terça-feira, 24 de maio de 2022

Projecto Educativo: A obsessão de levá-lo até ao fim!

Daniel Lousada

"Que ninguém me peça esse andar certo de quem sabe o rumo e a hora de o atingir. (...) Na minha vida nem sempre a bússola se atraí ao mesmo norte". Fernando Namora [1]

O "projecto educativo" entrou oficialmente na escola há quase 40 anos, aquando da criação da Área Escola [Área curricular não disciplinar], que integrou a reforma curricular de Roberto Carneiro. Falávamos então de pequenos projectos educativos de carácter curricular, muito orientados para os conteúdos do programa. Tempos depois, a Área Escola dá lugar à Área de Projecto e o projecto "educativo" [?] passa a fazer parte do trabalho do professor, não por vontade própria, diga-se, mas porque a lei a isso obriga.

Então, por força desta obrigação, o que se vê, a maior parte das vezes, são projectos nascidos como cogumelos e que, sem colherem a qualidade que o adjectivo "educativo" lhes poderia conferir, de educativo têm muito pouco. Porque projecto, por imposição, até pode ser projecto, mas não é educativo.

A palavra projecto, além de nome, é também forma verbal: eu projecto, na primeira pessoa, como que a dizer que não suporta imperativo. Parafraseando Danniel Pennac [2], "é uma aversão que compartilha com outros verbos: o verbo «caminhar»... o verbo «sonhar»...". E, como qualquer um destes verbos, reivindica a mesma liberdade. Porque não sonhamos a pedido, sonhos que não são nossos. Os caminhos dos outros... até podemos caminhar, mas não com o mesmo prazer que caminhamos os nossos. Conjugado na segunda ou terceira pessoa não compromete quem fala: tu projectas, ele projecta, eu não... que o mesmo é dizer, quem projecta não está comprometido com o trabalho; e quem trabalha, fá-lo num projecto que não é seu. "Como se não conseguíssemos mudar a sala de aula e fizéssemos umas flores à volta dela, projectos com a comunidade, actividades artísticas. Não inovamos no coração da pedagogia" [3]. 

Depois esta obsessão de levá-lo até ao fim a qualquer preço, como foi pensado! Como se a imprevisibilidade, os desvios de percurso, ou mesmo a possibilidade de não conseguirmos levá-lo até ao fim, não fossem parte da natureza do projecto. "Às vezes a escola obriga os garotos e os professores a avançar com projectos, que a gente percebe que não vão dar em nada. (...) O que temos é de perceber porque é que não termina" [4].

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[1] Por todos os caminhos do mundo, in Mar de Sargaços, poemas. Atlântida, Coimbra, 1940: p. 8
[2] Daniel Pennac refere-se ao verbo ler. Ver Como um romance. Edições ASA, Porto, 1993: p. 11
[3] António Nóvoa, Entrevista ao jornal Público, 26.05.2013.
[4] António Nunes. A escola e o mundo que vem a seguir, 30.04.2022 [ver vídeo].

quarta-feira, 11 de maio de 2022

O Professor Ensina. Mesmo quando "deixou de ensinar" para facilitar o encontro do aluno com o conhecimento, o Professor Ensina.

 Daniel Lousada

 "Estávamos habituados a dar aulas, a ensinar, mas agora capacitamos os alunos" - diz José Morgado, num texto em que critica a mudança de terminologia, como instrumento de mudança [1]. Por vezes, neste movimento "inovador", ouve-se mesmo dizer, que a função do professor já não é dar aulas, não é ensinar, mas facilitar o encontro do aluno com o conhecimento.  Perguntar-se-á, então: E como é que o professor facilita o encontro do aluno com o conhecimento? A esta pergunta, em jeito de provocação, apetece-me responder: Ensinando nas aulas que dá!

Como os significados de dicionário não contemplam o facilitar deste encontro, vai daí, conclui-se que o professor que o facilita já não ensina! Como se a relação das palavras com os seus significados fosse uma relação estável, que perdura através de gerações e gerações!

O nomes estão aí para dar nome às coisas. E nós fazemo-las viver com os nomes que lhes damos [chamar os bois pelos nomes, no dito popular]. É esse o papel do nome "ensino", que demos ao acto [a essa coisa] de ensinar. Mas há outro sentido na relação das coisas com os nomes, que nos temos esquecido de pensar: na arte, por exemplo, há um sentido que consiste em "dar coisas aos nomes" [2]. Na perspectiva que trago aqui "dar coisas aos nomes" é acrescentar aos nomes novos sentidos; acrescentar ao acto de ensinar a facilitação do encontro do aluno com os saberes.

Se fosse dado a teorias da conspiração, diria que esta obsessão em desvalorizar o ensino do conjunto das funções do professor, faz parte de uma desvalorização maior da profissão: Se o professor não ensina, como pode ser professor?

O professor ensina quando transmite informação que reproduz conhecimentos; ensina no modo como se apresenta e interage com os seus alunos e organiza o trabalho de aprendizagem… Como dizia Paulo Freire "o mestre é o que ensina também. (...) por ser mestre tem o dever, tem a obrigação de ensinar" [3]. Ou seja, mesmo quando "deixou de ensinar", para facilitar o encontro do aluno com o conhecimento, o professor ensina. 

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[1] Da onda de capacitação - LER MAIS >>>

[2] Título de um livro de Manuel Castro Caldas

[3] Serginho Groisman entrevista Paulo Freire no programa 'Matéria Prima' da TV Cultura - VER MAIS>>>