É urgente o regresso dos pedagogos do exílio, onde se encontram esquecidos
“É simples ter a energia que leva à acção”, diz Ulrich, personagem de Robert Musil.1 A acção da generalidade dos professores parece comprovar isso mesmo: foram rápidos nas primeiras respostas; nalguns casos, anteciparam mesmo orientações, que a tutela enviou mais tarde para as escolas. Mas, como diz a mesma personagem, fica por fazer o mais difícil: “buscar e encontrar sentido para ela”. E continua mais à frente: “Na verdade, não devíamos exigir qualquer acção uns aos outros, mas criar primeiro condições para a sua exequibilidade.” Pelo que é interpelado por Agathe, a outra personagem que participa no diálogo: “E como é que íamos fazer isso?”2Ora, é nesta tensão entre a acção e o seu sentido, que assenta a reflexão pedagógica: a acção educativa leva à reflexão e a reflexão à acção. Então… “falhar... falhar sempre, mas cada vez melhor”.3
“Agir na urgência, decidir na incerteza”, diz por sua vez Perrenoud,4 porque, em educação, não é possível parar à espera das condições óptimas para agir: o acto educativo, como defende António Nunes,5é sempre irrepetível, nunca igual, assente, quando muito, em certezas provisórias; e, sem certezas absolutas, temos apenas certeza quanto baste, para não ficar paralisado, sem acção. Depois de, num primeiro momento, em que a palavra de ordem foi estar ligado, terem lançado mão de todos os instrumentos capazes de manter a ligação, é preciso que os professores se mobilizem, agora, na procura do sentido do trabalho escolar, que desenvolvem para os seus alunos e com eles [promover este “com”, fundamental no processo educativo, é, no contexto actual, um grande desafio].
“Nesta altura confusa (…) em que as tecnologias (…) se tornaram num qualquer deus que ilumina todo o sistema educativo, teremos, imagino, aberto a porta a tentativas poderosas, de interesses múltiplos e de origens e objectivos muito diferentes, a um movimento pandémico destes instrumentos. (…). O problema, pela sua natureza, e que é novo, é o seu poder e a forma como este será incorporado nas práticas e qual o seu enquadramento pedagógico (…)”.6 Por isso, resgatar a pedagogia, nunca foi tão importante: só ela nos oferece os recursos, de que precisamos, para nos opormos não só aos treinadores de bancada, que proliferam um pouco por todo o lado, como – mais importante – opormo-nos aos “Pseudo-pedagogos empresariais”, de que fala Sérgio Niza, aquela “espécie de seres para o lucro”, representantes de uma “pedagogia de negócio”, que invade a escola pública.7 Porque, desengane-se quem acha que, passada a tempestade, consegue fechar a porta, agora escancarada, a interesses privados: estes tudo farão para mantê-la aberta à expansão do seu negócio.8 Quando muito, será possível impor limites, regular o trânsito, através do necessário enquadramento pedagógico das práticas, de que fala António Nunes.
Aqui a urgência da vigilância pedagógica. Pelo que nunca foi tão urgente, o regresso dos pedagogos do exílio, onde se encontram esquecidos.
1. Robert Musil, in “O Homem sem Qualidades” – vol. 2, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2008: p. 103.
2. Idem, p. 104.
3. Samuel Beckett.
4. Philippe Perrenoud, Artmed, Porto Alegre, 2002.
5. E, portanto, tudo o que acontecer no dia seguinte, não pode ser uma cópia de qualquer coisa que deu resultado no dia anterior” [Entrevista concedida à Gondomar fm, 16.02.2017].
6. António Nunes, na sua página do facebook, 28 de Março de 2020.
7. Uma pedagogia que “traiçoeiramente, transforma, esses empresários, em educadores do povo e promotores da inclusão” [Sérgio Niza, Universidade de Évora, 2013].
8. Agradecer a solidariedade, sim. Mas não tenhamos a ingenuidade de esquecer que, muita dela, esconde oportunidades de negócio.
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