sábado, 27 de agosto de 2022

Do fracasso que leva à falta de motivação

Philippe Meirieu
Versão portuguesa de Daniel Lousada, a partir do original "Pédagogie des lieux communs aux concepts clés", Paris, ESF Éditeur, 2013

Desde há muito que manifesto a irritação que me desperta a frase: “Esse aluno não atinge os objectivos porque não está motivado". Então costumo inverter esta afirmação com a pergunta: E se, pelo contrário, não estiver motivado porque não temos sido capazes de ajudá-lo a alcançar os objectivos?

Não há nada mais desmotivador do que o fracasso, sobretudo quando se repete e, progressivamente, nos resignamos a ele, até considerá-lo uma fatalidade da qual não é possível fugir.

Como pode alguém sentir-se motivado quando parece que o sucesso está fora do seu alcance, quando não consegue vislumbrar o mínimo progresso, apoiar-se numa aquisição bem-sucedida, para projectar-se no futuro e imaginar-se diferente? É assim que demasiadas crianças e adolescentes se sentem dia a dia: a sensação de um horizonte invisível, de estarem proibidos não só do sucesso escolar, mas também de todas as formas de sucesso social valorizadas. É desta forma que se esgotam a repetir – porque lhes exigem que o façam – as mesmas tentativas improdutivas, para finalmente constatarem, com maior ou menor resignação, raiva até, que estão definitivamente condenados ao fracasso.

Ao fim de algum tempo [muito ou pouco, conforme os casos] a acumular fracassos, o adolescente, para fugir do peso da derrota, acaba por organizar o seu próprio fracasso, porque é a única coisa em que realmente pode ter sucesso. Com efeito, o fracasso gera, com muita frequência, o medo de correr o risco de fracassar: há uma espécie de entorpecimento da motivação, algo desprovido das suas raízes e incapaz de dar ao jovem a possibilidade de se projectar no futuro. Por vezes desenvolve uma vontade deliberada de falhar, muitas vezes acompanhada de formas de violência e autodestruição que lhe permitem dizer a si próprio: “Pelo menos quem fez isto fui eu!”. E este processa leva por vezes a esta última contradição: dar-se à morte [escolar, profissional, afectiva, psicológica, física] para tentar recuperar o controlo da própria vida.

Esta obstinação em fabricar o próprio fracasso está associada, sobre tudo, à dificuldade em criar vínculos com os demais e, em particular, com os adultos. Com frequência, alguns jovens preferem rejeitar qualquer apoio exterior, por mínimo que seja, para se instalarem numa omnipotência suicida: à ajuda do outro, preferem fracassar sozinhos.

É evidente que esta dificuldade em criar vínculos pode ter as suas raízes numa história pessoal particularmente acidentada, mas como é possível não ver que ela está também articulada, em grande medida, com situações escolares, no mínimo, inadequadas? Como não reconhecer que o desmoronamento  das relações entre jovens e adultos, numa escola onde o trabalho colectivo já não é elemento aglutinador de um compromisso comum, mantém e até promove esta dificuldade em criar vínculos?

 

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