«Mesmo que mais ninguém leia, vale mesmo a pena escrever, porque faz com que nos tornemos leitores de nós próprios» — leio em “Como escrever”, de Miguel Esteves Cardoso [*]. Uma prática que cultivo, porque me incutiram a escrita como forma de pensar. «Porque escrever é a única maneira de saber (ver) o que está dentro da cabeça» — leio também em M. E. Cardoso. Eis uma bela ideia... LER MAIS>>>
terça-feira, 22 de julho de 2025
segunda-feira, 21 de julho de 2025
«Como escrever» — um livro que todo o professor deveria ler
Isto, que poderia ser o grande defeito deste livro, é, afinal, a sua grande virtude. Não quer ser «científico», com listagens das regras com que se fazem escritores. Fala apenas de como escrever.
Ninguém ensina a ser escritor. Escolas de escritores é coisa que não existe. O que existe são escolas que ensinam a escrever (e será que, quem aprende, escreve?). Ser escritor depende das circunstâncias que rodeiam quem escreve. Mas nada disto é novidade — isto, sim, é lugar comum, mesmo. Mas nem por isso menos válido.
«Para começar a escrever, tem de desfazer o trabalho repressivo que fizeram sobre si», diz M. E. Cardoso. Um trabalho repressivo que começa na escola! Só assim se compreende — diz-se —, que depois de 12 anos de escola, haja tão pouca gente que escreve. Se outros motivos não houvesse para um professor ler este livro, este já seria motivo suficiente.
Daniel Lousada
quinta-feira, 10 de julho de 2025
Proibição do telemóvel no 1º Ciclo: uma medida escusada e de propaganda pura
Sou claramente contra a proibição da entrada do telemóvel no 1º Ciclo, o que não quer dizer que seja a favor do seu uso na escola! Confuso? Eu explico.
Quando falamos de crianças do 1º Ciclo, é de crianças com idades compreendidas entre os 5/7 e os 9/10 anos que falamos. Serão pouquíssimas as crianças deste nível de escolaridade que têm telemóvel ou, tendo, o levam para a escola. E as que levam, é porque os seus pais se sentem confortáveis com isso. Então, nesta situação, cabe ao (a) professor(a) explicar que, tal como no cinema ou no teatro, ela está num espaço onde não cabe o uso do telemóvel. E então tem a oportunidade de explicar a função importantíssima da tecla on/of (que, provavelmente, os seus pais e a maioria dos adultos não conhece) e ensinar a usá-la.
Do lugar onde me encontro (de alguém que deixou a profissão de professor vai para vinte anos), olho para esta interdição e o que vejo é a cena muito comum, em alguns espaços comerciais frequentados por crianças irrequietas, em que os pais, incapazes de exercer a sua autoridade, ordenam aos seus rebentos: «está quieto que o senhor ralha».
Finalmente os professores podem dizer aos seus alunos: não mexam nisso que o senhor ministro ralha.
Continuamos a viver contaminados pelo «síndrome da calculadora». Lembram-se? Jovens universitários, emboscados pelas televisões à porta da universidade, mostram não saber a tabuada, e é aos miúdos do 1º ciclo que querem proibir o uso da calculadora. Tivessem feito aquelas «emboscadas» à porta das escolas do 1º ciclo e teriam verificado que os miúdos sabiam muito bem a tabuada. Algo se perde no percurso do 1º ciclo à universidade, mas nunca é isso que é chamado ao debate.
PARA VER MAIS SOBRE ESTE ASSUNTO, ACEDER AO SEPARADOR, O DIGITAL E A PEDAGOGIA >>>
segunda-feira, 7 de julho de 2025
As falhas vocabulares de hoje e o (elogio do) ebook
Diz-se dos jovens de hoje, que têm falta de vocabulário. Mesmo a propósito, por coincidência ou não, leio Mario Quintana dizer, em Tristes histórias, que «há palavras que ninguém emprega. Apenas se encontram no dicionário como velhas caducas num asilo. Às vezes uma que outra se escapa e vem luzir-se desdentadamente, em público, nalguma oração de paraninfo. Pobres velhinhas… Pobre velhinho!»
Reparo na expressão oração de paraninfo. Desconhecendo o significado da palavra paraninfo atribuo à expressão o mesmo sentido da expressão oração de sapiência — tentativa de chegar ao sentido da palavra pelo contexto, e prática muito comum do leitor que foi treinado a não deixar que uma palavra desconhecida impeça o acesso ao sentido da expressão. Errei o alvo, ainda que tenha andado lá perto: A oração de sapiência é um discurso que inaugura o ano lectivo, enquanto que a oração de paraninfo pode ser um discurso proferido numa cerimónia de formatura.
A edição do livro de Mario Quintana é em formato digital, pelo que bastou-me seleccionar a palavra paraninfo, para ter acesso automático ao seu significado, disponibilizado pelo leitor digital, e a um pequeno texto sobre a expressão oração de paraninfo, gerado por um assistente I.A.. Fosse o livro em papel e eu teria, certamente, seguido em frente: afinal o desconhecimento da palavra não me impedia de aceder ao sentido do texto. Teria, talvez — se a curiosidade a isso me levasse — sublinhado ou anotado a palavra, numa outra «aquilinada», para procurá-la quando estivesse perto de um dicionário.
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| «Caderno de significados» como metáfora dos instrumentos pedagógicos que fomos desvalorizando |
Acho que grande parte do problema veio daqui: de se ter associado o digital ao que é fácil, À ideia de que o digital entrou na escola para agradar aos jovens. Uma ideia que o movimento que se convencionou de transição digital, que a escola acolheu (acriticamente), só agravou — se é para transitar, vamos a isso: transite-se. Não, não se transita. Acolhe-se, quando acrescenta qualidade ao que vínhamos fazendo até então, quer no processo de produção, quer no produto.
Pegando no exemplo do caderno de significados como metáfora dos instrumentos pedagógicos que se foram perdendo (porque desvalorizados), atrevo-me a dizer que o problema, hoje, está naqueles que elegem o digital como concorrente do papel. Ora, o digital não é concorrente do papel e o «caderno de significados» só perde a sua importância se o professor deixar.* O papel continua a fazer parte indispensável do movimento da leitura à escrita (abro aqui um parêntesis para recordar que a leitura não é fim, é meio: o fim é a escrita e, quando lemos, a escrita precisa estar no horizonte — ler como um escritor, defende Francine Prose**). Se antes se copiava do livro ou se escrevia a partir das leituras que éramos levados a fazer, nada impede, hoje, que se faça o mesmo movimento a partir de um ebook. Há todo o mundo da escrita para descobrir, no qual o analógico é indispensável.
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* Bastou a Suécia travar às quatro rodas, na digitalização dos manuais escolares para que, entre nós, se levantasse um coro de vozes a reivindicar idêntica decisão. Como se, o livro em papel, só consiga entrar na sala de aula através do manual escolar... Esquece-se que, o que se passou na Suécia, foi o resultado de uma soma de excesso, que valeria a pena analisar, não vá começarmos nós, agora, a soma de outros excessos mas de sentido contrário.
** Francine Prose, Ler como um escritor, Lisboa, Casa das letras, 2007
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