segunda-feira, 6 de abril de 2020

Resgatar a pedagogia, precisa-se!

Daniel Lousada 

É urgente o regresso dos pedagogos do exílio, onde se encontram esquecidos

É simples ter a energia que leva à acção”, diz Ulrich, personagem de Robert Musil.1 A acção da generalidade dos professores parece comprovar isso mesmo: foram rápidos nas primeiras respostas; nalguns casos, anteciparam mesmo orien­tações, que a tutela enviou mais tarde para as escolas. Mas, como diz a mesma persona­gem, fica por fazer o mais difícil: “buscar e encontrar sentido para ela”. E continua mais à frente: Na verdade, não devíamos exigir qualquer acção uns aos outros, mas criar primeiro condições para a sua exequibilidade.” Pelo que é interpelado por Agathe, a outra personagem que participa no diálogo: “E como é que íamos fazer isso?”2Ora, é nesta tensão entre a acção e o seu sen­tido, que assenta a reflexão pedagógica: a acção educativa leva à reflexão e a reflexão à acção. En­tão… “fa­lhar... falhar sempre, mas cada vez me­lhor”.3
Agir na urgência, decidir na incerteza”, diz por sua vez Perrenoud,4 porque, em educação, não é possível parar à espera das condições óptimas para agir: o acto educativo, como defende António Nunes,5é sempre ir­repetível, nunca igual, assente, quando muito, em certezas provi­só­rias; e, sem certezas absolutas, temos apenas certeza quanto baste, para não ficar paralisado, sem acção. Depois de, num primeiro momento, em que a palavra de ordem foi estar ligado, terem lançado mão de todos os instrumentos capazes de manter a ligação, é preciso que os professores se mobilizem, agora, na procura do sentido do trabalho escolar, que desenvolvem para os seus alunos e com eles [promover este “com”, fundamental no processo educativo, é, no contexto actual, um grande desafio].

Nesta altura confusa (…) em que as tecnologias (…) se tornaram num qualquer deus que ilumina todo o sistema educativo, teremos, imagino, aberto a porta a tentativas poderosas, de interesses múltiplos e de origens e objectivos muito diferentes, a um movimento pandémico destes instrumentos. (…). O problema, pela sua natureza, e que é novo, é o seu poder e a forma como este será incorporado nas práticas e qual o seu enquadramento pedagógico (…)”.6 Por isso, resgatar a pedagogia, nunca foi tão importante: só ela nos oferece os recursos, de que pre­cisamos, para nos opormos não só aos treinadores de bancada, que proliferam um pouco por todo o lado, como – mais importante – opormo-nos aos “Pseudo-pedagogos em­pre­sariais, de que fala Sérgio Niza, aquela “espécie de seres para o lucro, represen­tan­tes de uma “peda­go­gia de negócio, que invade a escola pública.7 Porque, desengane-se quem acha que, passada a tempestade, consegue fechar a porta, agora escanca­rada, a interesses privados: estes tudo farão para mantê-la aberta à expansão do seu negócio.8 Quando muito, será possível impor limites, regular o trânsito, atra­vés do neces­sário enquadramento pedagógico das práticas, de que fala António Nunes.
Aqui a urgência da vigilância pedagógica. Pelo que nunca foi tão urgente, o regresso dos pedagogos do exílio, onde se encontram esquecidos.
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1Robert Musil, in “O Homem sem Qualidades” – vol. 2, Pu­blicações Dom Qui­xote, Lisboa, 2008: p. 103.
2Idem, p. 104.
3. Samuel Beckett.
4. Philippe Perrenoud, Art­med, Porto Alegre, 2002.
5. E, portanto, tudo o que acontecer no dia seguinte, não pode ser uma cópia de qualquer coisa que deu resul­tado no dia anterior” [Entrevista concedida à Gondomar fm, 16.02.2017].
6. António Nunes, na sua página do facebook, 28 de Março de 2020.
7. Uma pedagogia que “traiçoeiramente, transforma, esses empresários, em educadores do povo e promotores da inclusão” [Sérgio Niza, Universidade de Évora, 2013].
8. Agradecer a solidariedade, sim. Mas não tenhamos a in­genuidade de esquecer que, muita dela, esconde oportunidades de negócio.

segunda-feira, 23 de março de 2020

Precisamos de responsáveis políticos capazes de transmitir uma imagem de segurança

O ministro da educação, Tiago Brandão Rodrigues, concedeu uma entrevista ao Jornal da Tarde da Rtp1. Procurei ouvir com a atenção que, nas circunstâncias que atravessamos, a fala de um ministro da educação nos merece. Mas, pelo que ouvi, parece que o Sr. Ministro encara uma entrevista como uma qualquer conferência de imprensa, sem direito a perguntas; parece ignorar que, no que tem para dizer, é condicionado pelas perguntas que lhe são feitas.

Tirando uma pergunta genérica, já no fim da entrevista, sobre a articulação com a ministra do trabalho, a merecer uma resposta igualmente genérica [que pouco ou nada acrescentou ao que já se sabe], todas as perguntas ficaram sem resposta. Fiquei perplexo - se um ministro tem dificuldade em apresentar e discutir este tipo de cenários, como será se a situação se complicar! E daqui a minha irritação, e a irritação dos que comigo ouviram a entrevista, que manifestámos com uma montagem-vídeo, uma caricatura do que nos foi dado ouvir:

Precisamos de responsáveis políticos capazes de transmitir uma imagem de segurança, e de uma comunicação social capaz de ajudar aqueles que não sabem como transmiti-la. Porque não confundir competência com capacidade de comunicação, nunca foi tão necessário! Não quero, portanto, pôr em causa a competência do ministro da educação. Mas a verdade é que, nos tempos excepcionais de hoje, quando a comunicação não é assertiva, a degradação da confiança é inevitável. E aqui o papel da comunicação social!

Façam chegar, aos entrevistados, antecipadamente, as perguntas que querem ver respondidas. Eu sei que não está no vosso ADN este tipo de práticas, que muitos de vós preferem a pergunta numa espécie de emboscada [não é este o caso, devo elogiar]. Mas sabem, aqui não se trata de tentar apanhar, em falso, um ministro. É que, em tempos excepcionalmente difíceis, nunca vividos, não há lugar ao improviso, nem mesmo na resposta a uma pergunta.  E as entrevistas em directo, sem guião, trazem o risco do improviso de quem, sem resposta a dar, quer evitá-la a todo o custo.

Perante perguntas bem simples, quase de sim ou não, o Sr. Ministro preferiu fugir da resposta. Improvisou. Mal. Quis, talvez, dar a imagem de quem controla a situação. Não deu! Até porque, como ele próprio referiu na entrevista, as escolas têm ido à frente do ministro, desenham já os seus cenários. Atrevo-me mesmo a dizer que, alguns dos cenários projectados pelas escolas, fazem parte dos cenários que circulam pelas mesas do ministério. Podemos até equacioná-los, numa brincadeira de crianças:
  • Temos exames ou não? 
  • Se não, o caso está arrumado. 
  • Se sim há dois casos a considerar: ou realizam-se na data prevista [coisa em que ninguém acredita], ou são adiados.
Nesta matéria, um ministro, ou qualquer outro decisor político, não tem que se apresentar, sempre, com certezas. Pode ter dúvidas, como qualquer mortal, sobre as decisões a tomar, desde que seja claro sobre as dúvidas que o impedem de tomar decisões. Teria passado outra imagem [mais lúcida] se tivesse garantido, já, que, no mínimo, os exames seriam adiados, ficando por discutir o seu agendamento futuro.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Sanções e Castigos

Philippe Meirieu
Capítulo 12 de Le choix d'éduquer - pp. 65-68
Versão em português de Daniel Lousada

Bem no centro do trabalho educativo, reflectindo, por vezes dramaticamente, as suas tensões, a sanção disciplinar reveste-se de um carácter particular, em razão do silêncio que, habitualmente, se mantém à volta dela. Todos se servem dela, mas quase nunca a referem, como se tratasse de uma espécie de mal necessário, contra o qual nada podemos e a que convém recorrer, com mais ou menos frequência, mas sempre na clandestinidade… Na realidade, o “secretismo” que a rodeia bem pode ser, precisamente, a expressão “mal amanhada” do que constitui o seu estatuto paradoxal: a sanção é, sem dúvida, inevitável em educação, mas só é tolerável na medida em que nos resignamos a ela, com má consciência.

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domingo, 9 de fevereiro de 2020

Neurociências e trabalho Pedagógico


Versão portuguesa do capítulo 5 de "La Riposta" de Philippe Meirieu
«(...) uma predisposição nunca é – mesmo em medicina – uma predestinação, os neuroci­entistas devem, como os pedagogos, ter a preocupação de diferenciar sem catalogar, de se adaptar a cada um e a cada uma, mas sem desistir de descobrir as perspectivas e caminhos por conhecer. 
Atenção! Não usar a explicação ce­rebral como desculpa, aconselha Emmanuel Fournier: "os problemas parecem sempre mais suportáveis se eles se devem a causas que não são da nossa responsabilidade. É o cérebro que carrega o fardo(...)". E a desculpa cerebral pode pode ocupar, com eficácia, o lugar da “desculpa sociológica”, tantas vezes utilizada a partir de uma leitura simplista de Bourdieu: nada mais tentador, com efeito, que transformar uma dificuldade da criança [de que nós po­deremos, pelo menos em parte, ser responsáveis] num problema neuronal… (...)»