domingo, 18 de julho de 2021

Sobre a utilidade das reprovações, em dois pontos de vista.


Daniel Lousada

Ponto de vista do aluno que fui.

Como qualquer aluno que se preze, não fui imune a re­provações. Reprovei portanto. Reprovei no 4º ano do li­ceu, ao tempo considerado um ano de escolari­dade muito propenso a este tipo de eventos.

Do que senti, quando me vi reprovado, recordo ter dito «Lá vou ter que empinar, outra vez, a “me§da” da bo­tâ­nica» [um dos conteúdos da disciplina de ci­ências na­tu­rais à qual, muito a custo, consegui posi­tiva]. Repro­var significava [julgo que significa ainda] repetir todas as dis­ciplinas, a partir do início, tenha ou não negativa a todas, saiba muito ou pouco ou coisa nenhuma de todas elas.

Não foi por culpa da botânica que reprovei. Mas isso não me dispensou de ter que voltar ao sistema re­pro­dutor das plantas, de decorar novamente os no­mes dos órgãos que compõem uma flor, de voltar a empinar os nomes das ordens e classes de plantas e plantinhas. E não pen­sem que à segunda o empi­nanço foi mais fácil!

Agora perguntem-me o que sei do que “aprendi” de botânica!

Não quero com isto dizer que o trabalho que a bo­tânica me deu tenha sido inútil; que só o que recor­damos vida fora é útil. Bem pelo contrário. O que aprendi de botâ­nica não fez de mim um botânico. Mas deu-me a cons­ci­ência de que um dia soube bo­tânica, da mesma forma que em tempos soube resolver uma raiz quadrada, um saber que em qualquer altura posso recuperar, haja necessidade ou interesse em fazê-lo.

Poderia ser diferente?

Ponto de vista do professor que fui

Uma escola de lugar único [1 professor – 4 classes], final de um ano escolar, nos inícios dos anos 70. Aquela cri­ança do 1º ano junta letras, soletra pala­vras em carrei­ri­nha e chega ao fim da frase sem me­mória do que leu no início. Ao ensaiar a conversa a ter com ela, dou- me conta que iríamos viver juntos outra vez, quer ela re­provasse quer não! Então, vou reprová-la para quê? – interroguei-me. Não fosse professor de uma turma que juntava as 4 classes e, talvez, não tivesse chegado à per­gunta, con­fesso: haveria, certamente, outra turma, ou­tro profes­sor, em “melhores condições”, com quem re­petir o per­curso que não concluiu comigo. Olho-a então uma vez mais. Faltam-lhe automa­tis­mos na leitura, é certo, mas, surpreendentemente [mais atenta, tal­vez, ao que me ouvia dizer aos “gran­des” do que à tarefa que tinha em mãos], sabia o que alguns da 4ª classe não sabiam sobre Viriato e as lutas que este tra­vou com os romanos, que D. Afonso Henri­ques, foi o 1º rei de Portugal, que o rio que passa em Cha­ves é o Tâ­mega, que o comboio passava por Vidago, Vila Pouca de Aguiar e terminava na Régua, … E dei por mim a pensar na minha dificuldade em me or­ganizar no meio de todos aqueles programas, que naquelas condições a di­visão do programa por anos de escolaridade, por vezes, era mais empecilho do que ajuda. Então, procurei olhar os quatro programas como se fossem um só, na pro­cura da ideia de um programa para cumprir em qua­tro anos.

Pensar a aprendizagem por ciclos de aprendizagem, para além do 1º ciclo não é tarefa fácil. E, pela ma­nifesta­ção de vontades a que assisto, não vislumbro a possibili­dade de procurar alternativas nos siste­mas educativos que, parece, resolveram ou estão em vias de resolver o problema. Continuo a ouvir di­zer que Portugal não é a Finlândia ou um qualquer outro país mais bem posicio­nado nestes campeona­tos. E não é de facto: nesses países vivem os que lá vivem; não são portugueses os que por lá moram; como não são portugueses os seus políticos e, já agora, os seus professores.