A escola inclusiva passa por aqui
Contrariamente ao que se diz por aí, retenção e reprovação não são sinónimos, e deveriam convocar práticas diferentes. O que se passou na passagem da reprovação à retenção, nos inícios dos anos 90 do século passado, foi que não se passou coisa alguma. Não transformámos uma coisa noutra coisa. Demos outro nome à coisa que já tínhamos. Continuamos a conjugar o verbo reprovar, só que agora de uma forma envergonhada: reprovar sim, mas apoiado num plano de recuperação! E continuamos a responder aos problemas que a escola de massas nos coloca, aplicando a mesma fórmula, só que de uma forma disfarçada.
Quando retemos convidamos a parar, convidamos à pausa, quando algo se passa que nos impede de prosseguir — um convite que não traz consigo qualquer juízo de valor. Então paramos para identificar o que nos impede de continuar a viagem. Não reprovamos. Não fazemos tábua rasa do caminho percorrido: damos conta do lugar onde o aluno se encontra e do que é possível fazer para recomeçar a viagem. Porque podemos estar perante um obstáculo que precisa ser removido ou que apenas nos pede (e este apenas não é coisa pouca) que pensemos num caminho alternativo.
Na passagem da reprovação à retenção, o que deveria passar a ser um acto pedagógico, mantém-se acto administrativo, inscrito num calendário, processo burocrático iniciado lá pela páscoa, e que faz dos planos de recuperação uma farsa! — organizam-se planos a que eufemisticamente se chamam de recuperação. E sossegam-se as consciências.
Não transformamos coisa nenhuma, portanto. Mudamos apenas o suficiente para que tudo fique na mesma, que o mesmo é dizer: pior, já que tudo não passa de um engano! Faz-se plano de recuperação agora, porque sem este não é possível reprovar mais adiante. Alguém me diga, se for capaz, quantos planos de recuperação, desenhados pela páscoa, resultaram em sucesso no fim do ano? Talvez aqueles que o professor faz à cautela, não vá ser apanhado na curva mais adiante, sem travões (reprovação) para travar.
Um plano de recuperação ou acontece logo aos primeiros sintomas de que algo não está bem, ou é coisa que dá em nada. Não se espera pela páscoa para tomar medidas, que nos são pedidas em Dezembro, quando não logo no início do ano. Mas para isso seriam necessárias estruturas de apoio que funcionassem. Alguém acredita que um professor, sozinho, sem apoio, consegue pela páscoa a resposta, que não conseguiu, também sozinho, quando deu conta da dificuldade?
Quero com isto dizer que a passagem da reprovação à retenção não faz sentido? Claro de não. Só que esta passagem exige uma nova prática, uma outra organização do trabalho na sala de aula, sustentado por verdadeiras estruturas de apoio. Nem é preciso inventá-las; basta dotar as que temos com os recursos que lhes faltam e pô-las a funcionar.
Daniel Lousada
Sem comentários:
Enviar um comentário