A diferença fundamental de cultura profissional entre as escolas do 1º. ciclo e secundárias raramente é tida em conta, se é que o é, na maior parte dos comentários sobre as escolas e sobre os «professores», incluindo os de académicos de renome ou de observadores bem informados (gestores ou activistas educativos, jornalistas especializados, etc.). Não é identificada como um elemento relevante de análise. É como se a cultura profissional do ensino secundário fosse a única que permeasse todo o sistema escolar, ou pelo menos a única legítima, identificável, referencial. No inconsciente social, o professor típico é o professor (mono)disciplinar de uma escola secundária. Este modelo esmaga todas as outras realidades, mesmo que sejam consistentes, antigas e contínuas. A unificação dos sistemas escolares, outrora institucional e socialmente segregados, teria de facto assegurado o domínio da cultura de elite do antigo liceu napoleónico sobre o conjunto do sistema, impedindo a difusão de uma cultura democrática partilhada entre os diferentes níveis.
Este tropismo do ensino secundário está, portanto, extremamente enraizado em todos aqueles que tiveram uma formação universitária ou superior, ao ponto de já não se aperceberem deste hiato ou de partilharem inconscientemente a sua filosofia elitista. A fraca capacidade pedagógica dos académicos para fazer entrar os estudantes no ensino superior está bem documentada, tal como a taxa de insucesso que caracteriza os primeiros anos da universidade em muitas disciplinas. Além disso, quando se sai do ensino superior, a memória dos professores da escola primária já desapareceu há muito tempo, ao passo que o número de professores que se encontram no ensino secundário e universitário é infinitamente maior e as suas figuras mais proeminentes. Uma das excepções, que confirma a regra, é a famosa homenagem de Albert Camus ao seu professor primário, no discurso de aceitação do Prémio Nobel da Literatura.
Outra explicação para o tropismo implícito do ensino secundário pode residir no desejo de não criar uma diferença corporativista entre os diferentes corpos docentes. Desde que os professores do ensino primário se tornaram professores (com a Lei da Educação de 1989**) e, portanto, professores de pleno direito, a crença na unidade da profissão docente, como horizonte de progresso, faz parte do credo unitário, se não mesmo uma realidade objectiva. Sublinhar hoje o fosso entre as duas culturas profissionais correria o risco [...] de ser visto como o instigador irresponsável de uma divisão interna. [...] Esta cultura tende a opor-se a uma visão «liberal» da profissão docente [...]. A noção de «liberdade pedagógica» pode assim ser posta em causa sob o pretexto de que é brandida, por razões erradas, por professores «individualistas» ou, como uma bandeira, por forças hostis ao serviço público de educação e à sua democratização.
De facto, existem várias utilizações enganadoras desta noção de liberdade pedagógica. Esporadicamente, há professores que, argumentando que têm a «sua» liberdade pedagógica, acreditam que podem isolar-se no seu antiquado magistério, recusando colaborar com os seus colegas, ou a prestar contas de escolhas ou decisões arbitrárias que fazem. Depois, há o caso sistemático dos movimentos conservadores que se opõem sistematicamente às reformas educativas democráticas e que acreditam poder esconder-se atrás da «sua» liberdade pedagógica para legitimar a sua rejeição de medidas que contradizem as suas orientações retrógradas. Por fim, há os promotores de escolas não contratuais que, a pretexto de respeitarem a «liberdade educativa das famílias», exigem que as suas escolas recebam o mesmo financiamento público que as escolas públicas.
Estas utilizações do conceito são claramente erradas. No caso da profissão de professor, a noção de liberdade pedagógica não pode justificar uma prática «solitária» e «discricionária» (uma «prática liberal» no sentido negativo). Esta visão é o oposto da sua definição fundadora. Pelo contrário, a liberdade pedagógica só assume o seu sentido profissional no espaço colectivo do trabalho docente (entre colegas e de forma organizada) e na deliberação argumentada, sob o controlo a posteriori (reforço a posteriori) de superiores hierárquicos, dotados de competências neste domínio. Reduzir a liberdade pedagógica ao exercício egocêntrico do trabalho docente é reduzi-la a uma caricatura. É o tipo de atalho utilizado por aqueles que afirmam que o «anarquismo» reina numa escola fragmentada por causa de professores «indisciplinados». Isto enfraquece perigosamente o significado político e histórico da liberdade pedagógica, que é simplesmente outro nome para a autonomia profissional dos professores face a guardiões ideológicos (dentro ou fora da escola) que são portadores de valores anti-democráticos.
A liberdade pedagógica deve, portanto, ser defendida como um bem-comum a todos os professores, independentemente do seu estatuto, do seu nível de ensino ou do contexto em que trabalham: uma liberdade republicana e liberal (no sentido positivo, dando poder de acção em troca de compromisso) que liga a autonomia profissional dos professores à sua responsabilidade individual e colectiva de defender a equidade democrática contra todas as imposições autoritárias e elitistas.
Analisando a questão da partilha de responsabilidades entre os diferentes níveis da pirâmide institucional, o psicólogo canadiano David R. Olson observava em 2003: «A preocupação com a eficiência escolar, que é uma preocupação recente, conduziu a um grave choque entre os diferentes níveis de responsabilidade, recaindo a responsabilidade final sobre os mais vulneráveis, o aluno e o professor, enquanto a responsabilidade dos níveis mais elevados do sistema educativo desaparece. Assim, os governos, em vez de se responsabilizarem por não serem capazes de proporcionar profissionais devidamente formados ou de garantir a satisfação no trabalho, essencial para reduzir a rotatividade e a demissão do pessoal (que são fundamentais para o sucesso de uma escola), tendem a centrar-se exclusivamente no desempenho dos alunos e a atribuir prémios e sanções apenas a professores e alunos. Aproximar as avaliações, concentrando-se apenas na última linha do balanço, o sucesso dos alunos, em vez de julgar separadamente a qualidade das diferentes componentes do sistema, conduz obviamente a uma redistribuição de responsabilidades da pior maneira possível...».
Para este psicólogo, esta forma de avaliar a eficácia do sistema, através de um indicador pouco adaptado à esfera de responsabilidade dos detentores do poder, permite-lhes evitar que sejam avaliadas as suas próprias competências, as de gerir eficazmente a afectação dos recursos para dirigir e organizar o sistema escolar da melhor forma possível. Ao concentrarem-se nos resultados dos alunos e dos professores, deixam na sombra os indicadores que avaliam o funcionamento operacional da instituição, que não são levados ao «debate público». Trata-se, portanto, de uma outra armadilha para os professores, que são responsabilizados por resultados e objectivos quantificados, sem poderem realmente intervir nas condições que tornam esses resultados possíveis, sob o pretexto de que isso seria da responsabilidade exclusiva dos tecnocratas superiores e da hierarquia...
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