domingo, 3 de setembro de 2023

Sobre livros de leitura obrigatória

Daniel Lousada
Quando me disponho a ler, naquela busca do prazer que o texto tem para dar, não estou à espera que me venham a fazer perguntas (de interpretação). As perguntas que importam reservo-as para mim, antes mesmo de iniciar a leitura, interrogando o livro pelo seu título, pelo que me diz a configuração da sua capa, por uma ou outra expressão que, prendendo-me o olhar ao folheá-lo, promete-me o prazer da sua leitura, a que se seguirão as perguntas que eu farei, tomada a decisão de iniciar a aventura.

Não devia ser permitida a "pergunta de interpretação" sobre os textos que queremos ensinar as nossas crianças e jovens a (de)gostar. É impossível a leitura com prazer à sombra das perguntas que o(a) professor(a) irá fazer. Ler para responder faz com que a resposta que tenho que dar se sobreponha ao prazer que o texto pode oferecer.

Até há bem pouco tempo, os livros que entravam na escola do 1º Ciclo, estavam a salvo desta prática. Mas com a adopção de livros de leitura obrigatória, de repente, os manuais escolares parece que deixaram de ser suficientes para satisfazê-la, e os livros que era suposto ensinar a amar, passaram a entrar no circuito das "perguntas de interpretação", que arriscam afastar o leitor do livro. Porquê? Se são obrigatórios, a administração da escola, que tem no controlo burocrático das práticas o seu principal objectivo, faz deles assunto para testes e exames, para que sejam obrigatórios mesmo!

Na escola do 1º ciclo, pelo menos, onde o que importa é trazer leitores para os livros, não devia haver livros de leitura obrigatória. Obrigatória já é a leitura; conservemos, ao menos, a liberdade de escolha das leituras a fazer. Uma coisa é apresentar uma lista alargada de títulos aconselhados, que não põe de fora outros títulos que as crianças e os seus professores possam trazer para a escola [os livros apresentados pelo Plano Nacional de Leitura, por exemplo, poderiam ser essa lista]; outra bem diferente é dizer: estes tens que ler, queiras ou não queiras.

Não é na perspectiva da criança que me coloco! – acredito que, nestas idades, as crianças abraçam os textos que os adultos, com o seu entusiasmo, quiserem que abracem, desde que estejam ao seu alcance – É na perspectiva do professor que me coloco: eu não saberia como entusiasmar uma criança para a leitura de um livro que não me seduz [tantos livros que sou aconselhado a ler e que, por opção, não leio]. Acho que um dos principais critérios de escolha dos livros que entram na sala de aula deveria ser o(a) professor(a) gostar deles. Então, ele(a) envolve-se na leitura com os seus alunos; traz a leitura para a aula, não traz perguntas a pedir respostas certas! Lê, e ao ler, emprestando a sua voz ao texto, ao mesmo tempo que convida os seus alunos a emprestar a deles, as perguntas que importam estarão lá todas: aquelas que fazemos ao texto como leitores, implicados na leitura do livro com prazer. E o livro vira assunto de conversa; conversas iguaizinhas àquelas que temos com colegas e amigos sobre os livros que nos deram prazer ler.


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