terça-feira, 15 de outubro de 2024

Da investigação em pedagogia

PDF DISPONÍVEL >>>

Não consigo conceber a actividade universitária como uma justaposição entre duas funções — o ensino e a in­vestigação — que, infelizmente, são reconhecidas e valo­rizadas de forma muito desigual. Para mim, não existe ape­nas um simples hífen entre as duas palavras, professor e investigador, mas uma relação consubstancial que torna cada uma das duas actividades inconcebível sem a outra. É o próprio sentido da palavra «universidade», em refe­rência a um possível — mas obviamente nunca realizado — projecto «universal» de partilha de conhecimentos en­tre os seres humanos. A investigação universitária deve es­tar imbuída da vontade de transmitir o saber, de fazer do conhecimento um meio de ligação entre as pessoas, de construir pontes entre as culturas, de dar ao maior nú­mero possível de pessoas os instrumentos necessários para compreender o mundo e de contribuir para o escla­recimento do debate público...

Não compreendo certos colegas que dizem perder tempo com os estudantes e que prefeririam dedicar-se à «inves­tigação pura». Compreendo-o tanto menos, quanto acho que o valor da investigação é testado pela capacidade de transmitir a sua abordagem e os seus resultados. O ensino desempenha, assim, um papel fundamental para o inves­tigador: é um instrumento precioso de formalização e um meio de sair do egocentrismo. O projecto de ensino abre a investigação à universalidade possível do conhecimento, tal como a exploração da investigação liberta o ensino do dogmatismo repetitivo.

Estou, evidentemente, consciente da desconfiança que ro­deia o meu trabalho de investigação na universidade. Nas ciências humanas, continuamos a depender de uma con­cepção positivista e experimental da investigação: a expo­sição de metodologias, essencialmente quantitativas, con­tinua a ser, muitas vezes, o único critério de cientificidade reconhecido. Como se a finalidade da investigação não fosse, muito simplesmente, produzir modelos — que de­vem, evidentemente, ser bem fundamentados e discuti­dos — que nos permitam compreender o mundo e agir dentro dele. Com as concepções que hoje dominam a «in­vestigação», creio que as maiores e mais reconhecidas fi­guras históricas, aquelas que fizeram progressos decisivos na educação, não teriam encontrado lugar na universi­dade: nem Jean-Jacques Rousseau, nem Jean-Gaspard Itard, nem Célestin Freinet, nem mesmo, noutros domí­nios, Sigmund Freud ou Denis Papin!

Pela minha parte, acredito na possibilidade de uma inves­tigação que combine observação e invenção, documenta­ção meticulosa e construção de propostas coerentes, re­ferência ao passado e o trabalho em associação com os professores. Não creio que o investigador deva estar numa posição de superioridade em relação aos profissionais, ao ponto de pretender dizer a verdade por eles. Os investiga­dores — pelo menos em pedagogia — devem submeter o seu trabalho ao teste da transmissão e oferecê-lo à inteli­gência colectiva. É por isso que não tenho qualquer vergo­nha de me ter comprometido no domínio da divulgação: desde que não renuncies à substância, ganhas sempre em expor-te. E eu prefiro expor-me ao julgamento do maior número possível de pessoas do que impor as minhas pre­tensões metodológicas e a opacidade do que tenho a dizer a um número restrito de pessoas, que se sentem lisonjea­das por fazerem parte do cenáculo... É obviamente mais arriscado, como é, por definição, o projecto de ensinar. Qualquer professor te dirá: ensinar nunca é um dado ad­quirido. É também por isso que me vejo neste trabalho e que gosto tanto de o fazer.

Por isso ainda dou aulas todas as semanas. É uma activi­dade que me é indispensável.

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Pedagogia e Emancipação

Disponível também em PDF >>>

Comecemos por um dos principais pensadores da edu­cação emancipadora, Paulo Freire. Trabalhador social brasileiro, Freire começou por reflectir sobre a educação antes de se doutorar em filosofia, em 1959, sobre a re­lação entre educação e liberdade. Em seguida, volta-se para a educação popular, concentrando-se na alfabeti­zação dos camponeses. Em 1964, o governo brasileiro confiou-lhe a responsabilidade por um programa nacio­nal de educação. Essa experiência foi interrompida pela ditadura militar, que o levou ao exílio durante quinze anos. Foi neste período que produziu a maior parte das suas reflexões pedagógicas, que viriam a ter um enorme impacto, especialmente durante os anos de transição democrática no Brasil, onde se tornou praticamente o pedagogo oficial [1]. Embora tenha trabalhado apenas no contexto da educação popular, é, no entanto, um dos autores mais representativos das "pedagogias críticas", ou seja, aquelas que promovem a transformação social e estão ligadas à luta contra a opressão [2].

Para Freire, qualquer trabalho sobre a opressão começa com a busca dos seus fundamentos e de como ela funci­ona como sistema. Descreve isto como "consciencializa­ção", que não se limita à tomada de consciência da sua condição de oprimido (para isso, ninguém precisa de qualquer tipo de pedagogia), mas na qual os mecanis­mos de opressão são explicitados. Neste sentido, esta nova consciência dirige-se tanto aos dominantes como aos dominados. Mas, ao contrário da versão neoliberal da emancipação, este trabalho não tem como objectivo permitir que os oprimidos se tornem dominantes. Pelo contrário, o objectivo da tomada de consciência é abolir todas as formas de dominação — a única condição para uma verdadeira emancipação social. É por isso que as pedagogias críticas influenciadas pelo modelo de Freire são feministas, anti-racistas e anti-capitalistas. São peda­gogias libertadoras. Neste sentido, ajuda a libertar-se de todas as formas de dominação social.

Como nos lembra o prefácio de Irène Pereira, o "mé­todo" de Freire para alfabetizar os camponeses é muitas vezes confundido com a sua pedagogia, que vai muito mais longe: é uma forma de pensar a emancipação atra­vés da educação. Ao colocar a relação entre o professor e o aluno — que ele descreve como "diálogo" — no cen­tro da sua pedagogia, Freire opõe-se à pedagogia ban­cária. Vista como o produto de uma situação dialógica, a aprendizagem, para Freire, implica igualdade na relação ensinante-ensinado, não tanto igualdade de conheci­mentos mas igualdade de posições, no sentido em que cada um está envolvido numa relação cujo resultado, em termos de transmissão de conhecimentos, depende da qualidade do diálogo.

Neste sentido, Freire distingue-se de uma das obras fétiche dos pedagogos de vanguarda, Le Maître ignorant de Jac­ques Rancière. Para este filósofo, existe uma equi­valên­cia estrita de conhecimentos entre quem ensina e quem aprende. Rancière baseia a sua concepção da educação nas teorias de Joseph Jacotot, um professor do século XIX, que conseguiu ensinar francês a alunos cuja língua não compreendia, guiando-os simplesmente através de uma edição bilingue. Desta experiência, Jaco­tot derivou para um "método de ensino universal" base­ado na ideia de que o aluno pode passar sem o profes­sor. A partir deste sistema, Rancière deduziu que existe uma equivalência estrita entre o aluno e o professor: se este último aceitar abolir o domínio que lhe é conferido pela sua "autori­dade", o seu magistério, facilitará a aprendizagem; pelo contrário, qualquer explicação é uma tentativa de domi­nar. A horizontalidade pedagó­gica, a ausência de distin­ção entre os que sabem e os que não sabem, é uma con­dição prévia para a aprendi­zagem e a emancipação. Neste modelo, o único papel do professor é o de consci­encializar os alunos de que são capazes de aprender sem ele. Ensinar não é transmitir conhecimentos, mas utilizar a própria inteligência do professor para esclarecer o aluno. Enquanto a pedago­gia tradicional revela a inca­pacidade dos alunos de pas­sar sem o professor, a peda­gogia antiautoritária promo­vida por Rancière "põe em prática a capacidade que o aluno já possui" [3]. Em suma, o professor que pretende compensar a ignorância dos seus alunos legitima o ciclo perpétuo de desigualdade que justifica a sua condição de existência como profes­sor.

Para uma boa parte da esquerda radical, Le Maître igno­rant é a bíblia da pedagogia emancipatória. Sensibiliza para a re­lação de dominação inerente a qualquer rela­ção educa­tiva e recorda-nos, com razão, a igualdade da inteligên­cia e que "todos e todas são capazes de..."[4]. No entanto, apesar de Jacotot ter testado o seu "método de ensino univer­sal", ele foi es­sencialmente experimen­tado num contexto universitá­rio ultra-elitista e burguês, e foi desde o início objecto de críticas e controvérsias [5]. A sua eficácia, ou mesmo a sua transposição para um contexto de ensino de massas, da escola primária ao li­ceu, não é plausível, tendo em conta o que sabemos so­bre as teorias da aprendizagem e o seu carácter social­mente diferenciado. Menos eté­rea e mais contemporâ­nea, a pedagogia de Freire, um profissional que traba­lhava com as classes populares, parece mais transponí­vel para a resolução das relações de dominação num contexto pedagógico, precisamente porque insiste na "praxis" (acção-reflexão). Além disso, a abordagem de Freire parece permitir ultrapassar o anta­gonismo entre Bourdieu e Rancière [6].

Se compreendemos as críticas muitas vezes feitas a Bourdieu quanto ao peso do determinismo e do fata­lismo que decorre das suas análises, não podemos acusá-lo de se ter limitado a descrever os mecanismos de dominação sem procurar remediá-los. A sua "peda­gogia racional" deve ser acrescentada à lista das propos­tas emancipatórias [7]. Entre elas, a preocupação de re­du­zir a distância entre o professor e os alunos, mas tam­bém entre os alunos: em primeiro lugar, a distância so­cial, uma vez que se pede ao professor que elimine as noções implícitas inerentes à cultura escolar”; e, em se­gundo lugar, a distância inte­lectual, uma vez que se trata de colmatar as lacunas de conhecimento entre os dois parceiros da relação educa­tiva. O GRDS (Groupe de Re­cherche sur la Démocratisation Scolaire) e sociólogos da educação, como Stéphane Bonnéry e Sandrine Garcia, trabalham estas propostas em termos de "pedagogia da explicitação"[8], que deve também ser associada aos tra­balhos sobre o "currículo oculto" iniciados por sociólo­gos como Basil Bernstein [9]. Para estes autores pioneiros sobre a relação entre as práticas linguísticas nos meios populares e a reprodução das desigualdades na escola, os métodos de ensino ex­plícitos deveriam ser promovi­dos em oposição aos que eles descreviam como "invisí­veis".

À sua maneira, Freinet conciliava todas estas posições quando escrevia, em maio de 1933, no seu editorial para L'Éducateur prolétarien: "Não formamos a criança: for­necemos-lhe o máximo de elementos, o máximo de ins­trumentos, o máximo de possibilidades para que, par­tindo do que ela é, no seu meio, possa atingir a realiza­ção individual e social de que é capaz. [...] O dever dos educadores não é agradar aos poderosos do momento; a nossa tarefa é outra – temo-lo afirmado sempre: é for­mar cidadãos conscientes. Pois bem! Levamos simples­mente o nosso papel a sério!” Não é necessário multi­plicar os exemplos até ao infinito para perceber até que ponto todas estas ideias emancipatórias merecem ser trabalhadas, experimenta­das e integradas na formação de professores. Porque to­das elas têm um potencial emancipador, desde que se dirijam às crianças que mais precisam delas, e desde que se concentrem em quebrar todas as formas de domina­ção, o que é uma condição prévia para a construção de uma verdadeira igualdade e de uma escola comum. Em vez disso, estas pedagogias permanecem confinadas ao interior da investigação uni­versitária e ao mundo mili­tante, sob o olhar benevolente dos destruidores de es­colas públicas que ocupam os mi­nistérios do governo Macron. É, pois, urgente trabalhar no sentido de as po­pularizar e fazer com que sejam apropriadas por outras correias de transmissão — en­quanto esperamos por me­lhores dias.


___________________________________

[1] Ler o prefácio d’Irène Pereira à Paulo Freire, La Péda­gogie des opprimés, Agone, 2021.

[2] Ler Laurence De Cock et Irène Pereira (dir.), Les Péda­gogies critiques, op. cit. 

[3] Jacques Rancière, “Sur le maître ignorant “, Mul­ti­tu­des.net.

[4] Infelizmente, o slogan “Todos podem” também foi cooptado por neoliberais e neurobeatos. Stanislas Dehaene, autor em 2007 da popular obra Les Neurones de la lecture é a figura de proa desta neurobeatitude. (...): "A longo prazo, o seu sonho seria unificar as ciências sob a bandeira de um cognitivismo capaz de produzir nada mais nada menos do que uma teoria global do cérebro, mas também dos diferentes aspectos da actividade humana – direito, economia, política, etc. – com base na hipótese de que as leis que actuam nos processos cerebrais se encontrariam, em particular, nas realizações sociais". Não poderia haver expressão mais clara da vontade de contornar o factor social na luta contra as desigualdades educativas. Sob a capa da filantropia, o grande capital, ajudado por políticos e cientistas sem escrúpulos, tenta influenciar reformas educativas baseadas no ideal empresarial. Esta visão individualista, dificilmente compatível com a escola pública, enfrenta uma grande oposição, pelo menos por parte dos professores [Laurence de Cock, À l’école du scientisme et de la neurobéatitude – um dos capítulos do livro que que faz parte este texto: École publique et émancipation sociale].4. Eva Codognet et Guillaume Tremblay, «Joseph Jaco­tot, pédagogue radical, 1770-1840», Democra­tisa­tion-scolaire.fr, 3 février 2020. 4. Eva Codognet et Guillaume Tremblay, «Joseph Jaco­tot, pédagogue radical, 1770-1840», Democra­tisa­tion-scolaire.fr, 3 février 2020. 

[5] Eva Codognet et Guillaume Tremblay, «Joseph Jaco­tot, pédagogue radical, 1770-1840», Democra­tisa­tion-scolaire.fr, 3 février 2020

[6] Charlotte Nordmann, Bourdieu/Rancière. La poli­tique entre sociologie et philosophie, Amsterdam, 2006. 7 Pierre Bourdieu et Jean-Claude Passeron, Les Hé­ri­tiers…, op. cit., p. 114. 

[8] Stéphane Bonnéry (dir.), Supports pédagogiques et in­égalités scolaires, La Dispute, 2015 ; Sandrine Garcia et Anne-Claudine Oller, Réapprendre à lire. De la querelle des méthodes à l’action pédagogique, Seuil, 2015. 

[9] Basil Bernstein, Langage et classes sociales. Codes so­cio-linguistiques et contrôle social, Minuit, 1975.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Carta a Emílio [de Rousseau]


Há mais de dois séculos que nascestes da imaginação de Jean-Jacques Rousseau. Rapidamente te tornaste uma referência e, sem dúvida, continuas a sê-lo hoje para aqueles que, como nós, acreditam que a educa­ção é a grande obra dos homens. És uma referência e, no entanto, muito poucos se dão ao trabalho de ler a tua história. Citam-te, ignoram-te ou, na maior parte das vezes, agarram-se desesperadamente a al­gumas recordações escolares, como a gravura de um famoso livro de literatura, que te mostra a admi­rar uma paisagem alpina, na companhia de um jo­vem clérigo da Saboia. Para dizer a verdade, és agora pouco mais do que um nome, uma referência e uma reverência obrigatórias para os estudantes de letras ou de filosofia. E, quando tentamos traçar os contor­nos da tua imagem, parece que, na maior parte das vezes, dás a mão a um preceptor deseperadamente sério, um argumentador incansável, que aproveita o mais pequeno acontecimento para te dar uma lição, que nunca te concede um momento de lazer ou de desatenção que ele não tenha expressamente pre­visto.

Quanto ao resto, nada de extraordinário... um cate­cismo ideológico bem conhecido: as crianças são boas, devem ser deixadas a desenvolver-se longe de influências sociais perversas, imersas na natureza au­têntica e com todas as oportunidades para estimular a sua inteligência. A ciência não se aprende na sala de aula, inventa-se em situações concretas que lhe dão sentido; o conhecimento não se transmite, im­põe-se como uma necessidade para explicar o que vemos, compreender o que sentimos e dominar o que nos dizem.

Claro que sabes tudo isto perfeitamente e o que di­zemos aqui deve parecer-te trivial. O que real-mente te perguntas é por que razão te interrogamos sobre a escola e os debates que a abalaram no final do sé­culo XX. É que há uma multidão inumerável de alu­nos, do jardim de infância ao ensino secundário, que poderíamos ter abordado sobre os efeitos da escola, na sua personalidade, no seu destino social, na sua visão da existência e da humanidade... Todos teriam sussurrado as suas esperanças de ver o mundo da es­cola tornar-se uma es­cola do mundo; ter-nos-iam confidenciado o seu desejo de um pro­fessor ideal que os ou­visse, os compreen­desse e os arrebatasse com o seu entusiasmo; teriam também confes­sado a dificuldade de se emanciparem do pro­fessor admirado, de passarem sem ele, de o traírem para lhe serem fiéis. A submissão, a dependência, o sofrimento, a renún­cia, o esforço, a vontade, o desejo, o interesse, a ale­gria, o tédio, a cólera, tudo isso teria, sem dúvida, vindo à tona com a complexidade da aprendizagem.

E, no entanto, não é a eles, que tinham tanto a dizer sobre a escola, que nos dirigimos, mas a ti, que nunca lá estiveste.... É que, olha só, tu és a figura emblemá­tica da mais célebre das utopias educativas. E, numa altura em que a pedagogia é vista por alguns como o último perigo, uma ameaça para a cultura e até para a unidade da nação, sentimos que eras o mais indi­cado para nos ajudar a pensar. Há quase duzentos e cinquenta anos que andas a reflectir sobre isto, e é óbvio que tiveste muito tempo para pesar os prós e os contras.

É por isso que nos dirigimos a ti e não a Jean-Jacques. Jean-Jacques, nós conhecemos; temos todos os co­mentadores de que precisamos; todos os anos nos trazem a sua quota-parte de exegeses, cada um mais erudito do que o anterior. Mas tu és a voz muda neste caso. E nós, que falamos muito, estamos mais interessados nos mudos. É contigo que gostaríamos de perceber uma série de coisas. Porque todos os grandes princípios que hoje estão a ser contestados foram experimentados por ti ao longo dos anos. Sen­tes a pressão todos os dias, e até as mais pe­quenas consequências na tua cabeça e no teu corpo. Consi­deraste todas as objecções. Porque ninguém, mais do que tu, foi mergulhado numa situação edu­cativa simultaneamente radical e coerente.

É por isso que gostaríamos que nos ajudasses a en­contrar o caminho, através do emaranhado de dis­cursos sobre a educação, no final do século XX. Gos­taríamos que nos ajudasses a colocar as coisas em perspectiva, a seguir os truques totalitários e mistifi­cadores dos pedagogos, mas também a salvar o que, nas suas propostas, permanece «incontornável», como se diz nas gazetas de hoje. Gostaríamos de ser impiedosos com todas as tentações simplificadoras e demagógicas, não tanto em nome de um rigor inte­lectual que cada um julga possuir sozinho, mas por­que te amamos e aos teus semelhantes o suficiente para não corrermos o risco de te prejudicar. Sejamos claros: o nosso plano não é poupar-te a todos os pro­blemas e sofrimentos, var­rer o chão diante de ti como faziam os reis e os pa­pas, mas queremos que nos ajudes a distinguir o que te engrandece do que te diminui, o que te torna um ser capaz de humani­dade do que te condena à de­pendência ou à violên­cia. Como podes ver, esta é uma tarefa difícil. Mas tu vais ajudar-nos.

Quando os políticos e aqueles que os comentam, pais e avós, fabricantes de livros didácticos e fazedo­res de histórias, ligas de verdadeiros estudiosos e so­ciedades que se acreditam estudiosas, pensadores da Sobornne e da televisão… quando todos, na reali­dade dizem tudo e qualquer coisa sobre a Escola e a pedagogia, pode ser útil invocar aquele que, aos nos­sos olhos, conhece melhor o problema. Quando fa­la­mos de educação, esquecendo que falamos de pe­dras vivas, realmente precisamos de alguém que co­nheça as coisas por dentro, alguém que se tenha dado a separar o essencial do acessório, alguém que nos ajude a alinhar o pêndulo com as horas.

Emílio, volta depressa, eles enlouqueceram… sem ti é provável que nos arrisquemos a ficar loucos tam­bém