sábado, 29 de novembro de 2025

«Dieta da Poesia» — excerto

Neste texto, inserido no livro “Dieta da poesia”, Afonso Cruz explora aquela ideia de que a forma mais fácil de nos libertarmos de um vício, que nos prejudica, é trocá-lo por outro que seja inócuo, seguindo a receita da expressão popular “sempre que tiveres vontade de… bebe um copo de água”. De uma forma divertida, apresenta, através da voz de Bazulague, personagem do seu livro, uma receita para emagrecer ou engordar com óptimos resultados, como atesta o comentário de um dos muitos que aderiram a este método dietético: «A poesia tem consequências também noutras áreas. O senhor Almeida, de Lustosa e Barrosas, tornou-se um pintor famoso. Ao ler um verso de Mário Quintana, que dizia "Pior que ainda ninguém se lembrou de pintar uma mulher nua de óculos?", começou a pintar mulheres nuas de óculos, tendo criado um estilo com milhares de seguidores». 

«No caso de pretender perder peso, a dieta promete um emagrecimento de três a cinco quilos por mês (...). Qualquer pessoa que siga esta dieta ficará, como comprovam todos os estudos, muito mais bonito e atraente. Caso queira ser gordo ou ainda mais gordo, o processo é igual, só não tem de substituir comida por poesia, terá, isso sim, de ler enquanto come. Quanto mais gostar de poemas, mais pesado ficará».

terça-feira, 18 de novembro de 2025

“Guardar” — uma proposta de trabalho de texto

PROPOSTA DISPONÍVEL EM "HOJE VAMOS LER" >>>
"Guardar", poema que apresentamos aqui em duas versões (duas formas de o dizer: uma em português de Portugal e outra em português do Brasil), além de dar nome ao poema, é título do primeiro livro de poesia de António Cícero, que teve a sua primeira edição publicada no Rio de Janeiro, em 1996. E é a partir dele que apresentamos esta proposta de trabalho de texto [VER >>]

É uma proposta dirigida a crianças do 1º Ciclo, 4º Ano de escolaridade!

Muitos dirão, talvez, que não passa pela cabeça de ninguém dar a ler um poema como este a crianças de nove anos, que não faz parte das Metas Curriculares do 4º ano de escolaridade, nem consta que António Cícero faça parte do Plano Nacional de Leitura para esta idade. Está visto que passou pela nossa cabeça (professores do 1.º ciclo) que, na escolha dos textos a ler com os alunos, tem como primeiro critério o professor gostar. Se o professor não gosta como é que vai "ensinar a gostar"? Para nós, no 1º Ciclo, é critério sagrado. Claro que não é escolher um livro, um texto, um poema ..., e dizer toma lá, agora lê: é preciso trazer a leitura para a aula, trazer a voz que melhor serve o texto, capaz de entusiasmar quem ouve, e que só o professor é capaz de trazer, não as perguntas a pedir respostas certas! As perguntas que importam são aquelas que fazemos ao texto como leitores, implicados na leitura do poema (neste caso) com prazer. E o poema pode então virar assunto de conversa; conversas iguaizinhas àquelas que temos com colegas e amigos sobre os livros que nos deram prazer ler.

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

"Não" é fácil

Um poema de A. M. Pires Cabral para a época festiva que se aproxima, e que nos centros comerciais e um pouco por toda a parte já se anuncia. 

Não, não é um poema de Natal, mas poderia ser: formulação de um desejo, aqui subentendido, como qualquer desejo que se pede ao "Pai Natal", em jeito de protesto, de denúncia talvez, num poema. 

Substituindo o título, “Não é fácil” por “Prece em dia de Natal, e não haveria dúvida nenhuma: teríamos um poema para a quadra festiva que se apróxima.



quinta-feira, 13 de novembro de 2025

A arte de fortalecer palavras — 4 haikus para um trabalho de texto com crianças crescidas

A ARTE DO HAIKU

«Quando bem feita, toda a concentração aumenta a intensidade da força e diminui o espaço ocupado — diz Gonçalo M. Tavares. Estamos em menos espaço, mas com mais poder. Como se existissem dois movimentos inversos com sincronização perfeita: cada palavra eliminada aumenta a força das palavras que ficam».

É esta arte de eliminar palavras, para dar força às palavras que ficam, que procuro apresentar a partir desta reescrita: ir ao encontro de formas de ensaiar com jovens e crianças mais crescidas, a arte de não dizer tudo, … LER MAIS >>>

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

"Retenção" e os equívocos da mudança de um nome

A escola inclusiva passa por aqui

Contrariamente ao que se diz por aí, retenção e reprovação não são sinónimos, e deveriam convocar práticas diferentes. O que se passou na passagem da reprovação à retenção, nos inícios dos anos 90 do século passado, foi que não se passou coisa alguma. Não transformámos uma coisa noutra coisa. Demos outro nome à coisa que já tínhamos. Continuamos a conjugar o verbo reprovar, só que agora de uma forma envergonhada: reprovar sim, mas apoiado num plano de recuperação! E continuamos a responder aos problemas que a escola de massas nos coloca, aplicando a mesma fórmula, só que de uma forma disfarçada.


Quando reprovamos alguém reprovamo-lo por aquilo que fez (ou não fez). Há como que um juízo de valor que se faz sobre o aluno: o teu comportamento é reprovável; o que fizeste é inaceitável; o que tens aí não presta, está errado…, volta para o teu lugar e faz tudo de novo. E transforma-se em nada o caminho feito. É como se o lugar onde o aluno se encontra seja lugar a esquecer, não restando outra alternativa que não a de voltar ao ponto de partida.

Quando retemos convidamos a parar, convidamos à pausa, quando algo se passa que nos impede de prosseguir — um convite que não traz consigo qualquer juízo de valor. Então paramos para identificar o que nos impede de continuar a viagem. Não reprovamos. Não fazemos tábua rasa do caminho percorrido: damos conta do lugar onde o aluno se encontra e do que é possível fazer para recomeçar a viagem. Porque podemos estar perante um obstáculo que precisa ser removido ou que apenas nos pede (e este apenas não é coisa pouca) que pensemos num caminho alternativo.

Na passagem da reprovação à retenção, o que deveria passar a ser um acto pedagógico, mantém-se acto administrativo, inscrito num calendário, processo burocrático iniciado lá pela páscoa, e que faz dos planos de recuperação uma farsa! — organizam-se planos a que eufemisticamente se chamam de recuperação. E sossegam-se as consciências. 

Não transformamos coisa nenhuma, portanto. Mudamos apenas o suficiente para que tudo fique na mesma, que o mesmo é dizer: pior, já que tudo não passa de um engano! Faz-se plano de recuperação agora, porque sem este não é possível reprovar mais adiante. Alguém me diga, se for capaz, quantos planos de recuperação, desenhados pela páscoa, resultaram em sucesso no fim do ano? Talvez aqueles que o professor faz à cautela, não vá ser apanhado na curva mais adiante, sem travões (reprovação) para travar.

Um plano de recuperação ou acontece logo aos primeiros sintomas de que algo não está bem, ou é coisa que dá em nada. Não se espera pela páscoa para tomar medidas, que nos são pedidas em Dezembro, quando não logo no início do ano. Mas para isso seriam necessárias estruturas de apoio que funcionassem. Alguém acredita que um professor, sozinho, sem apoio, consegue pela páscoa a resposta, que não conseguiu, também sozinho, quando deu conta da dificuldade?

Quero com isto dizer que a passagem da reprovação à retenção  não faz sentido? Claro de não. Só que esta passagem exige uma nova prática, uma outra organização do trabalho na sala de aula, sustentado por verdadeiras estruturas de apoio. Nem é preciso inventá-las; basta dotar as que temos com os recursos que lhes faltam e pô-las a funcionar.

Daniel Lousada

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Ora (direis) ouvir estrelas!

OUVIR >>>

Um poema de Olavo Bilac para discutir se devemos ou não aceitar as indicações de leitura, que a forma e pontuação do poema sugerem, através do ensaio de leituras que ora respeitam ora desrespeitam as indicações sugeridas.

(...)

Trata-se, no dizer de António Fonseca de aprender a reescrever a "falação do poema", reescrever-lo na fala «que é um sítio muito mais antigo de comunicação do que a escrita.