quinta-feira, 10 de julho de 2025

Proibição do telemóvel no 1º Ciclo: uma medida escusada e de propaganda pura

Quando soube da intenção do Ministério da Educação de proibir a entrada do telemóvel nas escolas do 1º Ciclo, liguei a professores que conheço, para saber quais os problemas que o seu uso levanta nas suas escolas. As respostas vieram apenas confirmar o que eu já intuía: todas eles responderam que as crianças não levam telemóvel para a escola! Levam apenas o Kit digital, quando lhes é pedido que levem. 

Sou claramente contra a proibição da entrada do telemóvel no 1º Ciclo, o que não quer dizer que seja a favor do seu uso na escola! Confuso? Eu explico. 

Quando falamos de crianças do 1º Ciclo, é de crianças com idades compreendidas entre os 5/7 e os 9/10 anos que falamos. Serão pouquíssimas as crianças deste nível de escolaridade que têm telemóvel ou, tendo, o levam para a escola. E as que levam, é porque os seus pais se sentem confortáveis com isso. Então, nesta situação, cabe ao (a) professor(a) explicar que, tal como no cinema ou no teatro, ela está num espaço onde não cabe o uso do telemóvel. E então tem a oportunidade de explicar a função importantíssima da tecla on/of (que, provavelmente, os seus pais e a maioria dos adultos não conhece) e ensinar a usá-la.

Do lugar onde me encontro (de alguém que deixou a profissão de professor vai para vinte anos), olho para esta interdição e o que vejo é a cena muito comum, em alguns espaços comerciais frequentados por crianças irrequietas, em que os pais, incapazes de exercer a sua autoridade, ordenam aos seus rebentos: «está quieto que o senhor ralha».

Finalmente os professores podem dizer aos seus alunos: não mexam nisso que o senhor ministro ralha.

Continuamos a viver contaminados pelo «síndrome da calculadora». Lembram-se? Jovens universitários, emboscados pelas televisões à porta da universidade, mostram não saber a tabuada, e é aos miúdos do 1º ciclo que querem proibir o uso da calculadora. Tivessem feito aquelas «emboscadas» à porta das escolas do 1º ciclo e teriam verificado que os miúdos sabiam muito bem a tabuada. Algo se perde no percurso do 1º ciclo à universidade, mas nunca é isso que é chamado ao debate.

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segunda-feira, 7 de julho de 2025

As falhas vocabulares de hoje e o (elogio do) ebook

Recebi de um amigo uma colecção de palavras, agrupadas sob o título Aquilinadas
 que ignoro, retiradas do romance Lápides Partidas, de Aquilino Ribeiro. Por momentos, vejo-me recuar ao tempo do liceu, a sublinhar palavras desconhecidas nos textos do manual escolar, para depois procurá-las no dicionário: um trabalho de casa, ao tempo, muito comum.

Diz-se dos jovens de hoje, que têm falta de vocabulário. Mesmo a propósito, por coincidência ou não, leio Mario Quintana dizer, em Tristes histórias, que «há palavras que ninguém emprega. Apenas se encontram no dicionário como velhas caducas num asilo. Às vezes uma que outra se escapa e vem luzir-se desdentadamente, em público, nalguma oração de paraninfo. Pobres velhinhas… Pobre velhinho!»

Reparo na expressão oração de paraninfo. Desconhecendo o significado da palavra paraninfo atribuo à expressão o mesmo sentido da expressão oração de sapiência — tentativa de chegar ao sentido da palavra pelo contexto, e prática muito comum do leitor que foi treinado a não deixar que uma palavra desconhecida impeça o acesso ao sentido da expressão. Errei o alvo, ainda que tenha andado lá perto: A oração de sapiência é um discurso que inaugura o ano lectivo, enquanto que a oração de paraninfo pode ser um discurso proferido numa cerimónia de formatura.

A edição do livro de Mario Quintana é em formato digital, pelo que bastou-me seleccionar a palavra paraninfo, para ter acesso automático ao seu significado, disponibilizado pelo leitor digital, e a um pequeno texto sobre a expressão oração de paraninfo, gerado por um assistente I.A.. Fosse o livro em papel e eu teria, certamente, seguido em frente: afinal o desconhecimento da palavra não me impedia de aceder ao sentido do texto. Teria, talvez  — se a curiosidade a isso me levasse — sublinhado ou anotado a palavra, numa outra «aquilinada», para procurá-la quando estivesse perto de um dicionário.

«Caderno de significados» como metáfora dos 
instrumentos pedagógicos que fomos desvalorizando
Alguém da geração dos cadernos de significados, do tempo em que a palavra facilitismo não tinha sido inventada, faça o exercício de imaginar, nesse tempo, um manual escolar com todos os significados à distância de um clic. Mantinha, certamente, a utilidade do caderno de significados, mas não obrigaria, o uso do dicionário, apenas pelo prazer de fazer da compreensão uma tarefa difícil e do prazer do texto algo distante— a palavra facilitismo entrou na ordem do dia. E entrou com tanta força que até o simples movimento de procurar fazer fácil a compreensão de um texto é logo apelidada de facilitista.

Acho que grande parte do problema veio daqui: de se ter associado o digital ao que é fácil, À ideia de que o digital entrou na escola para agradar aos jovens. Uma ideia que o movimento que se convencionou de transição digital, que a escola acolheu (acriticamente), só agravou — se é para transitar, vamos a isso: transite-se. Não, não se transita. Acolhe-se, quando acrescenta qualidade ao que vínhamos fazendo até então, quer no processo de produção, quer no produto.

Pegando no exemplo do caderno de significados como metáfora dos instrumentos pedagógicos que se foram perdendo (porque desvalorizados), atrevo-me a dizer que o problema, hoje, está naqueles que elegem o digital como concorrente do papel. Ora, o digital não é concorrente do papel e o «caderno de significados» só perde a sua importância se o professor deixar.* O papel continua a fazer parte indispensável do movimento da leitura à escrita (abro aqui um parêntesis para recordar que a leitura não é fim, é meio: o fim é a escrita e, quando lemos, a escrita precisa estar no horizonte — ler como um escritor, defende Francine Prose**). Se antes se copiava do livro ou se escrevia a partir das leituras que éramos levados a fazer, nada impede, hoje, que se faça o mesmo movimento a partir de um ebook. Há todo o mundo da escrita para descobrir, no qual o analógico é indispensável.

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Bastou a Sué­cia travar às quatro rodas, na digitalização dos ma­nuais escola­res para que, entre nós, se levantasse um coro de vozes a reivindicar idêntica decisão. Como se, o livro em papel, só consiga entrar na sala de aula através do ma­nual escolar... Esquece-se que, o que se passou na Suécia, foi o resultado de uma soma de excesso, que valeria a pena analisar, não vá começarmos nós, agora, a soma de outros excessos mas de sentido contrário.

** Francine Prose, Ler como um escritor, Lisboa, Casa das letras, 2007

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sábado, 5 de julho de 2025

Da (in)disciplina — Princípio da compreensão.

Pedro D’Orey da Cunha
«Um excelente decálogo — aqui apenas o princípio nº 5 — de Pedro da Cunha — que foi Secretário de Estado da Reforma Educativa, no tempo de Roberto Carneiro, (1989), que deveria ser lido com proveito por todos os professores, diretores and so on...» (José Matias Alves, na sua página do Facebook).

5. O princípio da Compreensão

Diante de um conflito, um problema disciplinar, uma perturbação, é essencial que o professor se pergunte a si mesmo, antes de mais, de quem é o problema, ou melhor, quem sofre com o problema. A estratégia adoptada depende inteiramente da resposta dada. Assim, se quem está a sofrer é a criança, esta precisa de compreensão, não de ralhete. Mas se quem sofre é o professor, ou outros alunos, então a criança não precisa de compreensão, necessita de confrontação.

Vejamos a diferença. O João trabalha animado na sua carteira durante a aula de Matemática. De repente, frustrado e raivoso, fecha o livro com barulho, põe os braços na carteira e esconde a cabeça entre os braços. A professora tem duas alternativas: ou vai ter com ele e ralha «porque distraiu os outros», ou põe-lhe a mão no ombro e diz-lhe baixinho – «este problema é difícil não é?» .Creio que não hesitaríamos em escolher a segunda alternativa. É óbvio que quem está a sofrer é o aluno, que ele simplesmente exprimiu a sua frustração, e que o que é necessário é a compreensão do professor. 

Podia afirmar sem hesitação que mais de metade dos problemas disciplinares são deste tipo. O que os alunos necessitam, não é da descompostura, nem do conselho, nem que o professor se lhes substitua. O que os alunos necessitam é da escuta do educador. Sentindo-se compreendidos e aceites, os alunos abrem-se então, enchem-se de coragem e retomam o caminho. Mas repare-se bem: compreensão não significa substituição nem desistência. O professor não se substitui o aluno, não o dirige, não lhe diz que desista, aceita-o na sua dificuldade; e é esta aceitação que dá ânimo ao aluno para autonomamente prosseguir o trabalho.
Este princípio é baseado nas teorias do psicólogo Carl Rogers, que mostrou bem o efeito terapêutico da compreensão e da escuta activa, lhe definiu bem as características e estudou os seus efeitos e aplicações. Apropriadamente, caracterizou a sua terapia como não directiva, e o seu efeito principal como promotor da autonomia do sujeito.

Infelizmente, muitos educadores aplicaram a teoria indiscriminadamente a todos os problemas, não verificando que Carl Rogers, como psicoterapeuta, tinha somente em vista os seus clientes, os quais por definição se dirigiam a ele porque sofriam ou estavam ansiosos. Nos casos em que o aluno não sofre, mas até goza com fazer sofrer os outros, quando ofende o professor, quando segue alegremente os seus impulsos, então não precisa de compreensão, precisa de confrontação, decidida, exigente, com autoridade.

terça-feira, 3 de junho de 2025

Preâmbulo sobre a formação do Professor

Julgo que os professores portugueses não pressentem, em regra, a importância do que supera e condiciona a didática. Ficam-se na preocupação do como devem ensinar. Não meditam bastante no em que consiste essencialmente o trabalho educativo — influxo duma personalidade sobre outras personalidades em formação. Não começam, por isso, por se educar a si mesmos — e não prolongam essa auto-educação pela vida inteira.

Não tratam de tentar criar uma cultura viva, na medida em que seria necessário fazê-lo. Aprendem a ensinar, e dizem que isso lhes basta. Ora assim não chegam a ser bons professores (porque não vivem e não transmitem as ideias como coisa sua, perfeitamente assimilada e recriada), quanto mais educadores! O verdadeiro educador procura, antes de mais nada, o enriquecimento e o aperfeiçoamento da sua alma ao contacto com a vida, mas de forma que a experiência das coisas não lhe tire a pureza da visão e a jovialidade espiritual.  CONTINUAR A LER >>>