sexta-feira, 18 de março de 2022

Quando interesse e desejo se misturam e confundem

Versão portuguesa de
Luís Goucha
[
Sobre um texto incluído num artigo de Magali Caille, no jornal “Ouest-France”]

Victoria Prooday, Terapeuta Ocupacional [Toronto-Canada] constata no seu dia-a-dia profissional que o desenvolvimento social, emocional e escolar das crianças está em regressão e que ao mesmo tempo aumentam de forma significativa as dificuldades de aprendizagem na escola. Trata-se, aliás, de uma constatação que se encontra em linha, com outras investigações nesta área, nomeadamente, a que nos é apresentada por Michel Desmurget, na sua “Fábrica de Cretinos Digitais”.

Como sabemos, o cérebro com a sua grande plasticidade, permite, ao sistema nervoso, a capacidade para o alterar. Graças ao ambiente que nos rodeia podemos torná-lo mais apto, ou mais lento. Acredita-se que, apesar de todas as nossas melhores intenções, infelizmente, o cérebro das nossas crianças está a caminhar na direcção errada.

Era importante reflectir sobre algumas dessas razões, que nos tocam mais de perto e podem ser corrigidas, porque é notório que as crianças se aborrecem cada vez mais na escola, têm menos paciência e, cada vez mais, fazem menos “verdadeiros” amigos.

1. DIVERTIMENTO SEM LIMITES

Criou-se um mundo artificialmente divertido para as nossas crianças. Não existem momentos sem fazer nada, aborrecidos. Quando o ambiente se torna calmo apressamo-nos a criar um novo divertimento, porque caso contrário nos sentimos maus pais. Vivemos em mundos separados: eles vivem um mundo “divertido”, nós vivemos um mundo de “trabalho”.

Porque é que as crianças, em casa, não ajudam nas ta­refas domésticas, a arrumar a casa, lavar a loiça, cuidar das suas roupas? Porque não hão-de arrumar o que de­sarrumaram? Trata-se de trabalho monótono e desin­teressante que treina o cérebro a trabalhar o que é “aborrecido”, precisamente o mesmo “músculo” que lhe irá ser solicitado na escola. Quando chegam á escola e lhes pedimos para escrever as respostas são sempre as mesmas: “Não sei, é muito difícil, é aborrecido, não me apetece”. Precisamente porque este o “músculo”, criado para o trabalho e o esforço, está apenas habituado a trabalhar em modo divertimento.

2. INTERACÇÃO SOCIAL LIMITADA

Na sociedade actual, andamos todos muito ocupados, por isso oferecemos brinquedos electrónicos às crianças para elas estarem “ocupadas”. As crianças durante muitos anos estiveram habituadas a brincar na rua, em locais exteriores não estruturados, onde aprendiam a exercer as suas competências sociais, capacidades e habilidades várias.

Infelizmente a tecnologia substituiu o tempo e a vida no exterior. A tecnologia também tornou os pais menos disponíveis para interagirem socialmente com os filhos. Evidentemente elas tornam-se menos aptas e ágeis, os gadgets e jogos, não foram concebidos para desenvol­ver competências sociais das crianças.

Se queremos que uma criança aprenda a andar de bici­cleta, temos de a ensinar. Se queremos que ela aprenda a esperar, temos de lhe ensinar a paciência. Se quere­mos que as crianças se socializem, teremos de fazer a mesma coisa… porque não há nenhuma diferença.

3. TER O QUE QUEREM QUANDO QUEREM

A possibilidade de retardar a “recompensa” é um dos factores essenciais para um futuro sucesso e não só das crianças. Desenvolvemos as melhores interacções para que sejam felizes, mas infelizmente apenas são felizes naquele instante e infelizes no futuro. Ser capaz de di­ferir a “recompensa” significa ser capaz de enfrentar si­tuações de stress. As crianças estão cada vez menos equipadas para enfrentar situações banais de contrari­edade. A incapacidade em diferir é muitas vezes cons­tatada nas salas de aula, nos centros comerciais, nos restaurantes no instante em que ouvem a palavra NÃO! Consequência evidente da situação em que têm tudo o querem, de imediato.

4 A TECNOLOGIA

A utilização das tecnologias como forma de baby-sitting grátis, é uma coisa que sai muito cara. O preço a pagar está em anexo. É o sistema nervoso das crianças que paga, com a atenção, e com a capacidade de diferi­mento do desejo. Ao lado da realidade virtual a vida quotidiana parece sem interesse, logo aborrecida. Quando as crianças chegam às aulas, estão sujeitas às vozes e relacionamento com várias pessoas, a uma es­timulação visual mais adequada em comparação com o bombardeamento de “efeitos especiais” com que lhes inundam os ecrãs.

Depois de algumas horas de realidade virtual, terão cada vez mais dificuldades em integrar o que lhes é ofe­recido numa sala de aula porque o cérebro esta habitu­ado a níveis muito elevados de estimulação fornecida pelos jogos de vídeo. A incapacidade de tratar níveis mais básicos de estimulação, lidar com situações de exi­gência diversa deixam as crianças incapazes de respon­der a desafios escolares menos complexos.

A disponibilidade emocional dos pais é seguramente o principal factor que “alimenta” o cérebro das crianças, infelizmente a falta deste “alimento” é cada vez maior.

5. AS CRIANÇAS CONTROLAM TUDO

“O meu filho não gosta de legumes!” “Ela não gosta de se deitar cedo” “Não gosta de tomar o pequeno-al­moço” “Ele nunca brinca com os brinquedos que tem, mas não larga o i-Pad.” São algumas das muitas recla­mações dos pais. Desde quando é que as crianças nos ditam a forma como as educamos? Como diria Daniel Pennac, à força de querer responder ao que se diz ser os seus interesses, apenas respondemos aos seus desejos. Ora, os desejos das crianças, nem sempre, para não dizer quase nunca, correspondem aos seus interesses.

Sem uma alimentação saudável, sem as horas de sono adequadas as crianças chegam às escolas irritáveis, an­siosas e desatentas. Além disto, muitas vezes, também não lhes oferecemos os melhores exemplos.

Aprendem que podem fazer o que querem e a não fazer o que não querem. A noção de “dever”, desapareceu. Infelizmente para atingirmos objectivos nas nossas vi­das, temos de fazer o que é preciso, o que nem sempre é o que queremos fazer. As crianças sabem muito bem o que querem, mostram dificuldades em fazer o que é preciso para atingirem os seus objectivos. Tudo estas coisas apenas as conduzem a que se lancem, ou os lan­cemos em objectivos inacessíveis que apenas deixam as crianças frustradas.


segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Célestin Freinet: Histórias de uma vida, as lutas de um pedagogo

[Autor desconhecido]

Como é que um professor do ensino primário, de uma escola rural, do sul de França, se revelou um dos pedagogos mais influentes do seu tempo, iniciando a promoção de métodos pedagógicos praticados, hoje em dia, no mundo inteiro?

Dificuldades, hoje como ontem, nunca faltaram, como não faltam ainda grandes conflitos entre esta corrente pedagógica, que aposta na autonomia das crianças e no desenvolvimento da sua criatividade, à revelia, tantas vezes, das ideias de alguns políticos menos favoráveis à liberdade de pensamento. A expressão livre, a correspondência escolar, o trabalho cooperativo da classe…, são práticas introduzidas na sala de aula, por este professor primário genial, ao longo dos anos, com os seus alunos...

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

UMA ABORDAGEM "ESCRITICA"

Luís Goucha

Há já há algum tempo que alguns países do Norte da Europa tomaram a opção pedagógica de iniciarem a aprendizagem da escrita-leitura através dos teclados. Constataram que só nas Escolas se escrevia com, lápis, esferográficas, canetas, directamente em folhas de papel. Provavelmente convencidos de que assim se poupará a vida a muitas árvores essenciais à vida…

Em sentido contrário, os países do longínquo oriente, com "Alfabetos" de escrita totalmente distintos dos ocidentais, desenvolvem ao máximo, nas escolas, as capacidades das crianças na escrita pictográfica e ideográfica desses “alfabetos”… para equilibrar [?] o elevado desenvolvimento e utilização das tecnologias digitais de comunicação. Perceberam melhor o que está em jogo?

Segundo os primeiros estudos, de organismos internacionais dedicados ao desenvolvimento global dos alunos, a constatação é evidente: estas crianças estão bastante mais equipadas e desenvolvidas, em todas as competências, que as nórdicas.

Não se tendo ainda, entre nós, colocado a questão de forma generalizada, e desejando que esta nunca seja colocada de forma dicotómica [reforço dicotómica], no sistema ensino, avanço com a abordagem que sobre este assunto Alexandra Yeh e Hélène Combis tratam em “Écrire à la main: un geste du passé”(2019).

“A diferença que existe entre a escrita manuscrita e a dactilográfica, tem a ver com os gestos que efectuamos, a manuscrita solicita apenas uma mão, ao passo que a dactilográfica exige as duas. Do ponto de vista cerebral isto altera muitas coisas, por um lado temos um processo que faz trabalhar apenas a mão dominante, geralmente a direita, que é controlada pelo hemisfério cerebral esquerdo, o mesmo que controla a fala. Por ouro lado, a escrita em teclado exige a coordenação das duas mãos, o que implica e envio de dados do hemisfério direito para controlar a mão esquerda. Logo temos uma divisão da escrita entre os dois hemisférios cerebrais, desde que exista uma formação a este tipo de escrita.

Quando se aprende a escrever, os movimentos de grafia obrigam a memorizar uma forma e os gestos. Nos exames de ressonância magnética efectuados é bem patente, quando se pede à pessoa para observar as letras, a activação em simultâneo das zonas visuais e sensoriomotoras do cérebro e é esta dupla estimulação cognitiva que permite encontrar o nome da letra. Se não sabemos escrever à mão, a nossa capacidade de reconhecimento das letras diminui.

Fizemos nas nossas salas de Jardim de Infância uma simples análise com os nossos alunos, ensinando um grupo a escrever directamente nos teclados e outro a escrever à mão. Ao fim de três semanas era evidente que quando pedíamos às crianças para reconhecerem visualmente as letras que tinham aprendido, as que tinham aprendido a escrever à mão tinham melhores resultados que os outros.

Isto leva-nos a pensar que existem processos diferentes de funcionamento. Num caso o processo é a passagem dum toque numa tecla que leva a uma imagem no ecrã, a relação corporal entre a mão e o cérebro é alterada em benefício da utilização social tecnológica.  

Na outra situação a aprendizagem corresponde a um processo de memorização ligando o gesto a uma aquisição cognitiva, um exercício manual de grafia, uma actividade mental.

Trata-se de uma dificuldade actual do ensino que deverá articular a formação humana e a adaptação às práticas sociais instituídas, sendo que o mais importante é a questão não se colocar apenas nos primeiros anos de escolaridade, mas prolongar-se ao longo de toda a escolaridade…

Facilmente podemos também pensar para além da questão do manuscrito, as outras actividades similares, desenhar, colorir, a utilização dos múltiplos instrumentos que exigem saberes e técnicas: diferentes lápis, canetas, marcadores, tintas, diferentes texturas, cores etc…

Talvez que as “queixas” de muitos professores da fraca qualidade das “produções artísticas” dos seus alunos esteja em parte ligada a esta questão, quando se deveria passar o contrário dada a enorme “melhoria técnica” dos tempos sem teclados na Escola: melhores instrumentos, melhor papel e mais, sobretudo, saber…

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Há dia felizes

Maria dos Reis

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A Empatia também se ensina. Ensina-se pelo Exemplo

Sim… há dias felizes, sobretudo quando, em situações menos agradáveis, encontramos alguém que se coloca no nosso lugar e nos ajuda a resolver um problema. Aconteceu ontem, quando me preparava para entrar no cinema. Para tal era necessário apresentar o comprovativo da vacinação. Por qualquer razão, o meu certificado não estava a conseguir ser lido no telemóvel. Dada a exigência na entrado do espaço e perante a evidência de eu ter de abandonar o mesmo foi a funcionária de serviço que me ajudou a procurar outras alternativas. E conseguiu. Manifestava uma facilidade no manuseamento das tecnologias bem superior à minha – eu sou mais analógica –. A disponibilidade da funcionária e a sua empatia permitiram que a barreira fosse ultrapassada.

A propósito revisitei os “meus escritos” e reli um ensaio que tinha tentado sobre “empatia” – esta capacidade que algumas pessoas têm de se colocar no lugar do “outro” e experimentar, de forma objectiva e racional, viver a situação do seu semelhante. A empatia pressupõe altruísmo e capacidade de ajudar e não julgar. Pressupõe que nos descentremos dos nossos problemas para conseguir alargar o nosso foco de atenção. Pressupõe ultrapassar a barreira do egoísmo, do medo do desconhecido e do preconceito, relativamente ao que julgamos diferente.

Provavelmente, todos seríamos mais felizes se usássemos essa capacidade. Ela não é genética mas passível de aprendizagem. Sempre a partir do exemplo. Em primeiro lugar na família, quando possível… Na escola deveria ser sempre possível…. Não tem porque não ser.

Como diz a voz popular, a família não se escolhe. Quanto à escola, está muito nas mãos de quem a frequenta, nos seus diferentes papéis, desenvolver práticas em que a empatia seja práxis. Na Dinamarca a empatia ensina-se desde os primeiros anos na escola. Implementada como área obrigatória dos 6 aos 16 anos, com uma duração diária de uma hora, explora as vertentes da empatia afectiva, cognitiva e reguladora de emoções. Os responsáveis afirmam que esta prática ajuda os alunos a construir relacionamentos, evitar o assédio e obter sucesso.

Não podemos comparar-nos com a Dinamarca, não temos o seu capital económico, mas temos um capital humano infindável, temos um manancial de predicados – somos solidários, abertos ao mundo, transparentes, prestativo … –, que nos faz sobressair, em qualquer parte do mundo, e pelas melhores razões.

A forma como as escolas se podem organizar já aponta para a implementação de práticas diferenciadoras, a realizar através de projectos capazes de fazer a diferença, capazes [quem sabe!] de construir outros rankings, de inventar outros “quadros de honra, que evidenciem competências humanistas.

Assim, é urgente promover uma escola que se diz universal, obrigatória e gratuita, onde as aprendizagens sejam significativas, desenvolvidas através de práticas e processos de aprendizagem e formação cooperada, que desenvolvam a capacidade de reflexão e competências de comunicação, capazes de levar os alunos a assumir compromissos e práticas de entreajuda.

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Para iniciar uma conversa sobre o amor e a amizade

«Talvez a grande diferença entre o amor e a amizade resida no facto de o amor tender sempre para o ilimitado, suspeitando de contornos e fronteiras. Se escondes alguma coisa de mim na relação amorosa, isso, tarde ou cedo, ganha um peso insuportável (...).

A amizade é uma coisa muito interessante - explica Françoise Dolto -, porque na amizade há segurança sem que exista pressão. O que não podemos conhecer do outro, deixamos serenamente que permaneça incognoscível. O facto de não conhecermos tudo do outro não afecta a relação que mantemos, coisa que o amor dificilmente suporta.(...)

Uma das crises mais graves da nosso época é a separação entre conhecimento e amor (...).

O perigo que oferece o vocabulário do amor é perder-se no indefinido, alargar-se no ilimitado da subjectividade: não sabemos bem o que é o amor; é sempre tudo; é uma tarefa desmesurada; e essa sua indestrinçável totalidade, demasiadas vezes, consuma-se numa desiludida retórica vazia. A amizade é uma forma mais objectiva, mais concretamente desenhada, porventura mais possível de ser vivida.»

[José Tolentino Mendonça, "Uma beleza que nos pertence", Quetzal, Lisboa, 2019: p. 14, 15 e 24]

sábado, 23 de outubro de 2021

A solidão dos números primos

Maria dos Reis
[Aceder à versão em PDF >>>]

Paolo Giordano, autor do livro A solidão dos números primos, partindo do conceito de número primo, inerente­mente solitário – apenas divisível por si próprio ou por um –, desenvolve uma narrativa que nos fala da solidão, da necessidade de ser aceite, da culpa e da expiação.

Li o livro avidamente, revivendo histórias que foram passando na minha vida profissional e se encaixavam nos relatos explanados na obra.

Apropriei-me do título para reflectir sobre as notícias que invadiram os meios de comunicação, nos últimos dias, e que dizem o seguinte: “Mulher que afogou o filho autista condenada a 10 anos de prisão”.

“O Tribunal de Mirandela reconheceu que a arguida chegou a um estado de desgaste emocional e de desespero, agravado pela pandemia, e por isso condenou Fátima Martinho a uma pena bastante inferior ao limite da moldura penal”.

O tribunal defendeu que “falhou o Estado, a família e os vizinhos, nesta tragédia”.

A mulher com 53 anos, estaria sujeita a muito stress enquanto cuidadora do fi­lho portador de “um sín­drome de autismo grave”, o que lhe terá provocado um alegado es­tado de "burnout [exaustão emocional].

O acto, por si só arrepiante, leva-nos a pensar sobre o que levou uma mulher, que tratou do seu filho du­rante 17 longos anos – com uma patologia de autismo severo e epilepsia associada – a uma situação de desespero, que culminou na tragédia já am­pla­mente relatada.

Sim, estamos perante um caso de uma família mono­parental que foi esquecida.

Repito as palavras que o tribunal proferiu, para justi­ficar a sentença: “ … falhou o Estado, a família e os vizinhos nesta tragédia…” Sim, falhámos nós, en­quanto estado, porque não soubemos, em tempo útil, agir perante factos de que, tendo conheci­mento, fizemos de conta que não vimos.

*

“O conceito de Estado-nação refere-se à forma de organização dos governos dos Estados Modernos e às organizações sociais que se estabeleceram em torno deles.”

Pressupõe-se, então, que as organizações deverão corresponder às necessidades dos cidadãos.

Pelo que também li, e me provocou alguma perple­xidade, este jovem que vivia em Cabanelas-Mirandela, frequentava o agrupamento de Escolas de Vi­nhais. Estas localidades distam cerca de 50 Km, o que corresponde a uma hora de caminho. Um dia de es­cola pressupõe duas horas de transporte no mínimo. Todos os dias da semana.

Como será estabelecer contactos com as famílias?

Sabemos que o traba­lho com pais é funda­mental. E, quando diz respeito a crianças e jovens com Necessidades Educativas Especi­ais, é simplesmente in­dis­pensável. Os planos de intervenção deve­rão ter em conta as condições familiares e garantir a continui­dade das estratégias delineadas. Nos encontros com pais e/ou cuidadores, para além do reforço de êxitos consegui­dos [mesmo que simples], é suposto que se detec­tem sinais de desgaste, cansaço, desalento... É um trabalho que requer relações de proximidade.

Não é fácil a criação de ambientes para o atendi­mento dos casos mais difíceis numa comunidade educativa, mas é possível. Interessa é ponderar os prós e os contras de cada alternativa. 

A situação de pandemia trouxe transtorno a todos. Para os alunos “ditos normais”, houve a preocupação de responder com aulas online, de manter algu­mas cantinas em funcionamento, para garantir refei­ções a crianças e jovens que não tinham outra forma de se alimentar. E, para chegar aos idosos isolados [também eles um sector da população que exige uma atenção específica], criaram-se equipas itine­rantes.

Mas…, o que aconteceu aos alunos com Necessida­des Educativas Especiais? Como foram acompanhadas as suas famílias, que maioritariamente e tal como os números primos, não fazem parte de outros conjuntos? Quem tratou de combater o isolamento de cuidadores exaustos e isolados, a desenvolver es­tados de “burnout”?

Continuamos todos muito centrados no nosso “mun­dinho”.

Espero, tão só, que esta mulher, agora condenada, encontre dentro de uma “prisão” estatal, a paz que nunca teve na sua vida aprisionada, a partir do mo­mento que foi mãe e enfrentou sozinha uma maternidade tão sofrida.

sábado, 25 de setembro de 2021

Neurociências e trabalho pedagógico

Philippe Meirieu

Versão portuguesa de Daniel Lousada [Ler em PDF >>>]

Título Original: “les neurosciences ne feront jamais la classe” [Cap. 5 de La Riposte. Pour en finir avec les miroirs aux alouettes, Paris, Autrement, 2018: pp. 167-179].

Felizmente que a maior parte dos neurocientistas, não pretende criar uma neuropedagogia e, a este título, merecem ser ouvidos. Não é uma questão de negar ou subestimar o interesse dos conhecimentos adquiridos, hoje, neste domínio da investigação. A imagiologia cerebral contribuiu para descobertas estimulantes. Em todo o caso a imagiologia por ressonância magnética [1] não serve para observar todas as situações de aprendizagem, em todos os contextos, nomeadamente na sala de aula, ou durante um passeio pela natureza! O fascínio pela imagiologia deve-se, em grande medida, ao facto de esta mostrar o que até então era inacessível: a nossa actividade cerebral. Na verdade, a imagiologia permite-nos apenas estabelecer correlações – entre a actividade de certas zonas cerebrais e certos comportamentos – e dificilmente permitem inferir a causalidade que leva a prescrições pedagógicas precisas…

É verdade, contudo, que as neurociências permitem a certos investigadores, graças a protocolos sofisticados, revelarem fenómenos muitos interessantes. Assim Olivier HOUDÉ, professor de psicologia do desenvolvimento na Universidade de Paris-Descartes, replicou a experiência de Jean PIAGET sobre a comparação, por parte de uma criança, de duas séries de fichas mais ou menos espaçadas, e demonstrou, com o apoio de imagens do cérebro, a importância da inibição da resposta imediata por parte do córtex frontal, para entrar num registo de verificação, de demonstração e de argumentação.[2] Desta forma, confirmou experimentalmente os trabalhos no âmbito das didácticas, sobre a necessidade de trabalhar com o aluno, sobre as suas representações ou convicções espontâneas,[3] como Janusz KORCZAK já antes defendera, com a sua bela intuição, sobre a importância de pôr travão ao impulso espontâneo, para colocar em acção o pensamento. Mas, por outro lado, nada disto nos fornece o interruptor, que permitiria desencadear a inibição da reacção imediata, por parte do córtex frontal!

É portanto à pedagogia, que cabe inventar o interruptor, aquele que controla a desaceleração necessária ao desenvolvimento de um pensamento reflexivo. Compete- lhe a ela fazer da sala de aula um espaço onde se dá tempo para examinar antes de julgar, a preocupação de se documentar antes de afirmar, o hábito de demonstrar antes de impor, a vontade de reflectir antes de agir. Nada, basicamente, que não tenhamos encontrado nos fundadores seculares, com Ferdinand BUISON, Henri MARION, James GUILLAUME ou Octave GRÉARD.[4]

Dir-se-á, contudo, que as neurociências estão na origem de realizações decisivas, que mudaram a nossa visão da educação, evocando a noção de “plasticidade cerebral”. Este ponto é, com efeito, essencial. Quando a pedagogia falava do “postulado da educabilidade”, formulava uma exigência ética, um princípio necessário para não nos deixarmos tentar pela facilidade da “psicologia do dom”, uma forma de comunicar, explícita ou implicitamente, ao outro, uma predição negativa, que ele faria o possível por não nos desmentir: «não podemos instruir se não acreditarmos na inteligência da criança», dizia já o filósofo ALAIN.[5] Não podemos ensinar sem apostar que todas as crianças conseguem aprender e crescer. E as neurociências confirmam que esta aposta não é tão disparatada como nos querem fazer crer.[6] Mas os pedagogos não ficam por aí: ao necessário voluntarismo educativo, eles opõem um também necessário limite: a aprendizagem não se decreta; ela supõe a implicação daquele que aprende, porque, em algum momento, ele precisa começar a fazer o que não sabe como fazer, para aprender a fazê-lo e que tudo corra bem.[7] A coragem para começar – a andar, a falar, a escrever, a resolver equações de 2º grau, a nadar ou a manipular ferramentas, a fazer uma dissertação ou uma declaração de amor – pelo que nem a pedagogia mais elaborada poderá, jamais, dispensar seja quem for. Não pode, com efeito, deixar de criar um envolvimento o mais estimulante possível, de desenvolver uma teia de relações sociais que favoreçam a confiança em si e a consciência da importância da aprendizagem, para incentivar o outro a crescer… mas sem nunca forçá-lo nem, por maioria de razões, fazê-lo por ele.[8]

Porque uma predisposição nunca é – mesmo em medicina – uma predestinação, os neurocientistas devem, como os pedagogos, ter a preocupação de diferenciar sem catalogar, de se adaptar a cada um e a cada uma, mas sem desistir de descobrir as perspectivas e caminhos por conhecer.

 Atenção! Não usar a explicação cerebral como desculpa, aconselha Emmanuel FOURNIER: «os problemas parecem sempre mais suportáveis se eles se devem a causas que não são da nossa responsabilidade. É o cérebro que carrega o fardo. Nós utilizamo-lo para nos desculpabilizarmos, ou seja, para nos demitirmos das nossas responsabilidades.[9]» E a “desculpa cerebral” pode ocupar, com eficácia, o lugar da “desculpa sociológica”, tantas vezes utilizada a partir de uma leitura simplista de BOURDIEU: nada mais tentador, com efeito, que transformar uma dificuldade da criança [de que nós poderemos, pelo menos em parte, ser responsáveis] num problema neuronal… mesmo que defendamos, além disso, a maleabilidade do cérebro. Podemos ver claramente, no limite, o que não é de modo algum uma doutrina pedagógica, que se esforça para tornar as tensões que a atravessam numa fonte de superação, mas um conjunto de observações com usos múltiplos e até contraditórios. Quando, por vezes, pretendem fundar uma pedagogia, na realidade as neurociências apenas alimentam o pragmatismo em busca de eficácia imediata, muitas vezes cega, quanto aos seus objectivos.

Além disso, quando querem ser mais precisas, as neurociências fornecem-nos dados sobre apropriação e memorização de conhecimentos, que podem esclarecer-nos sobre o assunto, mas são incapazes de nos indicar uma prática. Elas insistem, por exemplo, no facto de que a aprendizagem é mais eficaz quando o feedback – as observações e avaliações dos adultos – é positivo, correctivo e rápido; elas defendem que os conhecimentos e o saber-fazer se inscrevem no cérebro progressivamente e que as conexões cerebrais não se instalam duradouramente se não forem exercitadas regularmente; elas sublinham a importância da consolidação dos saberes, para que estes fixem na memória os seus traços. Tudo isto constitui indicadores preciosos para delinear uma intervenção pedagógica, mas não permitem decidir sobre que conteúdos culturais oferecer aos alunos para mobilizá-los, nem mesmo a forma como lhos vamos apresentar. Tão pouco permite, como ouvimos recorrentemente aqui e ali, a reabilitação do “aprender de cor”. Não porque entendamos que o “aprender de cor” seja em si mesmo negativo, porque corresponderiam sempre a métodos mecânicos de aprendizagem – “aprendi de cor” numerosos poemas e tenho muito prazer em recitá-los –, mas porque “aprender de cor” não é verdadeiramente possível, se não se investir numa aprendizagem que pressupõe, a montante, o trabalho sobre o conhecimento em questão, antecipando o uso a fazer desse conhecimento e uma reflexão, no decurso da aprendizagem, sobre o caminho para aprender. O que pressupõe, muito simplesmente, utilizar a memória não como um mecanismo para gravar e armazenar as informações, mas como um meio, especificamente humano, de ligar o passado, o presente e o futuro numa intenção ou num projecto.

E é a mesma prudência que deve guiar-nos, quando aplicamos os conhecimentos das neurociências à aprendizagem da leitura. Não é este, infelizmente, o caso. Com efeito, se existem contribuições, particularmente estimulantes, sobre os fenómenos do cérebro, que são correlativos a certos comportamentos de leitura,[10] se temos debates sérios e argumentos sólidos sobre a questão[11], vemos, sobretudo, desenvolver-se uma vulgata oficial, que defende os métodos silábicos, em nome de argumentos, no mínimo, discutíveis.

É, com efeito, muito interessante saber, que é a “reciclagem dos neurónios da visão”, que permitem o acesso à leitura; assim compreende-se melhor, porque uma criança que constata, que o lado para o qual a pega de uma chávena está virado não modifica a natureza da chávena, acredita que o b e o d são a mesma letra, tal como o são o p e o q.[12] Da mesma forma se explica o fenómeno da “escrita em espelho” [quando a criança escreve de maneira inversa, e os seus textos só são legíveis se vistos com a ajuda de um espelho]: podemos então relativizar a gravidade desta disfunção e, benevolente e pacientemente, introduzir ao longo da aprendizagem as correcções necessárias para ajudar a ultrapassar esta dificuldade. Compreendemos melhor, igualmente, graças às neurociências, os problemas de certas crianças: aquelas que sofrem para detectar invariâncias [cadeias de letras idênticas] em diferentes grafias, aquelas que não percebem que uma letra pode mudar totalmente o significado de uma palavra, aquelas que são incapazes de ler uma palavra nova complexa, porque não conseguem dividi-la nos elementos que a compõem. Tudo isto alerta-nos, efectivamente, para a necessidade de uma aprendizagem silábica específica, mas nada nos diz sobre o momento em que esta deve ser feita, o tipo de exercícios a fazer, a natureza dos textos a propor ou o comportamento pedagógico a adoptar; tudo isto deixa de lado a questão essencial do estatuto da escrita na sala de aula: como pedir às criançasque investam na leitura-escrita, sem que isso seja para elas uma oportunidade de comunicação, nem de emancipação, mas simplesmente um momento de sofrido numa operação escolar de pura normalização? Isto não se reduz, apenas, a uma questão de minimizar a compreensão, no decurso do processo de aprendizagem da escrita: colide com o próprio significado do acto de escrever… Em suma, são totalmente injustificadas as orientações ministeriais que, seguindo o lóbi de GILLES de ROBIEN e fingindo confiar na neurociência, passam alegremente do imperativo da vigilância silábica à prescrição dos “métodos silábicos”.

Destorção surpreendente [opiniões apresentadas como factos] ampliada massivamente pelos média. Aqui se lisonjeia a opinião nostálgica pelos bons métodos antigos, de que antes é que era bom – evidentemente, de quando éramos jovens! –, tudo tendo por base uma leitura, no mínimo abusiva, das observações das pesquisas cientificas mais avançadas. Que dizer mais? Esta “reconciliação” política do melhor da modernidade e do melhor da tradição funciona perfeitamente. E que importa se as instruções que aconselham estas abordagens,[13] são elas mesmo, quando as olhamos mais de perto, pouco mais, com leves diferenças, que um resumo das conclusões de um estudo americano de 1998[14], que sublinha a utilidade de um trabalho específico sobre a correspondência grafema-fonema [signo escrito/unidade sonora] … que é já prática adoptada pela quase totalidade das crianças do 1º ciclo! A questão aqui, tal como a vejo, não é verdadeiramente pedagógica. Ela é simplesmente política: «Descansem pessoas de bem. Nós descobrimos tanto o problema quanto a solução das dificuldades da criança, na sua relação com a palavra escrita. Nós tomamos o assunto em nossas mãos!» Entristece-nos ver os neurocientistas implicados neste género de situações.

Porque na realidade, se o interesse das neurociências é inegável para a pedagogia, é impossível considerá-las como uma ferramenta miraculosa, capaz de resolver todos os problemas educativos. Por um lado, porque as novas descobertas científicas não anulam, por si sós, as mais antigas: as neurociências não invalidam, por exemplo, a abordagem de WINNICOTT[15], nem o trabalho clínico do psicólogo ou do psiquiatra. Por outro lado, porque a compreensão do ser humano não se limita a uma só destas dimensões: a abordagem cognitiva e afectiva das neurociências não beliscam, em nada, as investigações sobre as dimensões sociais e culturais do indivíduo, pelo que não deveriam esquecer as obras linguísticas ou didácticas propriamente ditas. É verdade, o cérebro pode aparecer como a “cabine de pilotagem”, onde todos os dados se encontram [biológicos, sociológicos, cognitivos, afectivos, etc.] e donde partem todas as decisões em matéria de aprendizagem, em todos os domínios. Mas as decisões do piloto não podem, em caso algum, ser reduzidas a uma combinação mecânica destes dados, tal como poderia ser feita por um computador.

Com efeito, o que caracteriza o ser humano, enquanto sujeito, é que ele é portador de projectos e selecciona as informações que recebe em função destes. A actividade duma criança, as suas motivações, os seus problemas, as suas perspectivas, não podem ser apreendidas de um modo puramente objectivo, acumulando informações científicas muito precisas. Impossível ignorar o que o move, e a que não acedemos a não ser através do relacionamento com ele. Essa relação inclui, é claro, uma parte emocional, que as neurociências também podem abordar, mas mais profundamente deve constituir um convite onde a confiança e a exigência favoreçam a emergência da liberdade e dos anseios do outro. Por outras palavras, se a neurociência e todas as outras abordagens científicas do desenvolvimento da criança podem ajudar-nos a criar melhores condições de aprendizagem, não poderão nunca esclarecer-nos sobre as causas: o que motiva o sujeito, o que desperta em si o desejo de aprender as fábulas de la Fontaine ou as equações de 2º grau, o que lhe proporciona a alegria de compreender um poema de Verlaine ou apreciar um concerto de Mozart, como a satisfação de ajustar um entalhe e um encaixe ou montar um circuito electrónico, tudo isto não se reduz – felizmente –, a uma perspectiva científica, condenada a isolar eventos, quando é necessário relacioná-los, ignorar o sujeito quando é, precisamente, necessário mobilizá-lo.

Como refere o filósofo alemão Markus GABRIEL, «o “eu” não é uma chave USB[16]»! Não o carregamos de conhecimentos, como um ficheiro informático. O “eu” – em matéria de aprendizagem, como noutros domínios – age apenas para alcançar um objectivo. Os seus actos têm um sentido para si, mesmo que não o considere totalmente. E é porque aceitamos o diálogo, e caminhar com o outro nessa busca do sentido, que contribuímos para sua educação.

Nenhuma ciência nos liberta, pois, do trabalho educativo, que consiste na procura do que é bom e verdadeiro, os conhecimentos e os saberes desejáveis para e pela criança, graças ao nosso exemplo e à nossa criatividade. Temos “ciências da educação” – e elas devem, evidentemente, desenvolver- se respeitando a pluralidade de abordagens – não há nem haverá nunca, para desgosto de Stanislas DEHAENE, a ciência da educação, no singular[17]: a existir, esta não seria mais do que uma “ciência de adestramento”. O verdadeiro ensino ocorre nas situações em que possibilitamos o encontro autêntico, em grande parte imprevisível, entre humanos e com as suas obras.

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[1] A ressonância magnética permite visualizar a existência [mas não o conteúdo] duma actividade cerebral, graças à observação da variação de fluxos sanguíneos nas diferentes zonas do cérebro.
[2] Numerosas crianças afirmam, espontaneamente,que o número de fichas é mais elevado quando a linha é mais comprida. Outros inibem esta reacção e, antes de dar a resposta, verificam fazendo corresponder cada ficha de uma linha à ficha correspondente da outra. Cf. Olivier HOUDÉ, Apprendre à resister, Paris, Le Pommier, 2014.
[3] Quando nos referimos ao sujeito de uma frase, o aluno crê que é aquele que pratica a acção [pelo menos na voz activa] … o que não é o caso na frase [na voz activa, portanto] “Pedro leva uma palmada”!
[4] Cf. Dictionaire de pédagogie et d’instruction primaire.
[5] Alain, Propos sur l’éducation, Estou longe de partilhar todas as concepções de Alain sobre a educação, em particular o fascínio pelo ascetismo intelectual absoluto – sala de aula com paredes nuas, insistência no exercício formal – que ele considera com um preâmbulo da aprendizagem, enquanto que vejo isto como uma dimensão educativa a cultivar e um objectivo a atingir. Estou convencido que as suas propostas sobre educação constituem um texto riquíssimo, suspectível
de alimentar a reflexão para lá das clivagens tradicionais.
[6] Nenhuma pessoa mantém a “estrutura cerebral” que lhe foi “dada à nascença”; ela está sujeita a pressões externas, nomeadamente pela educação, evoluindo por esta via, no decurso do seu desenvolvimento [nota do tradutor].
[7] Só pela investigação pedagógica chegamos à proposta de práticas capazes de levar os aprendizes a esta necessária implicação [nota do tradutor]
[8] Sobre esta difícil, questão permito-me reenviar para o meu livro Le Choix d’educateur. Éthique et pedagogie, Paris, ESF sciences humaines, 1991.
[9] “Le cerveau, gage de bonne éducation?”, conferência de Emmanuel FOURNIER no colóquio “L’aventure des neurosciences”, Angers, 2 de Junho, 2015.
[10] Encontraremos muitos no livro publicado por Stanislas DEHAENE em 2007, sobe o título Les Neurones de la lecture [Paris, Odile Jacob]. O autor refere então que «estamos longe de uma neurociência prescritiva» e que as neurociências não têm por vocação substituir a
psicologia experimental e a pedagogia. Ele escrevia também que «na sala de aula, o professor continua a ser o único mestre a bordo. É a ele que cabe criar os exercícios, as estratégias e os jogos que despertem as crianças para a leitura. E dá conta das dificuldades particulares que requere uma perícia pedagógica que eu respeito profundamente» [idem]. Hoje, presidente do conselho científico da educação, criado por Jean-Michel BLANQUER, parece que virou partidário de uma “neurociência prescritiva” [Le Monde, 15 de Janeiro 2018].
[11] Ver em particular os trabalhos de Édouard GENTAZ e Patrice DESSUS, Psycologie cognitive de l’appentissage. Lire, écrire, compter [Paris, Dunod, 2006], Levantamentodirigido por Roland GOIGOUX, “Lire et écrire”. Estudo da influência de práticas de ensino da leitura e escrita, sobre a qualidade das primeiras aprendizagens”, e “Apprentissage de la lecture: le point sur les acteurs et les pratiques”, debate entre Laurent CROS e Roland GOIGOUX, realizado por Luc CÉDELLE, le Monde,
15 de Maio 2018.
[12] Este fenómeno alguns de nós identificam de “confusão cognitiva” – a lógica presente na identificação das letras segue a lógica da identificação dos objectos
[nota do tradutor].
[13] Instruções do Ministério da Educação francês, consagradas ao ensino da leitura [nota do tradutor].
[14] Este estudo do National Reading Panel de há vinte anos, é conhecido pelo nome de Teaching children to read. Ele compara os resultados de 38 inquéritos [nenhum dos quais realizado em França] sobre a leitura. Os resultados deste estudo são hoje pouco contestados, desde logo, evidentemente, que não os questionem, para além das suas conclusões comprovadas.
[15] Donald WINNICOTT, pediatra e psicanalista. Interessou- se pelas condições psíquicas do desenvolvimento do bebé e da criança, pelos comportamentos parentais e a função do jogo.
[16] “Porquoi je ne suis pas mon cerveau”, Paris, Jean- Claude Lattès, 2017.
[17] Le Monde, 15 Janeiro 2018.

domingo, 12 de setembro de 2021

É necessário, urgente, fazer regressar às escolas os pedagogos e a pedagogia

António Nunes

Leio em Apple & Jungck que «a intensificação leva os professores a seguir por atalhos, a economizar esforços, a realizar apenas o es­sencial para cumprir a tarefa que têm entre mãos; obriga os pro­fessores a apoiar-se cada vez mais nos especialistas, a esperar que lhes digam o que fazer».* Mas dar ou vender aulas, qual vendedor dedicado a passar informação por catálogo, não chega para que alguém se pense e se diga professor.

Sustentada na pedagogia, a profissão de professor tem uma se­mântica própria que, construída ao longo de séculos, nos foi dei­xando exemplos fabulosos da parte seus melhores, na promoção dos valores, do conhecimento e das competências que lhe dão corpo.

Desligada da reflexão pedagógica, a profissão de professor cai num «processo de depreciação da experiência e das capacidades adquiridas ao longo dos anos […], a qualidade cede o lugar à quan­tidade. [...] Perdem-se competências colectivas à medida que se conquistam competências administrativas. Finalmente, é a estima profissional que está em jogo, quando o próprio trabalho se encon­tra dominado por outros actores»,* obcecados por uma educação que imaginam científica.

Reivindiquemos ser autores [não apenas actores] na profissão que escolhemos.

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* APPLE,  Michael &  JUNGCK,  Susan.  "No  hay  que  ser  maestro  para  enseñar  esta unidad:  la  enseñanza,  la  tecnologia  y  el  control  en  el  aula”. Revista  de  Educación, 291, 1990, pp. 149-172

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Desaprender: divagações a propósito d'«o vício de explicar»!

Daniel Lousada

Leio Vergílio Ferreira e dou comigo a divagar sobre a expressão, “Levei quarenta anos a explicar coisas aos alunos. Ficou-me assim o vício de explicar, mesmo o inexplicável. Precisava agora de outros quarenta anos para desaprender a explicação do que expliquei”.[1] Talvez que Vergílio Ferreira, ao dizer «... quarenta anos para desaprender...», o dissesse com a consciência de quem sabe que a cultura profissional, onde nos deixamos cristalizar, sem disso nos darmos conta, é um instrumento poderosíssimo de resistência à busca de outros caminhos![2] Ou talvez o que disse não fosse mais do que o desabafo de um professor desencantado, não sei. E nas divagações em que me encontro, centro-me nas três palavras que marcam esta confissão [uma espécie de desejo?] do autor de “Aparição”: vício, explicar e desaprender.

Desaprender é palavra que traz a dimensão psicanalítica com que a pedagogia nos convida a encarar o nosso lugar na profissão.[3] Desaprender é desfazer o que aprendemos, não é esquecer: é um acto de vontade e não um acto involuntário da memória. Mesmo admitindo a palavra esquecer no conceito de desaprender, quando muito ela será um esquecer que não é esquecimento que quer.[4] Até porque não esqueço, só porque quero, o que aprendi sobre “rios”, mas querendo desaprendo de seguir rio abaixo até ao mar, questionando se é razão bastante aquela [a da corrente] que me impele a navegar, sempre, rumo à mesma foz. Digo, então, que desaprender vai mais naquele sentido de quem nos diz “esquece”, não como conselho para largar da memória o que aprendemos [bem pelo contrário], mas para activar lembranças na busca daquilo que nos bloqueia, nos amarra na corrente, indiferentes a outras escolhas que tenhamos por que optar!

Volto a Vergílio Ferreira e releio: “desaprender a explicação do que expliquei”. E interrogo-me: o que explico diariamente na aula, faço-o consciente da força da minha explicação, como método de ensino? Ou porque, ficando-me apenas «o vício de explicar, mesmo o inexplicável», já não dou conta do sentido a que me prende a “corrente” que me faz navegar? Sendo o vício sinónimo de dependência, talvez que o vício de explicar nos tenha desviado da conjugação de outros verbos, porventura daquele que lhe está mais próximo, não pelo sentido, mas pela etimologia: implicar.[5] É certo que, se o aluno não entende, é preciso explicar. Mas como fazer entender quem não está implicado?

“O essencial é saber ver / ... / Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),/ Isso exige um estudo profundo, / Uma aprendizagem de desaprender. / ... / Procuro despir-me do que aprendi, / Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, / e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, /... /”.[6]

Se quero acompanhar um aluno, vê-lo e entendê-lo no seu modo de aprender, não tenho mais do que desaprender o modo de ensinar que aprendi [naquele modo de aprender que me ensinaram],[7] e procurar aprender de novo, agora com ele, implicado com ele, para que ele possa aprender comigo também. A explicação, não fazendo agora mais parte de um vício, até pode estar presente, só que numa relação marcada por outros tons: sem deixar de partir de uma geometria vertical [aquela que caracteriza a relação professor-aluno[8]] adquire os traços de horizontalidade das relações que vêem o sujeito que aprende como ser autónomo, que se implica na sua própria formação, longe da passividade de quem apenas ouve.


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[1] In «Pensar». Lisboa, Livraria Bertrand, 1992: p.178.
[2] Cristalizados, corremos o risco de nos deixarmos ficar na rotina, contribuindo pouco para o avanço da profissão, da sua cultura, portanto.
[3] Pergunto-me, se esta não será uma importante dimensão a contemplar em qualquer programa de formação de professores.
[4] Desaprender é a acção contrária de aprender; não é bem esquecer, se bem que, com o tempo, o esquecimento possa acabar por resultar da acção de desaprender. O português do Brasil tem uma palavra que os dicionários de português europeu não contemplam: desaprendizagem – significa abrir espaço em nossas mentes para novas aprendizagens, eliminar modelos mentais que nos fecham para aprender o novo; ou então um convite a ver melhor o que aprendemos: desaprendendo reaprendemos. De certa forma, trata-se de recuar no trajecto, que o pensamento traçou.
[5] Explicar [explicare: desdobrar, desenrolar, estender] e implicar [implicare: dobrar em volta de, enrolar, envolver] derivam do verbo latino plicare, que significa dobrar.
[6] «Guardador de rebanhos» (excertos), in Alberto Caeiro. (Fernando Pessoa) Poesia. Lisboa, Assírio & Alvim, 2001: p.58 e 82.
[7] Dito assim, «não tenho mais do que...», até parece que digo que é fácil. Mas NÃO É.
[8] Se assim não for não é da relação professor-aluno que tratamos: um professor não perde o poder que tem, apenas porque decide larga-lo da mão a favor do aluno.

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Aprender a gostar de gostar

Daniel Lousada
O gosto de gostar é um gosto que se cultiva

Adília Lopes escreveu a "Prazenteira", a partir de um verso que abre um poema de Álvaro de Campos: "Gostava de gostar de gostar".

O gostar, aqui, não é gostar de alguma coisa: é tirar prazer da sensação que o gostar, independentemente de quê, nos traz. Não é um gostar qualquer, portanto.[1]

Aprender a gostar de gostar! Será que se pode ensinar?

Há os que tiram prazer do facto de não gostar de gostar; os que se deleitam a falar do que não gostam, proclamando ao infinito as razões do seu não-gostar, com indisfarçado gosto - até parece que se esforçam em garantir que não caem na tentação de gostar. E há os que, parafraseando Santo Agostinho, parece que nasceram a gostar, que ainda não sabiam o que é gostar e já gostavam de gostar:[2] um gosto que aprenderam, porque os ensinaram, a cultivar.

Acho que o gosto de gostar é um gosto que se cultiva, aprendendo a olhar as coisas pelo que as coisas têm de melhor. E, neste sentido, sim, é possível ensinar a gostar!, se dermos como bom o princípio que diz que, quem aprende, aprende com alguém ou alguma coisa. Mas aprender a gostar, como qualquer aprendizagem, dá trabalho: "Estou fatigado de estar pensando em sentir outra coisa", escreveu Álvaro de Campos. A fadiga, obviamente, não é causada pelo sentir, mas pelo esforço de pensar, necessário para chegar a essa outra coisa, que o poeta faz por sentir.

Ensinar a gostar de gostar é o desafio que, qualquer professor ou professora, enfrenta diariamente na sala de aula: "conseguir que, no fim, o aluno goste daquilo que, no princípio, não gostava nada".[3] Um desafio que, de um modo simplista, poderemos começar por aceitar, confrontando o aluno com a pergunta: o que é que eu gosto, desta coisa que não gosto?

"Não há experiência que eduque melhor um homem do que a descoberta de um prazer superior, que ele teria ignorado, se não se tivesse dado ao esforço de o conhecer".[4] Assim, porque gosto de gostar, esforço-me por gostar e não vou embora ao primeiro desapontamento; porque gosto de gostar, o gosto está no centro do que me faz pensar. Então, para ensinar a gostar, nada melhor do que convocar os objectos onde a questão do gosto está mais presente: o objecto de arte. Nada melhor do que a arte para colocar a questão do gosto no centro do que nos faz pensar: um desenho, uma pintura, um poema…e talvez, a partir daqui, apontar para os conteúdos onde a questão do gosto não é tão óbvia.

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[1] “ 'Gostava de gostar de gostar' ”: a oração mais parece uma afirmação redundante, dada a enunciação, por três vezes, do mesmo verbo, duas delas na forma do infinitivo impessoal e uma terceira na primeira pessoa do pretérito imperfeito. Lembrando uma cantiga, este verso inicial apresenta uma construção simples e fechada [com a dupla regência em “de” terminando com o ponto final], mas que permanece aberta quanto ao sentido [com o terceiro gostar empregado intransitivamente], numa mescla de acabamento e inacabamento" (Claudia Souza e Márcio Suziki >>>

[2] in "Confissões" [Livro Terceiro]. Oeiras, Livraria apostolado da imprensa / Jornal Público, 2010: p. 57 ["Ainda não amava e já amava amar"].

[3] Paráfrase de António Nóvoa da seguinte expressão de Alain [pseudónimo de Émile-Auguste Chartier]: "Difícil é conduzir os homens a agradarem-se no fim, com o que, no princípio, não lhes agradava nada". In "Propos sur l'education". Paris, Quadrige/PUF, 1986.

[4] Alain [Émile-Auguste Chartier] "Propos sur l'education". Paris, Quadrige/PUF, 1986: pp. 13-15.


domingo, 29 de agosto de 2021

Reprovar ou reter, uma questão de semântica?

Daniel Lousada

Os alunos não reprovam, ficam retidos, ouço dizer, ironicamente, desde que, nos inícios dos anos noventa, a palavra repro­vação deu lugar a retenção em decretos e despachos, sem que, daqui, resultas­sem outros efeitos na progressão dos alu­nos, que passaram a ser retidos em vez de reprovados, no que foi entendido, por mui­tos, como apenas uma questão de se­mâ­ntica. E, no en­tanto, entre repro­vação e retenção há uma distância enorme. A re­provação tem subjacente um juízo de va­lor que a reten­ção não tem. Quando re­provo alguém es­tou a di­zer: O que fi­zeste é reprovável, isso não se faz; isto está er­rado, vai para o teu lu­gar e volta ao prin­cípio.

Imagine-se, por exemplo, que decido vi­a­jar do Porto até Lisboa. Embarco no “In­tercidades” e, ali pela região de Coimbra, a linha está interrompida. Fico então re­tido, à espera que a via seja desimpe­dida, ou que me seja dada alternativa para prosseguir a viagem. Compete à CP [Ca­minhos de ferro portugueses] fazer a ava­liação. E, na avaliação que fizerem, de certeza, não lhes passará pela cabeça fa­zerem-me regressar ao Porto, para ini­ciar de novo a viagem: fico retido apenas o tempo necessário à resolução do pro­blema. Mas, na re­pro­vação, a alternativa é voltar ao princí­pio, ponto!

Retenção não é reprovação. E só é repro­vação porque, desde início, se viu redu­zida a um conjunto de medidas puramente adminis­trativas e burocráticas, com "planos de re­cuperação" que, rapidamente, se integra­ram num processo de legitimação da re­pro­vação! Porque, sejamos claros, não há plano de recuperação que recu­pere, na recta final do ano escolar [Por isso é cha­mado também de retenção, por muito boa gente]. Neste sen­tido, um plano de recu­peração só será legítimo quando não ti­ver data fixa, num calendá­rio, para acon­te­cer, quando me for per­mitido “pa­rar” sempre que a dificuldade se fizer sen­tir: “parar” [reter naquele con­teúdo] porque algo acontece que não deixa avançar no caminho. Então ava­lio, e convoco os apoios e recursos neces­sá­rios se o desimpedimento da via for coisa que não sei fa­zer sozinho.

É aqui que tudo falha. Porque planos de recupe­ração, a acontecerem ali pela pás­coa, apenas dão para confirmar o óbvio, reduzindo a pedagogia a um mero acto administrativo. E, num ex­cesso burocrático, tudo se conjuga para que não se resolva problema nenhum: fa­zem-se diagnósticos e (pr)escrevem-se medidas, em impressos pronto-a-vestir, num processo em que a forma prevalece sobre o conteúdo. E se o problema não fi­car resolvido, que fique, pelo menos, bem arquivado, colocando entre ele e nós uma distância que não incomode!

domingo, 18 de julho de 2021

Sobre a utilidade das reprovações, em dois pontos de vista.


Daniel Lousada

Ponto de vista do aluno que fui.

Como qualquer aluno que se preze, não fui imune a re­provações. Reprovei portanto. Reprovei no 4º ano do li­ceu, ao tempo considerado um ano de escolari­dade muito propenso a este tipo de eventos.

Do que senti, quando me vi reprovado, recordo ter dito «Lá vou ter que empinar, outra vez, a “me§da” da bo­tâ­nica» [um dos conteúdos da disciplina de ci­ências na­tu­rais à qual, muito a custo, consegui posi­tiva]. Repro­var significava [julgo que significa ainda] repetir todas as dis­ciplinas, a partir do início, tenha ou não negativa a todas, saiba muito ou pouco ou coisa nenhuma de todas elas.

Não foi por culpa da botânica que reprovei. Mas isso não me dispensou de ter que voltar ao sistema re­pro­dutor das plantas, de decorar novamente os no­mes dos órgãos que compõem uma flor, de voltar a empinar os nomes das ordens e classes de plantas e plantinhas. E não pen­sem que à segunda o empi­nanço foi mais fácil!

Agora perguntem-me o que sei do que “aprendi” de botânica!

Não quero com isto dizer que o trabalho que a bo­tânica me deu tenha sido inútil; que só o que recor­damos vida fora é útil. Bem pelo contrário. O que aprendi de botâ­nica não fez de mim um botânico. Mas deu-me a cons­ci­ência de que um dia soube bo­tânica, da mesma forma que em tempos soube resolver uma raiz quadrada, um saber que em qualquer altura posso recuperar, haja necessidade ou interesse em fazê-lo.

Poderia ser diferente?

Ponto de vista do professor que fui

Uma escola de lugar único [1 professor – 4 classes], final de um ano escolar, nos inícios dos anos 70. Aquela cri­ança do 1º ano junta letras, soletra pala­vras em carrei­ri­nha e chega ao fim da frase sem me­mória do que leu no início. Ao ensaiar a conversa a ter com ela, dou- me conta que iríamos viver juntos outra vez, quer ela re­provasse quer não! Então, vou reprová-la para quê? – interroguei-me. Não fosse professor de uma turma que juntava as 4 classes e, talvez, não tivesse chegado à per­gunta, con­fesso: haveria, certamente, outra turma, ou­tro profes­sor, em “melhores condições”, com quem re­petir o per­curso que não concluiu comigo. Olho-a então uma vez mais. Faltam-lhe automa­tis­mos na leitura, é certo, mas, surpreendentemente [mais atenta, tal­vez, ao que me ouvia dizer aos “gran­des” do que à tarefa que tinha em mãos], sabia o que alguns da 4ª classe não sabiam sobre Viriato e as lutas que este tra­vou com os romanos, que D. Afonso Henri­ques, foi o 1º rei de Portugal, que o rio que passa em Cha­ves é o Tâ­mega, que o comboio passava por Vidago, Vila Pouca de Aguiar e terminava na Régua, … E dei por mim a pensar na minha dificuldade em me or­ganizar no meio de todos aqueles programas, que naquelas condições a di­visão do programa por anos de escolaridade, por vezes, era mais empecilho do que ajuda. Então, procurei olhar os quatro programas como se fossem um só, na pro­cura da ideia de um programa para cumprir em qua­tro anos.

Pensar a aprendizagem por ciclos de aprendizagem, para além do 1º ciclo não é tarefa fácil. E, pela ma­nifesta­ção de vontades a que assisto, não vislumbro a possibili­dade de procurar alternativas nos siste­mas educativos que, parece, resolveram ou estão em vias de resolver o problema. Continuo a ouvir di­zer que Portugal não é a Finlândia ou um qualquer outro país mais bem posicio­nado nestes campeona­tos. E não é de facto: nesses países vivem os que lá vivem; não são portugueses os que por lá moram; como não são portugueses os seus políticos e, já agora, os seus professores.