segunda-feira, 14 de novembro de 2022

As neurociências não vão revolucionar as escolas

Edouard Gentaz numa entrevista conduzida por François Jarraud para "Le Café Pédagogique"

Nenhuma disciplina científica pode razoavelmente fornecer uma receita pedagógica mais ou menos milagrosa.

Será este livro uma reacção ao imperialismo das neurociências?

Não, é uma reacção ao mau uso das neurociências. O que dou é uma opinião sobre a sua má utilização na educação. Tento mostrar as contribuições de cada disciplina e explicar melhor o que são realmente as neurociências e o que elas podem oferecer relativamente a outras disciplinas. Precisamos de uma visão multidisciplinar para compreender a escola e a educação.

Podem as neurociências ditar as práticas de ensino?

Não, não podem. Mas podem lançar luz adicional sobre outras disciplinas. O que pode realmente lançar luz sobre as práticas é a colaboração entre professores e investigadores no sentido de desenvolver uma investigação que possa ter efeitos sobre as práticas profissionais.

No livro, critica o guia ministerial sobre a aprendizagem da leitura. Porquê?

Por detrás desta crítica, está a ideia de discutir a ligação entre ensino e investigação, as recomendações que podem ser feitas e o que é ou não legitimo concluir sobre a investigação. Não existe uma ligação directa entre o que os investigadores fazem e o que é feito na sala de aula. A investigação é necessária. Mas não se pode retirar receitas sem uma análise crítica do contexto. 

Por outro lado, é importante declarar eventuais conflitos de interesses. Este é um dos princípios básicos que seguimos quando escrevemos recomendações ou qualquer tipo de actuação. O mesmo princípio deveria ser adoptado na educação.

O livro também critica a pedagogia Montessori e a Meditação, práticas que se estão a difundir rapidamente na escola francesa. Porquê?

Sou crítico dos usos que são feitos da pedagogia Montessori e dos argumentos apresentados em sua defesa, quando se diz, por exemplo, como é dito por Alvarez, que a pedagogia Montessori se baseia nas neurociências. Quando analisamos esta pedagogia, verificamos que os resultados não são tão claros assim. A pedagogia Montessori não é o alfa e ómega da pedagogia e não resolverá todos os problemas. No fim de contas, entre as escolas Montessori e as outras escolas, as diferenças nos resultados não são significativas.

O mesmo se passa com a meditação. Pode ser um bom instrumento para trabalhar a atenção ou competências psicossociais. Mas não há provas no que respeita aos resultados dos alunos.

O que normalmente recomendaria para o jardim-de-infância?

No jardim-de-infância, são desenvolvidas competências nas crianças, que parecem fazer parte de actividades extracurriculares, quando deveriam fazer parte do seu currículo mesmo. Estou a pensar nas brincadeiras, nos jogos, nas actividades lúdicas, no brincar de faz de conta, hoje infelizmente em desuso. E no entanto, são essenciais no jardim-de-infância, pelos efeitos positivos que produzem. Ao formarmos e incentivarmos os professores a dar a estas actividades o seu devido lugar, ajudamos as crianças a regular as suas emoções, a melhorar as suas competências emocionais e, portanto, académicas. É também essencial no apoio ao desenvolvimento da língua. Em Genebra, conseguimos integrar estas actividades no currículo escolar.

Em geral, pode a investigação ditar as práticas pedagógicas?

Não. Ela pode apenas alimentar a reflexão. É uma alavanca para a tomada de decisões. Pode mostrar aos professores os resultados da investigação, mas cabe ao professor, na sala de aula, encontrar a prática profissional adequada. E este é um exercício muito complicado.

Neste livro, pede uma revisão da formação de professores. O que precisa de ser mudado?

A instrumento mais eficaz para melhorar o ensino é a formação de professores. O que se faz hoje em dia, nesta matéria, é insuficiente. Ela deveria ser mais longa e promover mais estreitamente a ligação entre a teoria e o trabalho de campo. Dada a complexidade da profissão, não é possível formar professores rapidamente, especialmente se forem do 1º ciclo, que leccionam muitas disciplinas escolares e que, além de transversais, se dirigem a públicos muito diversos. A esta formação deveria seguir-se uma formação contínua, que poderia passar pela frequência de "um ano na universidade" a cada 4 ou 5 anos.

[Versão portuguesa: DL]

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