sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Denunciar a maldição das certezas, convocar os pedagogos*

Philippe Meirieu

Versão portuguesa de Daniel Lousada [Mudar para PDF >>>]

Vivemos hoje assombrados pela maldição das certezas que transformam o debate democrático em fúteis disputas oratórias, confrontos estéreis de toda espécie, quando não é a violência que abala gravemente o vínculo social. A maldição das certezas que invadem o campo social e paralisam qualquer busca serena da verdade em favor das "notícias falsas", das teorias da conspiração ou dos dogmas sectários mais ou menos esotéricos; a maldição das certezas, promovidas pelos motores de busca comerciais e por todos os senhores do digital, que preferem a sedução da resposta “certa” ao exame crítico de hipóteses possíveis; a maldição das certezas que bloqueiam a aprendizagem de crianças e adolescentes, enquistados no que acreditam saber, e que rejeitam tudo que possa desestabilizá-los. Enfim, uma maldição de certezas que bloqueia a investigação, e dificulta o diálogo necessário e fecundo entre as nossas convicções e o nosso saber

O debate educativo contemporâneo está a enredar-se em conflitos de certezas que paralisam qualquer diálogo autêntico. É urgente promover um diálogo sereno que exclua completamente afirmações como: "Esta é a verdade científica que deve ditar todas as decisões”! E, em vez deste teatro de sombras dogmático, que hoje triunfa, deveríamos ser capazes de debater e explicar os nossos objectivos ["Isto é o que acredito ser necessário para os nossos filhos..."], a nossa área de referência ["Este é o campo em que trabalho e estes os dados que investigo..."], os nossos conhecimentos estabilizados ["Isto é o que me parece adquirido no momento presente..."] e as nossas propostas ["Isto é o que me parece desejável e que deve ser posto à prova..."]. Sem esta abertura às diferentes dimensões do conhecimento, na educação, receio que estejamos condenados a um diálogo interminável de surdos.

Em suma, gostaria que fossemos um pouco mais "pop­perianos", tanto em debates democráticos como em diálogos sobre educação, tanto nas nossas práticas, enquanto cidadãos, como nas nossas práticas, enquanto educadores. Gostaria que apostássemos um pouco mais no domínio da investigação e do conhecimento autêntico... e menos no domínio da propa­ganda.

Precisamos de convocar as grandes figuras da pedagogia, abordando-as não de um ponto de vista enciclopédico, mas segundo uma lógica de "descoberta", no âm­bito de um movimento de procura de sentido e de diálogo com os nossos próprios compromissos. Dialogar com Pestalozzi ou Itard, Freinet ou Montessori, Rous­seau ou Jacotot, procurando encontrar neles algo que nos ajude a compreender esta ou aquela dimensão essencial... Não como autores de obras sub speciae aeter­nitatis** que bastaria conhecer e admirar numa dimensão cultural [embora isto não seja de forma alguma negligenciável], mas sim como interlocutores, eles próprios lutando com contradições, com problemas por vezes intransponíveis... mas, por vezes, também, em contacto com os seus próprios demónios, que podem ser os nossos, e deixarmos-nos, quem sabe, abalar pela sua história e pelos seus pensamentos

Peguemos nas diferentes contribuições – de sociólogos, historiadores, neurocien­tistas, psicanalistas, linguistas, filósofos, escritores, o que seja – mas tomemo-las apenas pelo que são: contribuições, apenas isso. 

Reabramos constante e obstinadamente a questão dos fins e dos métodos, através do património pedagógico [legado dos pedagogos]. Esta deve ser, hoje, a nossa prioridade.

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* No original «Philippe Meirieu dénonce "la malédiction des certitudes", en éducation notamment (interview exclusive)» – uma entrevista apresentada, nesta versão, em jeito de artigo: uma leitura do que me ficou de mais importante, para os tempos que hoje vivemos.
** Em Inglês, sub specie aeternitatis significa aproximadamente "a partir da perspectiva do eterno".

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

A pedagogia e o digital: em que é que ficamos?

Philippe Meirieu

Versão portuguesa [condensada] de Luís Goucha

Assistimos, com um misto de preocupação e sensação de impotência, a um processo de desinstitucionalização da escola. Em poucos anos, passámos de uma escola institucional e estável, para uma “lógica de serviço”, onde cada um surge, conforme lhe apetece, com o que lhe apetece, esquivando-se da mínima contrariedade. Se, antigamente, se entrava na escola como quem entra num teatro, hoje entra-se na escola como numa sala de estar, em que a televisão está ligada e, se o programa não agrada, tiramos o comando ao vizinho e mudamos de canal. Num contexto assim, estruturar um colectivo é quase impossível. LER MAIS >>>

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

O poder das imagens no imaginário

Leitores dão uma vista de olhos aos livros da biblioteca de Holland House,
em Londres, alvo de uma bomba incendiária em 22 de Outubro de 1940
Luís Goucha

Para quem viveu mal a Escola, esta é uma imagem de felicidade: a destruição do livro. Livro é escola. Eu não gosto da Escola, logo o “livro” desapareceu! 

Gostava que esta fotografia fizesse parte da nossa Humanidade, na procura perpétua da inteligência, aquela coisa que só os Homens são capazes de construir e destruir com o mesmo rigor e sabedoria.

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Cultivar o silêncio como elemento essencial da conversa

Daniel Lousada
«Ouvir é a maneira mais pura de calar», leio num verso de Filipa Leal. Mas só o é se for por opção. E c
alar da "maneira mais pura" é interromper a fala, naquele momento em que a escuta é mais importante do que tudo o que possamos ter para dizer.

Nem sempre me calo da maneira mais pura. Quer dizer, muitas vezes, quando me calo, calo-me apenas..., sem qualquer compromisso com a escuta. Outras vezes, no que me parece ser o mais normal, calo-me quando não tenho nada para dizer..., ou então, o que tenho, digo melhor em silêncio..., que o silêncio também faz parte da conversa [às vezes é a maneira mais pura de dizer! — «O silêncio só raramente é vazio», leio num verso de José Tolentino Mendonça *].

In "Vem à quinta-feira", Assírio & Alvim, Lisboa, 2016
Calamos tão pouco, hoje em dia. Parece que desaprendemos [será que alguma vez aprendemos?] de cultivar o silêncio como elemento fundamental da conversa:

O que por palavras nos está oculto
no silêncio crepita
em intimidade *

«Ouvir é a maneira mais pura de calar». Será que isto se ensina? Creio que sim! E, nesta crença, elejo a poesia, como instrumento privilegiado do processo. 
Na poesia está tudo o que é preciso: o apelo à voz, através das palavras que mais significam, muito mais para além delas...; os silêncios — aqueles que fazem parte do poema, mais aqueles que somos convidados a fazer —; a escuta...** 

O silêncio não está sob controle 
ninguém consegue activá-lo 
sem transitar por ele *

O difícil está aqui: dar por ele neste "trânsito". E se, no que fazemos, o silêncio [ou a necessidade dele] não está presente, a dificuldade é maior.

Daqui o poema, que vive de silêncios, para ajudar a ensinar a cultivar o silêncio. Precisamos "apenas" de acertar na escolha dos "poemas certos", a cada um, em cada momento.


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* In "A papoila e o monge", Assírio & Alvim, Lisboa, 2013
** A música também convida à escuta, poder-se-á dizer. Mas ao servir também outros propósitos, não convida com a mesma intensidade. Às vezes, perante passantes de auscultadores enterrados nas orelhas, o que vejo não é propriamente alguém implicado com a escuta, mas que tão só transita entre "ruídos"!

sábado, 8 de agosto de 2020

Competências: quem as define?

António Nunes
Quando nos invadem os ouvidos e os olhos com o conceito de competência [uma invasão que nos chega, invariavelmente, pela voz ou pela mão daqueles que não conseguem ter, sobre a educação-formação, mais do que um olhar de senso comum], até parece que estamos na presença de um assunto de simples resolução.

Contudo, os mais atentos sabem bem que não é assim. E que esta espécie de simplicidade [pequena traição que a ignorância, por vezes, nos prega], aliada à emergência da sua afetação a quase tudo aquilo que respeita às aprendizagens, coloca este tema como objeto de uma mais profunda reflexão e que deveria sujeitar todos aqueles que com ela trabalham, a um estudo sistemático e consistente desta "nova" (?) realidade, no trabalho pedagógico.

Pela sua estrutura, poderá parecer, aos olhos de alguns, que as mesmas se detetam num saber fazer e em operacionalizações mais ou menos rebuscadas. Nesta facilidade de análise, não se interroga se esse tipo de ação incorpora valores como a consciência, a justiça, a cultura, o humanismo, a solidariedade, etc. Este tipo de qualidades, embora muito faladas, não representam uma grande preocupação ao nível do seu desenvolvimento e desocultação, visto estas não interessarem muito aos “mercados”, nem tão pouco serem preocupações e, por isso, objeto de avaliação dos sistemas educativos, como o sistema educativo português.

O conceito de competência tem, ao longo do tempo, transportado consigo as marcas do mundo laboral e, com isso, construído uma semântica da qual com dificuldade se libertará. Isto porque, tradicionalmente, tem sido enquadrado num tipo de ações que se orientam para um desempenho qualificado num posto de trabalho. Competência era [ainda é, na cabeça de alguns] uma qualidade pessoal que se tinha ou se adquiria, que se mostrava ou se demonstrava, tendo por base uma “genética” marcadamente operativa, que respondia, em momentos determinados, a tarefas de diferentes exigências.

Esta dificuldade leva a que muitos [responsáveis pela educação e formação incluídos] subestimem, por incultura ou má-fé, a sua vertente de mutabilidade temporal e estrutural, bem como a sua harmonização com outros conceitos. Parecem não entender que se exige à figura de competência uma descolagem de um arquétipo tradicional de base simplista e se deve sugerir a sua adesão ao mundo da complexidade, propondo-se-lhe, por via disto, uma nova linguagem.

Torna-se então necessário um olhar moderno sobre as competências, para que ao procurar integrá-las no currículo escolar e formativo, estas possam ser aprendidas, mantidas e circunscritas por toda a vida e não, como tem acontecido até hoje, revividas num espaço de tempo curto, ao serviço exclusivo dos fetiches daqueles que não entendem muito, nem de competências, nem da avaliação das mesmas.

Lembramos, por fim, que quando fazemos alguma afirmação acerca de competências estamos, ao mesmo tempo, a desenhar e a definir politicamente o currículo que elegemos e, assim, a determinar o desenvolvimento e o futuro dos nossos pares.

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terça-feira, 4 de agosto de 2020

Pai, quando é que o freguês vem?

António Nunes

[Também disponível em PDF >>>]


Leio e releio partes de um livro intitulado “Pierre Guérin, sur les pas de Freinet”, isto porque, nestes últimos tempos, em que o sol aquece um pouco mais, o vento amansou, o tempo se mostra mais tranquilo e os dias, embora contando as mesmas horas, se tornam mais longos, tem-me apetecido dar um outro rumo a um livro por mim escrito e já publicado,* para torná-lo num outro, rejuvenescido no seu conteúdo e empurrado, se possível, para uma nova edição, “actualizada e aumentada”, como é uso dizer.

Lembrando Freinet, lembro-me sempre do João e da Mafalda, os meus dois filhos, ao mesmo tempo que me empurro muitos anos para trás, quando serpenteávamos juntos os Alpes Marítimos franceses, à descoberta dos espaços por onde aquele professor francês ensaiou a sua pedagogia: a escola de Le Bar-sur-Loup [a sua primeira escola], a de Saint Paul [onde é exonerado do serviço público] e depois a sua escola privada, também em Vence. São memórias que me levam a olhá-los na sua pequenez, ainda tão crianças, e recordar as brincadeiras que por vezes tínhamos.

Agora, tão distante desse tempo, parece que todos perdemos o prazer de brincar — Esta coisa de ser adulto é, muitas das vezes, uma chatice!

Apetecia-me brincar agora com eles... saltar por cima das mesas, correr à volta das cadeiras da esplanada onde escrevo, cairmos uns por cima dos outros, despejar-lhes até água por cima. E se o empregado resmungasse, paciência: chapinávamo-lo com Coca Cola, que é mais pegajosa e custa mais a limpar. Apetecia-me subir com eles para cima da escada frente a mim, e, empoleirados nela, pintarmos o céu com todas as cores do arco-íris, mais a cor do mar, a cor do pôr-do-sol, mesmo quando noite…, a cor da esperança, da alegria, da amizade, do amor…, a cor de alguns lábios, de alguns olhos…, ou de um sorriso até, daquelas crianças que nunca viram os pais sorrirem-lhes. Cada um pintava como queria, com pincéis de formas e tamanhos diferentes, com as mãos ou mesmo com a ponta do nariz — para isso, teríamos de contar mentiras, muitas mentiras como o Pinóquio, para facilitar a pintura—. Podíamos gastar a tinta que nos apetecesse gastar. Só não podíamos apagar o que decidíssemos pintar!, para aprendermos que, na vida, o que fazemos não pode ser mais apagado. Pode ser reorganizado..., modificado, … Apagado não!

Chegados a Vence, frente à escola privada de Freinet, o João, vendo-me tocar mais do que uma vez na campainha da porta, sem que alguém atendesse, pergunta-me:

— Pai, quando é que o freguês vem?

Ainda hoje nos rimos com ele, pouco importando as memórias que ele guarda deste episódio. E ele ri-se connosco. Para ele, Freinet ou freguês tanto dava... Para nós, pela sua afetividade, é uma troca que, vinda do passado, mantemos presente: faz parte de nós. Queremo-la, enquanto vivermos, inalterável. Não a queremos, jamais, apagada!

sexta-feira, 31 de julho de 2020

A urgência do regresso da pedagogia à escola... e ao imaginário do professor

António Nunes

(...) a cada reforma, mantém-se aquilo que os historiadores da educação e os pedagogos apelidam de "gramática da escola" (...), ancorada em regras, a maioria delas invisíveis (...), interligadas naquilo que, vulgarmente, se apresenta como tradição. Um facto que as faz, por si só, (...) resistentes à mudança ["a tradição tem muita força"]

terça-feira, 28 de julho de 2020

«Sou maior quando envelheço»

E por falar do tempo: a memória, a consciência, o sentimento de si... e outras "coisas menores" 

A propósito de um poema de Viviane Mosé

Neste poema vejo o tempo identificado com a própria vida, que se estende no passado de olhos postos no futuro. Um poema que, de certa forma, reflecte o conceito de consciência, com o qual se identifica o tempo.

De que modo cresce o passado que já não é mais? Interroga-se Sto. Agostinho. Cresce com a memória das coisas que vivi, diria eu ! se fosse chamado a responder. Para acrescentar, de seguida, que apenas com as coisas que faço, com a consciência das experiências que vivi [nas quais o aprender se inclui] sou capaz de crescer. Um crescimento que varia com o tempo dedicado às "coisas que mantêm todo o seu significado".

Diz o Principezinho [de Antoine de Saint-Exupéry] que «Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que fez a tua rosa tão importante». No fim é a importância das coisas que faço, que dá sentido ao tempo que lhes dedico, e me faz ser maior quando envelheço.
Daniel Lousada

segunda-feira, 20 de julho de 2020

A professora Isa não é leitora?

A propósito da vergonha alheia de Raquel Varela


Daniel Lousada [ Disponível também em PDF >>> ]


A professora Isa, como professora do 1º Ciclo, “ensina” muitas artes: expressão plástica, musical, matemática, história, ciências... e, claro, português. Duvido que alguém possa gostar de tudo isto por igual.

«Não sou leitora. Nunca fui muito de ler livros»[*], responde quando lhe perguntam o que andava a ler. Quer dizer que se afasta dos livros como se estes fossem repelentes? Não, diz tão só que procura entretimento noutras leituras ou noutras artes. E, curiosamente, embora diga não ser leitora, também diz gostar de livros: «Os livros infantis são muito importantes para mim, (...). Em casa, na pequena biblioteca que tenho, e na escola, passaram a ser um grande contributo para o meu trabalho». Afirma inclusive, uns parágrafos acima, que está «a estudar para tirar uma pós-graduação em "livro infantil"». Ora, isto não se consegue sem leitura e sem escrita. Donde que alguma coisa terá de ler. Mas ao ler a entrevista e, a seguir, os comentários violentos, que se escreveram sobre ela, centrados unicamente numa resposta infeliz, esquecendo tudo mais, fica-me a impressão de estar na presença de "leitores de letras gordas".

Conheço professores que, não gostando de grandes leituras, ligam-se à leitura pelo desejo de saber. E conseguem passar este desejo aos seus alunos, como só muito poucos conseguem! Outros, do mundo universitário, confessam que as suas leituras acontecem em função das aulas que têm para dar e dos projectos de escrita [de artigos, coisas de carreira] que têm em mãos: a leitura amarrada, não ao prazer de ler, mas ao propósito de uma escrita utilitária. Outros ainda, grandes leitores(as), são incapazes de fazer gostar seja do que for – Entre os primeiros e estes últimos, prefiro seguramente os primeiros, pela seriedade com que encaram a profissão.

CLARO QUE GOSTAR DO QUE SE ENSINA AJUDA: dispensa-nos o trabalho de fazer de conta que gostamos! Sim, fazer de conta! E até nem é muito complicado fazê-lo com crianças deste nível de ensino: basta saber ler e investir na construção de uma personagem que adora ler o que está a ler. Pode, depois, acontecer a dificuldade em discorrer sobre a qualidade literária da obra, mas isso é irrelevante neste nível de ensino. Durante a minha carreira tive de ler e dar a ler livros que não gostava, e li-os aos meus alunos, como se os adorasse, tão convincentemente, que alguns quiseram levar o livro, para repetir a leitura em casa! Nalguns casos [poucos, confesso] deixei-me entusiasmar pelo seu entusiasmo, e dei por mim a gostar do que lia!

Há confissões que só devem fazer-se no confessionário! E, Infelizmente para a professora Isa, os jornais não são confessionários, nem lhes compete perguntar ao entrevistado se acha mesmo do seu interesse partilhar esta ou aquela informação. Eles iam lá perder a oportunidade de partilhar esta confissão, destacando-a das demais em letras gordas. Enfim, coisas de quem, ingenuamente, se enreda nestas redes e deixa que a visibilidade do seu trabalho o transforme em curiosidade mediática.

Já agora, eu nunca gostei de algoritmos, nem de raízes quadradas [estas já nem sei mesmo como se fazem], mas isso não me impediu de ser competente no seu ensino, quando ensinava.

______________

[*] Esta citação foi partilhada, pela historiadora Raquel Varela, da seguinte forma: "A professora de português – já vimos não ser de português – (...) deu uma entrevista ao Expresso este fim de semana onde diz que nunca gostou de ler, cito". Obviamente, não citou coisa nenhuma. De nunca gostei de ler a nunca fui muito de ler livros, há uma distância enorme: eu que nunca fui muito de copos, gosto muito de um bom copo, principalmente se a acompanhar uma boa conversa entre amigos – Apetece dizer que até os melhores se deixam contaminar pela mentalidade facebook.

domingo, 19 de julho de 2020

E se as escolas voltam a fechar

Um manifesto dos professores do Grupo ICEM-Paris, como ponto de partida para reflectir sobre o futuro da escola [versão portuguesa de Luís Goucha]


Se, de há uns meses a esta parte, tudo o que aconteceu nas escolas foi novo, nunca vivido, amanhã já não teremos o alibi da novidade a desculpar-nos a insistência nos mesmos erros. Para evitá-los não há como reflectir sobre o modo como muitos de nós viveram a não-escola dos últimos meses. A reflexão realizada pelo Grupo ICEM-Paris, serve-nos neste propósito.

domingo, 12 de julho de 2020

Educação e formação: serão preocupações do ensino superior?

António Nunes

A formação dos nossos jovens precisa de ser olhada de uma forma plural e não como é hoje trabalhada ou, porque não dizer, deformada por um sistema vesgo, que se constitui, quase unicamente, numa lógica iminentemente especializada, como se esta, só por si, produzisse e preparasse verdadeiros cidadãos.

sábado, 11 de julho de 2020

Em defesa da pedagogia: o professor é mais do que um profissional

(...) a profissão (...) de professor (...) sustenta-se num con­junto e conhecimentos próprios e de preocupa­ções específicas. Ao recordarmos o termo peda­gogo, poderemos encontrar nele a fonte da cons­trução desta profissão e tudo que, à volta dela, ho­mens e mulheres, ao longo da história da educa­ção, foram capazes de desenvolver, modificar e construir.

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Para acabar de vez com as “ideias feitas” sobre os professores!

Philippe Watrelot in: Cahiers Pédagogiques
Versão portuguesa com comentário final [Passar à versão em PDF >>>]

Ideia feita Nº1
Os professores são relutantes à mudança
Asneira! Eles foram capazes de em 48 horas encontrar novos instrumentos e novas práticas.
(...)
Ideia feita Nº 10
As crianças não gostam da escola
Depois de uma alegria inicial, rapidamente se deram conta, alunos e famílias, do papel primordial da escola e dos professores … perceberam-no muito bem e afirmaram-no várias vezes. E será esta talvez a nossa melhor recompensa!   
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quinta-feira, 11 de junho de 2020

O COVIDE-19 e a vingança da Idade Média

António Nunes
Aos amantes da(s) ciência(s), de todas elas...nas quais, convictamente, me incluo

(...) acordamos que este ataque vírico estava prestes a ser vencido, não pelos in­vesti­mentos feitos pelas múltiplas investigações universitárias e pelos diversos laboratórios farmacêuticos, mas sim por aquilo que, vulgarmente, o povo e a sua cultura apelidam de bom senso – no caso presente transformado em senso comum.

sábado, 6 de junho de 2020

Sobre a importância da pedagogia

António Nunes

Menciona-se, a título de exemplo, o novo currículo da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard. A formação de professores bem se podia inspirar em muitos dos seus princípios orientadores, assim apresentados:

Em Agosto de 2015 iniciou-se um novo currículo inovador – Pathways. Esta revisão ousada do currículo de formação médica incorpora abordagens pedagógicas que promovem aprendizagens activas e o pensamento crítico, uma experiência clínica precoce e experiências científicas de clínica avançada e de formação personalizada nas áreas básicas e na relação com as populações, de modo a proporcionar caminhos individualizados de formação para cada estudante. [HARVARD MEDICAL SCHOOL – HSM, 2015].


Ver, sobre o mesmo tema, "Que podemos aprender com a formação dos médicos": uma entrevista concedida por António Nóvoa a "NOVA ESCOLA", novaescola.org.br 

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Paremos de vez de endeusar o digital

Philippe Meirieu
Versão portuguesa de Luís Goucha [PASSAR AO TEXTO EM PDF >>>]

Nesta entrevista, Philippe Meirieu reflecte sobre a profunda crise que se abateu sobre a escola, sobre as dificuldades sentidas pelos alunos menos privilegiados, e antecipa os problemas da futura recuperação…

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Somos como os melros

Daniel Lousada [PASSAR AO TEXTO EM PDF >>>]

"Alguém me reduziu o tamanho do quintal, até o quintal ficar isto que se vê". (...) E eis senão quando, alicerçado nos meus medos, um ministro anuncia o próximo ano lectivo, dividido entre a escola e o ensino virtual a entrar-me casa adentro.

Entretanto, com receio do que se passa fora da gaiola, e com os sindicatos estranhamente mudos, não estrebucho: conformo-me, como também parecem conformar-se a maioria dos pais - Como o melro, já se vê!

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Afectividade e aprendizagem no romance "Cinco Reis de Gente" de Aquilino


Lembrar Aquilino Ribeiro 13.09.1885 - 27.05.1966

Para quem passou a vida na Escola, ultrapassando as aulas e as estruturas arcaicas, obsoletas e ineficazes, terá forçosamente de se sentir tocado com esta referência autobiográfica à entrada no mundo das letras, nada fácil, deste escritor português, proposto por um grupo de amigos, como candidato ao prémio Nobel.

terça-feira, 26 de maio de 2020

Gramaticalizar: o calvário de transitar no intransitável e outras memórias de uma escola de outros tempos

Lembrar Ruben A. [26.05.1990 - 26.09.1975]
Excerto de "O mundo à Minha Procura I", Assírio & Alvim, Lisboa, 1992: pp. 75-76

Eu claudicava em matérias fundamentais: matemática  e latim. Em português conseguia às vez encontrar um mestre que me deixava ir comigo, que parava na aula e lia o meu exercício, como quem lê uma bíblia traduzida para chinês. Os outros colegas nada percebiam, uma vez que eu me afastava completamente do assunto dado para a dissertação. Não sei se foi Adolfo Casais Monteiro que um dia, na aula de português, me pediu para explicar um trecho dos Lusíadas  depois de ter lido o meu exercício sobre o assassínio de Inês de Castro. O Adolfo foi professor escasso tempo, mas para o caso pouco importa. Quando eu avancei com o livro na mão para junto da mesa, ele pediu-me que fizesse a minha crítica do célebre episódio. Ao que eu simplesmente respondi: - Senhor professor, o assassínio foi a única página que me apaixonou nos Lusíadas. Faltam mais tragédias íntimas nos Lusíadas. Gosto muito de descrições e de tudo o resto, mas sinto-me mais entusiasmado ao ler

Se de humano é matar uma donzela
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a que soube vencê-la.

O Casais Monteiro olhou para mim como querendo convidar-me para tomar café à saída do Liceu, e, na sua cara expressiva, disse que me podia sentar pois estava satisfeito. Posso dizer que devo à famosa passagem dos Lusíadas o ter-me encaminhado pela primeira vez - por uma descoberta a que não era alheio o meu estado de espírito - no sentido trágico da vida, no sentido dos gregos, de Shakespeare e de pouco mais. (...) E realmente pensando melhor, passados tantos anos, vejo que a falta de tragédia é que torna tão insípidas a nossa história e a nossa literatura. De humano, em grande parte, tivemos Inês de Castro, um pouco de Frei Luís de Sousa, e páginas da História Trágico-Marítima. De interesse universal, de valor transposto ao teatro, ao bailado, a novas interpretações, só na verdade a maravilhosa coroação daquela que depois de morta foi rainha.

Passados pouco meses, a liberdade mental de Adolfo Casais Monteiro meteu-o na cadeia. Apareceu, então, como professor de português o animal que regia latim e que a meu respeito tinha a mais fraca das opiniões. Começou para mim o Calvário de dividir orações, encontrar os complementos directos, transitar no intransitável, gramaticalizar de novo os Lusíadas de Camões. Murchei.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

A tecnologia... A bênção dos homens!

António Nunes
«A humanização da tecnologia ao serviço da aprendizagem»! A sério?
Estes "modernistas de circunstância", sempre atentos às oportunidades de um qualquer COVID, têm esta tendência de se enredar nestes delírios, ligando a humanidade a tudo, até mesmo à tecnologia, a um robot, talvez, assim ao jeito de quem diz: olha só…, como é tão humano!

segunda-feira, 18 de maio de 2020

O vírus, um poema de Ana Luísa Amaral e as tragédias que se eclipsaram

Enquanto isso, o "sujeito" pode ser "simples e composto"

Daniel Lousada [ARTIGO EM PDF >>>]

Com a chegada do "vírus" [hoje é o vírus, amanhã outra coisa será], de repente, todas as tragédias do mundo desapareceram. Desapareceram não, eclipsaram-se, tal como a Lua durante um eclipse, que sabemos estar onde está, mas escondidaas tragédias continuam a ocorrer, só que ainda mais distantes dos olhares, quase sempre indiferentes, dos que assistem à tragédia, protegidos por uma tela. As televisões não vêem razão para procurar tragédias, lá longe, nos mares da Grécia ou noutro mar qualquer!


Serão agora mares "livres" de refugiados, à procura de paz nas suas praias?

Nós por cá, com as escolas fechadas e as crianças recolhidas em casa, alimentamos os nossos medos, com doses diárias de estatísticas de infectados. Enquanto isso, na escola da rtp memória, a professora diz que "tão tanto" têm o mesmo significado, que o "sujeito" pode ser "simples e composto"...

Como eu gostaria de ouvir contar aos nossos jovens, através das histórias e dos poemas que o professor lhes lê, longe de exercícios de gramática, que eles são bem complexos, como sujeitos!

Não me interpretem mal. Não quero desvalorizar a importância dos "sujeitos compostos", nem tão pouco o estudo da gramática. E muito menos quero pôr em causa o trabalho militante dos professores, que dão a cara pela escola na tv. Mas, a sério, acham mesmo importante, entrarem-nos sala adentro, com exercícios de sintaxe? E querem que os pais mandem os filhos fazer com isso, o quê?

Sei que, em tão pouco tempo, seria difícil inventar outro modelo. E, no entanto, alimentei a secreta esperança de ver a tv, a agarrar os nossos jovens aos saberes que a escola tem de melhor, através de outras coisas, mais de acordo com..., como direi..., o seu ADN. O meio pode não ser a mensagem, como diz Alvin Toffler, mas faz parte dela, digo eu!

"Há tanta coisa bonita que não há", diz Manuel António Pina, num belíssimo poema"coisas que já houve e já não há, livros por ler, coisas por ver (...) Tantas lembranças de que não me lembro, sítios que não sei, invenções que não invento"... Nem tudo são coisas bonitas certamente, algumas são mesmo muito feias, mas sobre as quais é tão importante falar, e zangarmo-nos com o que não tem razão de ser, e exorcizar os nossos medos, e... ... ...

E a escola? A escola está onde está, e lá estará quando voltarmos. Para já, só temos de manter a ligação!
Mas o que é da escola, da escola é: não precisamos de mandar tudo o que a escola tem para casa, até porque nem tudo chega a todas as casas, e muito menos da mesma foram!

sábado, 16 de maio de 2020

Desenvolvimento do sentido da autonomia na Escola … e em casa?

Claire Ravez
Versão portuguesa de Luís Goucha [LER EM PDF]

A autonomia escolar não é uma “autonomia geral”, uma capacidade geral e transversal, a adaptar-se a qualquer tipo de situação, mas uma autonomia específica, articulada com uma cultura escrita e com dispositivos objectivos.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Arrisquemos ser autores na profissão que escolhemos

António Nunes e Daniel Lousada 
[LER EM PDF >>>]

Quando os discursos sobre o futuro da escola mais se fazem ouvir, maior a necessidade de revisitar o espírito transformador dos pedagogos que nos precederam, na convicção de que é a compreensão do passado que marca a experiência actual, e é na história presente que o futuro − seja ele o que vier a ser − se fecunda.

A escola é um «espaço de professores transmutados em actores» – diz António Nunes – em vez do que seria de­sejável: um espaço condizente com o projecto cultural que abraça, «de professores-autores, capazes de repen­sarem as suas práticas, de as mo­difica­rem e recriarem constantemente»[1], tal como os professores dos primei­ros anos do século XX, os tais que Da­niel Hameline des­creve como «os anos loucos da peda­gogia». Daqui o nosso ar­gumento: não há forma de reconstruir aquele espaço, que não passe pela pedago­gia, que não passe pelo re­gresso do “professor-pedagogo”, por uma espé­cie de reinvenção dos «anos loucos da peda­gogia».

Colocada nestes termos, a empresa parece ser nada me­nos que enorme! Porquê? Porque, como refere Hame­line
[2], de certa forma, «os professores foram e serão sem­pre actores aos quais não será concedido, nem pelos po­deres públicos, nem pelos seus interlocutores directos [colegas, pais, alunos], nem pela sua própria consciên­cia, o direito de fazerem as coisas à sua maneira». Con­tradição, insanável, com o desejável de António Nunes? Não, de todo: antes resis­tência ao espirito transfor­ma­dor, que caracte­riza a vida de uma instituição.

De repente, a escola vê-se subitamente desalojada [pro­visoriamente, é certo] do espaço [físico] onde, ao longo dos tempos, se foi afirmando, sem grandes transforma­ções! São outros os cenários que, inesperadamente, se apresentam, e os professores percebem, rapidamente, que a peça onde têm sido actores, não tem condições para se manter em cena. Percebem que a “escola em casa” não é escola! Nem vale a pena fazer de conta. No entanto, vale a pena fazer tudo o que estiver ao seu al­cance para não deixar que a escola se perca. Então, de certa forma, mais «libertos de programas, horários, hie­rarquias, e, talvez, também, dos olhares dos colegas e dos sindicatos», para usar as palavras de François Dubet
[3], os professores têm a oportu­nidade única de, com menos constrangimentos, arriscar assumir a liber­dade de “fazerem as coisas à sua ma­neira”[4] [aquela mesma maneira de fazer as coisas que é própria dos au­to­res] e, de olhos postos no futuro, que a escola de cer­teza terá, reaprender a profissão.

A escola não voltará a ser mais a mesma, como dizem? Sem dotes adivinhatórios, podemos dizer apenas que, tal como antes, o acto pedagógico nunca é igual, que «a história da edu­cação escolar não se repete: in­siste»
[5]. O nosso desafio passa, en­tão, pela compre­ensão do sen­tido desta insistência, das suas pri­oridades, dos equilí­brios a promover, tão forte­mente abalados hoje.

A educação escolar faz-se de equilíbrios. 

Philippe Meirieu [6] aponta três polos determinantes e constitutivos da Pedagogia: «um Polo Axiológico [con­tendo os valores, as atitudes, etc.], um Polo Cientifico [por onde circulam os saberes específicos das matérias a en­sinar] e, finalmente, um Polo Praxeológico [onde en­con­tramos as opções das práticas educativas, assim como os diferentes utensílios que as sustentam e lhe dão um corpo coerente na intervenção educativa]». Três polos que se equilibram entre si, para que a educação escolar decorra sem grandes sobressaltos.

Se, aparentemente, no plano das intenções e apenas neste plano, com a “escola em casa”, poder-se-ia dizer que, no essencial, os valores e as atitudes a desenvolver ou os saberes específicos das matérias a ensinar, não estarão em causa [quando muito, poderemos ver reduzidas matérias a ensinar], o mesmo não se poderá dizer das opções, quanto às práticas educativas e utensílios que as sustentam, um facto que, por si só, fragiliza o equilíbrio entre estes três polos, constitutivos da pedagogia[7]. Aproveitemos, então, este estado da escola, para experimentar «fazer reset daquilo que achamos que é ensinar»[8]. Trata-se, usando a linguagem informática, de reiniciar o sistema, o que, como é próprio de qualquer reinício, nos remete à origem do nosso pensamento pedagógico e, na perspectiva que nos traz aqui, nos convida a revisitar o espírito transformador dos pedagogos, que nos precederam, na procura de um “upgrade”, que nos permita reconstruir o equilíbrio há muito perdido [ou talvez nunca conseguido], e que esta crise aprofundou.

Subitamente, de uma “escola em crise”, passámos a uma “escola em suporte básico de vida”, a lutar pela sua sobrevivência! Face ao risco de colapso das suas funções vitais, vimo-nos obrigados a ligá-la, literalmente, às máquinas. Temos, portanto, uma escola com muitos dos seus órgãos afectados, alguns talvez em risco de falência, e que procuramos, a todo o custo, que recupere, sem sequelas irreversíveis! Sermos ou não bem-sucedidos, nesta procura, dependerá, em grande medida, daquilo que fizermos [e não fizermos, também], a partir do que sabemos hoje. Não sabemos muito, é certo, mas o que sabemos convida-nos a alguma prudência.

Sabemos que os alunos gostam da escola, mas não gostam das nossas aulas; como abordar esta situação, agora que a escola de que gostam, pelo menos no futuro imediato, não existe plenamente? Sabemos que muitos deles, só conseguem acompanhar a escola com a ajuda do professor, e se ele não estiver presente, em momentos críticos da aprendizagem, alguém terá de estar por ele;que fazer quando a capacidade de trabalhar autonomamente não existe?[9] São tudo coisas que vêm de há muito, obviamente, mas por razões que a razão desconhece, optámos, vezes demais, por ignorar.

Finalmente, se dúvidas houvesse, temos a confirmação de que a tecnologia não pode tudo, embora algumas vozes insistam em querer convencer-nos do contrário: que ela pode substituir muita coisa, até professores! São as vozes dos que acham que os professores podem ser reduzidos a simples peças de uma engrenagem, e que a tecnologia pode dispensar a pedagogia com vantagem. Numa escola assim, nem actores conseguimos ser!

Cuidemos, então, do reinício da escola; façamos «reset daquilo que achamos que é ensinar»; testemos o que a tecnologia pode fazer pela escola [não a escola por ela], como outros fizeram no passado, e arrisquemos ser autores, capazes de repensar as nossas práticas, de modificá-las e recriá-las. Revisitemos, por exemplo, Célestin Freinet, entusiasta das tecnologias do seu tempo: o que faria com as tecnologias de que dispomos?; como veria a imprensa, a correspondência, o jornal escolar?; teriam o mesmo sentido, cumpririam as mesmas funções?; deixar-se-ia entusiasmar pelos jornais digitais, pela correspondência electrónica, pelas redes sociais? Passada a crise, teremos capacidade de evitar, que a educação caia na relação Cliente/Prestador de serviços, há muito desejada pelos construtores de plataformas digitais, a quem a escola, num estado de necessidade, escancarou as portas? Revisitemos Sérgio Niza e o “Modelo de Organização do Trabalho de Aprendizagem” dos Professores da Escola Moderna: o Conselho e o Diário de Turma [descendentes da Assembleia Cooperativa e do Jornal de Pa- rede, de Freinet], os pequenos projectos de caracter curricular, organizados com os alunos. Revisitemos John Dewey, António Sérgio, Rui Grácio, Adolphe Ferrière, Paulo Freire, Maria Amália Borges, ... e tantos outros.

Arrisquemos ser autores na profissão que escolhemos.
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1 António NUNES “Refletir a Pedagogia”, Ágora Gaia, 2017.
2 Citado por António NÓVOA. “Os lugares da teoria e os lugares da prática da profissionalidade docente”, in Revista Educação em Questão, Natal, v. 30, n. 16, p. 197-205, set./dez. 2007.
3 In Après le virus, l’école sera-t-elle comme avant? www.cahiers-pedagogiques.com
4 Que passa pela «aceitação positiva de uma dupla contradição: a contradição da obediência rebelde e a contradição de prever o imprevisível», de acordo com Hameline, «uma das componentes da nova profissionalidade». António NÓVOA, ibidem.
5 «O gago não repete: insiste. A história da educação escolar não se repete: insiste. (...) Esta espécie de gaguejar intriga-me. O que devemos fazer da juventude, o que devemos fazer por ela, é fazê-la fazer. Como o fizemos nós próprios, mas de outra forma. Ambivalência do desejo de educar: que os que chegam sejam eles mesmos e que, ao mesmo tempo, sejam algo de nós. Que recebam. Que se envolvam. Que sejam envolvidos. Que se libertem». Daniel HAMELINE, “Prefácio”, in Philippe MEIRIEU, École Mode d’emploi. L'école, mode d'emploi. Paris, ESF éditeur, Paris 2000.
6 Conferência realizada por Philippe MEIRIEU na Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação de Lisboa, a 17 de Fevereiro de 2009.
7 Valores e atitudes não são conteúdos de um programa que se passem “de cátedra”, através de formas tradicionais de ensino: decorrem dos modelos de organização educativa em que se inscrevem. Para além do que, e mais importante ainda, não conseguimos «encontrar nenhum sentido coerente para a educação, se alguma coisa comum não acontecer num espaço público». Maxine GREEN, in António NÓVOA, “Ilusões e desilusões de educação comparada”. Educação, Sociedade & Cultura, no 51, Edições Afrontamento, Porto 2017.
8 Ilídia CABRAL [prof. Faculdade de Educação e Psicologia da U.
Católica], in TSF, Rádio Notícias.
9 Não é por acaso que, dos elogios aos professores, que se mobilizaram para se ligarem aos seus alunos, passamos rapidamente à manifestação crítica daqueles que não têm como ajudar os seus filhos a cumprir com o que os seus professores lhes pedem.

terça-feira, 12 de maio de 2020

Amarrada a protocolos sanitários, a escola não é escola

Phlippe Meirieu
Versão em português de Daniel Lousada [LER EM PDF]

Mantendo-se as condições de saúde, só vejo um caminho: uma verdadeira consulta aos professores e aos pais, (…) a fim de construirmos, em conjunto, um modelo de escolaridade aceitável, que combine actividades em sala de aula, com ensino à distância, para todos os alunos. No entanto, (…) nada disto é possível por decreto: toda a comunidade educativa terá de se sentir envolvida, de aceitar este desafio, ou nada feito!

domingo, 10 de maio de 2020

Um abecedário resumido para questionar a "escola em casa"

Cécile Morzadec e Laurent Reynaud 
Versão em português de Luís Goucha [LER EM PDF >>>]

(...)
IMAGINAÇÃO
Porque nada nem ninguém nos preparou para o ensino à distância, precisamos ima­ginar outras formas de envolver os alunos nas suas aprendizagens, através de jogos e desafios à imaginação. Em vez de reduzir a continuidade pedagógica a uma acumulação de actividades, que mais se assemelham trabalhos de casa, não seria este o momento de estimular a inventividade dos alunos e ajudar desenvolver a sua imagi­nação?