muitas vezes marcadas pela vida. Temos de “ir em frente”, não nos resignarmos, mas pegar nelas onde estão e acompanhá-las, trabalhar com elas para as levar mais longe. Édouard Claparède definiu como lema da Maison des Petits que fundou em Genebra: “A escola onde as crianças não fazem o que querem, mas querem o que fazem”. Não se trata, portanto, de abandonar as exigências da educação, bem pelo contrário, mas de fazer com que os educadores tomem as crianças onde elas se encontram, para as ajudar a progredir. As crianças estão num “mundo-objecto”... cabe-nos a nós, na sala de aula, criar situações educativas que lhes permita experimentar um “mundo-projeto”.
  3. Fazer “como se” para fazer de facto: fazer “como se” as crianças fossem capazes quando ainda não o são... Esta é a grande dificuldade que confronta todo o educador. Uma criança não é, por definição, um ser livre e responsável; mas o papel do educador é antecipar razoavelmente o futuro, para o fazer acontecer. Antecipar o suficiente, para que a criança perceba o desafio e o supere. Não antecipar demasiado, para além do que é possível, para evitar o desânimo. Desta forma, ao trabalharmos em conjunto, para lançar desafios, que permitam às crianças superarem-se a si próprias e avançarem, estaremos, gradualmente, a permitir-lhes fazer o que não sabiam e não conseguiam fazer. É uma bela alternativa ao comportamentalismo, desde que mantenhamos a preocupação de permitir o aparecimento de comportamentos responsáveis, de respeito pelos outros e pelo meio ambiente, mas recusando, como método educativo, o adestramento.
  4. Fazer coisas aqui para aprender a fazer coisas noutro lugar: esta é a questão central da “transferência”. A educação ambiental coloca, claramente, a questão da transferência. De facto, as limitações do modelo behaviorista residem, precisamente, no facto de ignorar a questão da transferência. Porque o que eu aprendo a fazer mecanicamente aqui, se não o compreender, se não o souber projectar noutro contexto, só o poderei fazer aqui, exactamente nas mesmas condições, e logo que o professor vire as costas, logo que o tempo de escola acabe, tudo o que aprendi será totalmente inútil. A educação ambiental deve, portanto, interessar-se particularmente pela transferência, e ter os meios para o fazer, porque trabalha precisamente sobre os contextos; e a transferência é precisamente uma “métrica dos contextos”: variamos os limites, aproximamos e afastamos as fronteiras do mundo, para nos compreendermos, progressivamente, no mundo. A educação ambiental consiste em ensinar os alunos a situarem-se num determinado espaço e num determinado tempo, começando pela própria sala de aula, pelo bairro, pela cidade, por uma zona rural, e depois alargar progressivamente as suas observações, regressando regularmente ao ponto de partida, verificando a coerência do “sistema”, antes de avançar em mais explorações.
  5. Trabalhar em conjunto: a cooperação escolar é, na minha opinião, um princípio fundamental da educação ambiental. Para mim, não pode haver uma verdadeira educação ambiental sem a aplicação persistente de uma abordagem pedagógica cooperativa, sem aprender a trabalhar em conjunto, em que o sucesso não se faz em detrimento dos outros, mas com eles. Onde aprendemos com eles enquanto eles aprendem connosco. Onde descobrimos o prazer de aprender juntos. Porque o conhecimento não é um bem de consumo. No mundo comercial, quanto mais se tira de algo, menos sobra; quanto mais se dá, menos se tem. No domínio do conhecimento, é o contrário: quanto mais se dá, mais se domina o próprio conhecimento, mais se partilha e mais rico se fica! Uma bela prefiguração do que poderia ser um mundo onde o desenvolvimento se baseia na solidariedade, que beneficia todos! Temos de aprender, com os nossos alunos, que a informação partilhada é uma informação enriquecida, mesmo que isso signifique que já não posso exercer o poder sozinho. E sobre este plano todos nós temos muito a progredir nas nossas instituições mútuas. A informação é, demasiadas vezes, entendida como uma oportunidade para exercer poder. É verdade que quem partilha a informação renuncia a algumas das suas prerrogativas. Mas, de um ponto de vista pedagógico, quem sabe partilhar informação, na realidade, sabe também multiplicar o que diz e o que faz; deste modo, entra na lógica da verdadeira cooperação, a do desenvolvimento solidário.

Conclusão

Em suma, a educação ambiental não é, evidentemente, uma disciplina marginal ou uma matéria suplementar, que se possa acrescentar aos programas escolares, acrescentando uma hora aqui ou outra ali. A educação ambiental, tal como tentei apresentar-vos, é uma educação para a responsabilidade e para a cidadania planetária e, como tal, é o próprio exercício, no domínio educativo, desse “princípio de responsabilidade”, em relação ao futuro, que o filósofo Hans Jonas transformou na pedra de toque da nossa moral colectiva.

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* in "Éduquer à l’environnement : pourquoi? Comment? Du monde-objet au monde-projet”, pp. 16-19. LER >>>

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