sábado, 23 de novembro de 2019

Pedagogia: Tudo menos certezas

Na prática pedagógica, apoio-me nas «minhas certezas», sem a certeza que o são, e caminho a partir delas como se fossem certezas de facto. Umas vezes, chego a bom porto; outras, verifico não ser o caminho desejado, antes mesmo de concluída a jornada, enquanto que noutras, depois de concluída, não me reconheço no lugar que encontro. Mas sei que a (in)certeza tem de ser certeza, no instante de iniciar o caminho, não esquecendo que com tanta incerteza nas certezas que me apoiam, nada me é dado por garantido: «Agir na urgência, decidir na incerteza», diz Philippe Perrenoud.
Nesta matéria, como em tantas outras, as minhas [nossas] certezas assentam nas certezas passadas, no que deu certo ou errado, portanto: nas certezas do conhecimento produzido pelas diferentes áreas do saber, sempre provisório, em que a pedagogia se sustenta. Eis, então, o desafio a que permanentemente me imponho, algumas vezes [se não muitas] sem grande sucesso, confesso: procurar a razão dos meus actos, sem desejar, à partida, ter razão! Porque, como o acto pedagógico é irrepetível, nunca igual, não posso presumir que o gesto conseguido no passado, se repetido, seja conseguido no futuro. E no entanto, como tantos outros, presumo, naquele instante e apenas nele, em que inicio o caminho! E sigo até onde a razão, que sustenta as minhas (in)certezas, me permite seguir. «O meu princípio foi sempre do Beckett: “falhar... falhar sempre, mas cada vez melhor”. Porque, ao fazer apenas pela certa, amarrado ao medo de falhar, o resultado do meu trabalho sabe a pouco» – diz Luís Goucha.* Sabe a pouco o resultado do seu trabalho como saberia o meu e o das crianças que trabalhassem connosco.O fascínio do trabalho pedagógico está aqui: não na incerteza que por vezes me faz vacilar, mas na certeza de que nunca é o fracasso que espreita; na certeza da oportunidade, sempre renovada, de novos caminhos, a partir do ponto de chegada, que até pode ser um engano, fruto de um erro cometido. Sem certezas absolutas, há apenas certeza quanto baste, para não ficar paralisado, sem reacção. E, para início das tarefas, em que quotidianamente me envolvo, isso basta. Tem de bastar!
Por tudo isto, e porque ainda fascinado pelo trabalho pedagógico, irrito-me tanto com tanta certeza que nos invade: com a certeza colocada, por exemplo, na «bondade» das rotinas que, hoje em dia, nos contamina [horários rígidos, com tempos marcados para cada disciplina, e toda uma cultura de gestão, que obriga a fazer tudo e nada, obcecada pelo controlo administrativo], e que «provém de uma organização do trabalho que realmente só permite tratar dos problemas mais padronizados e condena a viver com os outros, habitado pela sensação de que seria possível fazer algo positivo se»** a razão que sustenta esta organização burocrática não fosse um elástico que não pára de esticar.

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* Numa das nossas muitas conversas
** Philippe PERRENOUD, Agir na urgência, decidir na incerteza. Porto Alegre, Artmed, 2001: p. 85.

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