Este texto é a introdução de Philippe Meirieu ao livro "L'école e son miroir", que escreveu com Jean-Bertrand Pontalis, em jeito de conversa [Éditions Jacob-Duvernet, 2011 - trad. D.L.]
De que falamos quando falamos de escola? Estamos realmente certos do que sabemos? Não será este um assunto no qual estamos demasiado envolvidos para pretender ser [cientificamente] objectivos? Isto porque a escola é, ao mesmo tempo, o lugar para onde íamos quando éramos criança e para onde mandamos os nossos filhos. A escola é a imagem amarelecida que recordamos com saudade e a última reportagem da tv sobre violência escolar. É para nós e para os nossos filhos o lugar da alegria de aprender e da angústia de não saber. São os olhos que brilham quando recebem uma boa nota e aquela pressão no estômago no dia do exame. A escola é também uma máquina imensa - a maior empresa portuguesa - e o quotidiano frequentemente muito distante das generosas declarações de intenções dos políticos. A escola é o bem comum da república, o lugar onde se cruzam histórias singulares e imprevisíveis. É objecto tanto das nossas raivas e esperanças colectivas como o depósito das nossas ambições familiares.
Há sempre duas escolas. E se temos tanta dificuldade em falar delas no debate público é porque, quando alguém fala de uma, respondemos sempre a falar da outra: a quem se refere à escola da sua saudade, responde aquele que sublinha a novidade radical da situação actual; ao pai que afirma que a escola não pode ignorá-lo, responde o professor que teme a usurpação das suas prerrogativas; ao defensor da cultura humanista desinteressada, responde o contribuinte que exige uma boa gestão dos fundos públicos e o "controlo dos resultados". Não há escola sem o seu espelho: simultaneamente o mesmo e o seu oposto; de frente e de costas; da direita para a esquerda; da esquerda para a direita... Sem limites no espelho, a escola forja o seu reflexo, o seu duplo.
É preciso, portanto, sair deste efeito de "mise en abyme"[*] - patético ou irrisório, depende - para reinscrever a escola no nosso "mundo comum". Um empreendimento árduo, sem dúvida, tal a dificuldade em escapar de oposições caricaturais. Mas empreendimento de salvação pública, humilde e persistente.
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[*] Mise en abyme é um termo francês que costuma ser traduzido como "narrativa em abismo", usado pela primeira vez por André Gide ao falar sobre as narrativas que contêm outras narrativas dentro de si. É uma técnica que consiste em inserir uma obra dentro de si mesma, criando um efeito de reflexão infinita. Essa técnica é frequentemente utilizada na literatura, nas artes visuais e no cinema para explorar a noção de representação e autoreferência.