quarta-feira, 22 de maio de 2024

ESCOLA: Sobre a ideologia das boas práticas

Philippe Meirieu

Existe o desejo de reforçar o poder dos professores, na condição de que o seu comportamento seja rigoro­samente controlado. Daí, também, a tentação de desenvolver, sis­tematica­mente, a sua função, neutralizando, ao máximo, a pessoa.

Ora, é exactamente isso que a ideologia das “boas práticas” promove, suge­rindo que, finalmente, temos as receitas milagrosas de uma profissão que os humanos vêm tacteando há séculos. É também isso que os adeptos da Edu­cação Baseada em Evidências procuram alcançar, hoje em dia, em todo o mundo: apoiados em investigações nas áreas da psicologia cognitiva e das neurociências, ao experimentar, em laboratório, diferentes métodos de en­sino, registando e comparando dados de avaliações de todo o tipo, afirmam ser capazes de desenvolver protocolos com vocação universal, e querem prescrever, a todos os professores do ensino básico, as ferramentas que es­tes devem usar para ensinar os seus alunos a ler e contar, mas também para fixar a sua atenção, memorizar ou organizar-se.

Poder-se-ia pensar que, estas tentativas de padronização pedagógica, dizem apenas respeito ao 1º. Ciclo, e aos “conhecimentos fundamentais”, que são percebidos – erradamente – como simples e mecânicos. Mas elas vão para além disso: o que estamos agora a ver, não será o desenvolvimento, em alta veloci­dade, de uma infinidade de projectos, para disponibilizar a todos, graças à tecnologia digital, entre outras ajudas, plataformas com vídeos para, supos­tamente, facilitar todo o conhecimento possível, à distância?

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domingo, 5 de maio de 2024

Falemos de educação e bem comum, de avaliação, exigência e excelência.

Na educação, tal­vez mais do que em qualquer outro lugar, a soma dos interesses individuais não produz o bem comum.

O modelo de competição (assente na conquista de interesses individuais, a qualquer preço) está de tal forma difundido entre nós, que é difícil imaginar que a excelência e a perfeição possam estar ao alcance de todos.

Reservamos o acesso à excelência àqueles e àquelas que foram sujeitos a uma selecção draconiana e se impuseram acima dos outros, ou até mesmo contra os outros.

Receio que pensemos ser exigentes porque somos selectivos. Abandonamos a exigência para que o processo de selecção funcione.

Temos de ajudar as crianças a competir consigo mesmas para se ultrapassarem, e não com os outros para esmagá-los.

Falta à escola uma visão educativa alargada. A escola é a única institui­ção por onde passam todas as crianças. Como tal, não creio que seja possível isentá-la da sua função educativa. Porque a própria instrução, por mais pura que seja, é sempre realizada num quadro que transmite valores. Os exercícios escolares não são neutros.

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sábado, 13 de abril de 2024

Se ele não sabe porque é que explicas?

A propósito da uma história de Manuela Castro Neves

Não é possível explicar a quem não quer saber de explicações. E só não quer saber de explicações, quem se sente a léguas do assunto da explicação.

Explicar é fazer com que o outro entenda o que temos a dizer. Mas para que isto aconteça precisamos saber o que ele sabe do que queremos que saiba. E só chegamos a esse saber pela conversa. Uma conversa só possível, tantas vezes, se tivermos a capacidade de ler os sinais que ele nos passa: a perplexidade que vemos no seu olhar e nos interroga,  que pode ser o início do diálogo que leva à explicação; ou aquele desafio que nos diz que não está nem aí e nos "convida" a seguir outro caminho, algo idêntico ao relatado em “Matemática, só matemática", uma das trinta e quatro pequeníssimas histórias que a Manuela nos conta no seu livro "Caderno A4", e que reproduzimos abaixo [as restantes só podem ser lidas no livro], num enredo que nos convida a reflectir sobre o caminho das explicações que damos: negociação ou confronto.

A Manuela diz que não dá explicações, mas explica! Explica no diálogo que o outro aceita ter com ela. Só não traz a explicação à cabeça. SEGUIR PARA A LEITURA DA HISTÓRIA >>>

Daniel Lousada

segunda-feira, 1 de abril de 2024

A ESCOLA

Philippe Meirieu
Este texto é a introdução de Philippe Meirieu ao livro "L'école e son miroir", que escreveu com Jean-Bertrand Pontalis, em jeito de conversa [Éditions Jacob-Duvernet, 2011 - trad. D.L.]

De que falamos quando falamos de escola? Estamos realmente certos do que sabemos? Não será este um assunto no qual estamos demasiado envolvidos para pretender ser [cientificamente] objectivos? Isto porque a escola é, ao mesmo tempo, o lugar para onde íamos quando éramos criança e para onde mandamos os nossos filhos. A escola é a imagem amarelecida que recordamos com saudade e a última reportagem da tv sobre violência escolar. É para nós e para os nossos filhos o lugar da alegria de aprender e da angústia de não saber. São os olhos que brilham quando recebem uma boa nota e aquela pressão no estômago no dia do exame. A escola é também uma máquina imensa - a maior empresa portuguesa - e o quotidiano frequentemente muito distante das generosas declarações de intenções dos políticos. A escola é o bem comum da república, o lugar onde se cruzam histórias singulares e imprevisíveis. É objecto tanto das nossas raivas e esperanças colectivas como o depósito das nossas ambições familiares.

Há sempre duas escolas. E se temos tanta dificuldade em falar delas no debate público é porque, quando alguém fala de uma, respondemos sempre a falar da outra: a quem se refere à escola da sua saudade, responde aquele que sublinha a novidade radical da situação actual; ao pai que afirma que a escola não pode ignorá-lo, responde o professor que teme a usurpação das suas prerrogativas; ao defensor da cultura humanista desinteressada, responde o contribuinte que exige uma boa gestão dos fundos públicos e o "controlo dos resultados". Não há escola sem o seu espelho: simultaneamente o mesmo e o seu oposto; de frente e de costas; da direita para a esquerda; da esquerda para a direita... Sem limites no espelho, a escola forja o seu reflexo, o seu duplo.

É preciso, portanto, sair deste efeito de "mise en abyme"[*] - patético ou irrisório, depende - para reinscrever a escola no nosso "mundo comum". Um empreendimento árduo, sem dúvida, tal a dificuldade em escapar de oposições caricaturais. Mas empreendimento de salvação pública, humilde e persistente.

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[*] Mise en abyme é um termo francês que costuma ser traduzido como "narrativa em abismo", usado pela primeira vez por André Gide ao falar sobre as narrativas que contêm outras narrativas dentro de si. É uma técnica que consiste em inserir uma obra dentro de si mesma, criando um efeito de reflexão infinita. Essa técnica é frequentemente utilizada na literatura, nas artes visuais e no cinema para explorar a noção de representação e autoreferência.