terça-feira, 20 de julho de 2021
domingo, 18 de julho de 2021
Sobre a utilidade das reprovações, em dois pontos de vista.
Daniel Lousada
Ponto de vista do aluno que fui.
Como qualquer aluno que se preze, não fui imune a reprovações. Reprovei portanto. Reprovei no 4º ano do liceu, ao tempo considerado um ano de escolaridade muito propenso a este tipo de eventos.
Do que senti, quando me vi reprovado, recordo ter dito «Lá vou ter que empinar, outra vez, a “me§da” da botânica» [um dos conteúdos da disciplina de ciências naturais à qual, muito a custo, consegui positiva]. Reprovar significava [julgo que significa ainda] repetir todas as disciplinas, a partir do início, tenha ou não negativa a todas, saiba muito ou pouco ou coisa nenhuma de todas elas.
Não foi por culpa da botânica que reprovei. Mas isso não me dispensou de ter que voltar ao sistema reprodutor das plantas, de decorar novamente os nomes dos órgãos que compõem uma flor, de voltar a empinar os nomes das ordens e classes de plantas e plantinhas. E não pensem que à segunda o empinanço foi mais fácil!
Agora perguntem-me o que sei do que “aprendi” de botânica!
Não quero com isto dizer que o trabalho que a botânica me deu tenha sido inútil; que só o que recordamos vida fora é útil. Bem pelo contrário. O que aprendi de botânica não fez de mim um botânico. Mas deu-me a consciência de que um dia soube botânica, da mesma forma que em tempos soube resolver uma raiz quadrada, um saber que em qualquer altura posso recuperar, haja necessidade ou interesse em fazê-lo.
Poderia ser diferente?
Ponto de vista do professor que fui
Uma escola de lugar único [1 professor – 4 classes], final de um ano escolar, nos inícios dos anos 70. Aquela criança do 1º ano junta letras, soletra palavras em carreirinha e chega ao fim da frase sem memória do que leu no início. Ao ensaiar a conversa a ter com ela, dou- me conta que iríamos viver juntos outra vez, quer ela reprovasse quer não! Então, vou reprová-la para quê? – interroguei-me. Não fosse professor de uma turma que juntava as 4 classes e, talvez, não tivesse chegado à pergunta, confesso: haveria, certamente, outra turma, outro professor, em “melhores condições”, com quem repetir o percurso que não concluiu comigo. Olho-a então uma vez mais. Faltam-lhe automatismos na leitura, é certo, mas, surpreendentemente [mais atenta, talvez, ao que me ouvia dizer aos “grandes” do que à tarefa que tinha em mãos], sabia o que alguns da 4ª classe não sabiam sobre Viriato e as lutas que este travou com os romanos, que D. Afonso Henriques, foi o 1º rei de Portugal, que o rio que passa em Chaves é o Tâmega, que o comboio passava por Vidago, Vila Pouca de Aguiar e terminava na Régua, … E dei por mim a pensar na minha dificuldade em me organizar no meio de todos aqueles programas, que naquelas condições a divisão do programa por anos de escolaridade, por vezes, era mais empecilho do que ajuda. Então, procurei olhar os quatro programas como se fossem um só, na procura da ideia de um programa para cumprir em quatro anos.
Pensar a aprendizagem por ciclos de aprendizagem, para além do 1º ciclo não é tarefa fácil. E, pela manifestação de vontades a que assisto, não vislumbro a possibilidade de procurar alternativas nos sistemas educativos que, parece, resolveram ou estão em vias de resolver o problema. Continuo a ouvir dizer que Portugal não é a Finlândia ou um qualquer outro país mais bem posicionado nestes campeonatos. E não é de facto: nesses países vivem os que lá vivem; não são portugueses os que por lá moram; como não são portugueses os seus políticos e, já agora, os seus professores.