«As histórias, como as parábolas, os enigmas e os símbolos, dirigem-se à área mais reflexiva da pessoa, onde o afeto e o conhecimento se unem, para nos fazer desejar, admirar e sonhar», diz PEDRO CUNHA, ao que JOSÉ MATIAS ALVES acrescenta: «Unir o afeto ao conhecimento, ligar a emoção à razão. Assumir que não há saber sem sabor. Fazer de cada lição uma história, uma resposta»[2].
Sei pouco das razões que levaram MUHAMMAD a trocar a aula de psicopdagogia pela leitura d'Os Miseráveis (Certamente, mais do que as que me levavam a desenhar bonecos, enquanto fazia de conta que tirava notas da aula). Mas gosto de pensar que algumas estarão algures por ali. E não sei também o que faz, hoje, um professor, que apanha um aluno a trocar a sua aula pelo “demónio da literatura”: pedir-lhe para fechar o livro e estar atento à lição? Não sei! Mas prefiro imaginar, talvez, a ouvi-lo perguntar o que está a ler, a ouvir as razões que o levaram à troca. E procurar, quem sabe, ligações prováveis entre os conteúdos do livro e da aula. Isto imaginando como possível, que um aluno escolha a leitura de uma obra literária, para "fugir" da sala de aula. Algo improvável, num tempo em que o smartphone tende a desviar-nos do livro ou mesmo da leitura de textos, literários ou não [3].
Para assinalar o "Dia Mundial do Livro", algumas escolas fazem do livro a "estrela do dia". Em todas as turmas, seja qual for a disciplina, no tempo agendado, os alunos lêem em voz alta excertos de uma obra previamente escolhida para o efeito. Assim, durante um curto espaço de tempo, os alunos trocam a matemática, a música, a educação física,... pela literatura, num ritual que António Nóvoa classificaria de "projecto de ano bissexto"[4] ou para a fotografia que provoca a notícia, dirão muitos de nós, e pouco mais. Não é, então, "fugas da sala de aula", através da leitura de obras literárias, que procuro, mas encontrar portas que se abram à sua entrada, nos lugares onde não é suposto a entrada da literatura. Mas, com um currículo partido às fatias, como fazer entrar a literatura, com as suas histórias [ou histórias apenas], em todas as disciplinas? Nem todas elas têm esta “vocação” literária, é certo. Mas isto não significa que os diferentes saberes, que temos para ensinar, não possam ser contaminados pela literatura [5]. Mas para isso é preciso aproveitar todas as oportunidades, criando-as se preciso for, de fazê-la presente [6] e não apenas, provocando a sua “entrada a martelo”, no Dia Mundial do Livro.
Daniel Lousada
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