Diz-se dos jovens de hoje, que têm falta de vocabulário. Mesmo a propósito, por coincidência ou não, leio Mario Quintana dizer, em Tristes histórias, que «há palavras que ninguém emprega. Apenas se encontram no dicionário como velhas caducas num asilo. Às vezes uma que outra se escapa e vem luzir-se desdentadamente, em público, nalguma oração de paraninfo. Pobres velhinhas… Pobre velhinho!»
Reparo na expressão oração de paraninfo. Desconhecendo o significado da palavra paraninfo atribuo à expressão o mesmo sentido da expressão oração de sapiência. Errei o alvo, ainda que tenha andado lá perto: A oração de sapiência é um discurso que inaugura o ano lectivo, enquanto que a oração de paraninfo pode ser um discurso proferido numa cerimónia de formatura.
A edição do livro de Mario Quintana é em formato digital, pelo que bastou-me seleccionar a palavra paraninfo, para ter acesso automático ao seu significado, disponibilizado pelo leitor digital, e a um pequeno texto sobre a expressão oração de paraninfo, gerado por um assistente I.A.. Fosse o livro em papel, e eu a lê-lo longe de um dicionário, e teria certamente seguido em frente: afinal o desconhecimento da palavra não me impedia de aceder ao sentido do texto. Teria, talvez — se a curiosidade a isso me levasse — sublinhado ou anotado a palavra, numa outra «aquilinada», para procurá-la quando estivesse perto de um dicionário.
Não sei como estas coisas dos desenvolvimentos vocabulares são tratados na escola — vai para vinte anos que deixei a profissão e, de então para cá, tenho-me limitado a mandar bocas e palpites —. Mas sei que a querela entre o papel e o pixel, fruto, em grande parte, do uso dado à palavra facilitismo, não aproveita a ninguém. A palavra facilitismo entrou na ordem do dia. E entrou com tanta força que até o simples movimento de procurar fazer fácil a compreensão de um texto é logo apelidada de facilitista.
Alguém da geração dos cadernos de significados, do tempo em que a palavra facilitismo não existia, faça o exercício de imaginar, nesse tempo, um manual escolar com todos os significados à distância de um clic. Mantinha, talvez, a utilidade do caderno de significados, mas não obrigaria, certamente, o uso do dicionário, apenas pelo prazer de fazer da compreensão uma tarefa difícil e do prazer do texto algo distante.
Pegando no exemplo do caderno de significados como metáfora, atrevo-me a dizer que o problema está naqueles que levam o digital, para a sala de aula, para substituir o papel. Com dicionário ou não, o caderno de significados mantém a sua importância. Faz parte do mesmo movimento da leitura à escrita. Se antes se copiava do livro ou se escrevia a partir dele, nada impede, hoje, que se faça o mesmo movimento a partir de um ebook. Há todo o mundo da escrita para descobrir, no qual analógico é indispensável.
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O problema não está no desaparecimento dos CADERNOS de SIGNIFICADOS que eram obrigatórios também para as línguas estrangeiras, lição a lição, e semanalmente a partir tínhamos um "teste" rápido de resposta palavra a palavra ... era na Escola de há muitos, muitos anos. Os de Português constituíam um dicionário pessoal, preciosidade, porque cada um só registava as palavras que desconhecia.
ResponderEliminarTambém havia os CADERNOS, onde se registavam os sumários das aulas e que era necessário ter "em dia". Havia os cadernos com linhas, quando se iniciava a escrita no 1º ano CADERNOS DE DUAS LINHAS, para não escrevermos torto nas linhas direitas (ou vice-versa...), e os cadernos para tomar notas sem organização, as SEBENTAS, além de cadernos com folhas em BRANCO para a disciplina de Desenho. E os cadernos QUADRICULADOS para a Matemática.
Dentro de uma pasta de uma criança (aluno) da escola (hoje mochila) co-existiam esses cadernos onde escrevíamos ! ! !
Seria de investigar dentro das mochilas quantos cadernos existem. Várias vezes se ouve dizer, escrevemos nos livros, ou seja nos manuais escolares, que inutilizamos e a quem a LEYA agradece há muitos anos os milhões de euros que recebe por este acto de desaparecimento de (alguns?) cadernos.
Assim se perdeu uma escrita, a da Escola é claro, mas com ela mais um hábito de NÃO escrever. È muito redutor, posto neste pé a coisa, mas como ideia, tomo-a como boa.