quarta-feira, 27 de maio de 2020
Afectividade e aprendizagem no romance "Cinco Reis de Gente" de Aquilino
Lembrar Aquilino Ribeiro 13.09.1885 - 27.05.1966
Para quem passou a vida na Escola, ultrapassando as aulas e as estruturas arcaicas, obsoletas e ineficazes, terá forçosamente de se sentir tocado com esta referência autobiográfica à entrada no mundo das letras, nada fácil, deste escritor português, proposto por um grupo de amigos, como candidato ao prémio Nobel.
terça-feira, 26 de maio de 2020
Gramaticalizar: o calvário de transitar no intransitável e outras memórias de uma escola de outros tempos
Lembrar Ruben A. [26.05.1990 - 26.09.1975]
Excerto de "O mundo à Minha Procura I", Assírio & Alvim, Lisboa, 1992: pp. 75-76
Eu claudicava em matérias fundamentais: matemática e latim. Em português conseguia às vez encontrar um mestre que me deixava ir comigo, que parava na aula e lia o meu exercício, como quem lê uma bíblia traduzida para chinês. Os outros colegas nada percebiam, uma vez que eu me afastava completamente do assunto dado para a dissertação. Não sei se foi Adolfo Casais Monteiro que um dia, na aula de português, me pediu para explicar um trecho dos Lusíadas depois de ter lido o meu exercício sobre o assassínio de Inês de Castro. O Adolfo foi professor escasso tempo, mas para o caso pouco importa. Quando eu avancei com o livro na mão para junto da mesa, ele pediu-me que fizesse a minha crítica do célebre episódio. Ao que eu simplesmente respondi: - Senhor professor, o assassínio foi a única página que me apaixonou nos Lusíadas. Faltam mais tragédias íntimas nos Lusíadas. Gosto muito de descrições e de tudo o resto, mas sinto-me mais entusiasmado ao ler
Se de humano é matar uma donzela
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a que soube vencê-la.
O Casais Monteiro olhou para mim como querendo convidar-me para tomar café à saída do Liceu, e, na sua cara expressiva, disse que me podia sentar pois estava satisfeito. Posso dizer que devo à famosa passagem dos Lusíadas o ter-me encaminhado pela primeira vez - por uma descoberta a que não era alheio o meu estado de espírito - no sentido trágico da vida, no sentido dos gregos, de Shakespeare e de pouco mais. (...) E realmente pensando melhor, passados tantos anos, vejo que a falta de tragédia é que torna tão insípidas a nossa história e a nossa literatura. De humano, em grande parte, tivemos Inês de Castro, um pouco de Frei Luís de Sousa, e páginas da História Trágico-Marítima. De interesse universal, de valor transposto ao teatro, ao bailado, a novas interpretações, só na verdade a maravilhosa coroação daquela que depois de morta foi rainha.
Passados pouco meses, a liberdade mental de Adolfo Casais Monteiro meteu-o na cadeia. Apareceu, então, como professor de português o animal que regia latim e que a meu respeito tinha a mais fraca das opiniões. Começou para mim o Calvário de dividir orações, encontrar os complementos directos, transitar no intransitável, gramaticalizar de novo os Lusíadas de Camões. Murchei.
Excerto de "O mundo à Minha Procura I", Assírio & Alvim, Lisboa, 1992: pp. 75-76
Eu claudicava em matérias fundamentais: matemática e latim. Em português conseguia às vez encontrar um mestre que me deixava ir comigo, que parava na aula e lia o meu exercício, como quem lê uma bíblia traduzida para chinês. Os outros colegas nada percebiam, uma vez que eu me afastava completamente do assunto dado para a dissertação. Não sei se foi Adolfo Casais Monteiro que um dia, na aula de português, me pediu para explicar um trecho dos Lusíadas depois de ter lido o meu exercício sobre o assassínio de Inês de Castro. O Adolfo foi professor escasso tempo, mas para o caso pouco importa. Quando eu avancei com o livro na mão para junto da mesa, ele pediu-me que fizesse a minha crítica do célebre episódio. Ao que eu simplesmente respondi: - Senhor professor, o assassínio foi a única página que me apaixonou nos Lusíadas. Faltam mais tragédias íntimas nos Lusíadas. Gosto muito de descrições e de tudo o resto, mas sinto-me mais entusiasmado ao ler
Se de humano é matar uma donzela
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a que soube vencê-la.
O Casais Monteiro olhou para mim como querendo convidar-me para tomar café à saída do Liceu, e, na sua cara expressiva, disse que me podia sentar pois estava satisfeito. Posso dizer que devo à famosa passagem dos Lusíadas o ter-me encaminhado pela primeira vez - por uma descoberta a que não era alheio o meu estado de espírito - no sentido trágico da vida, no sentido dos gregos, de Shakespeare e de pouco mais. (...) E realmente pensando melhor, passados tantos anos, vejo que a falta de tragédia é que torna tão insípidas a nossa história e a nossa literatura. De humano, em grande parte, tivemos Inês de Castro, um pouco de Frei Luís de Sousa, e páginas da História Trágico-Marítima. De interesse universal, de valor transposto ao teatro, ao bailado, a novas interpretações, só na verdade a maravilhosa coroação daquela que depois de morta foi rainha.
Passados pouco meses, a liberdade mental de Adolfo Casais Monteiro meteu-o na cadeia. Apareceu, então, como professor de português o animal que regia latim e que a meu respeito tinha a mais fraca das opiniões. Começou para mim o Calvário de dividir orações, encontrar os complementos directos, transitar no intransitável, gramaticalizar de novo os Lusíadas de Camões. Murchei.
quarta-feira, 20 de maio de 2020
A tecnologia... A bênção dos homens!
«A humanização da tecnologia ao serviço da aprendizagem»! A sério?
Estes "modernistas de circunstância", sempre atentos às oportunidades de um qualquer COVID, têm esta tendência de se enredar nestes delírios, ligando a humanidade a tudo, até mesmo à tecnologia, a um robot, talvez, assim ao jeito de quem diz: olha só…, como é tão humano!segunda-feira, 18 de maio de 2020
O vírus, um poema de Ana Luísa Amaral e as tragédias que se eclipsaram
Enquanto isso, o "sujeito" pode ser "simples e composto"
Daniel Lousada [ARTIGO EM PDF >>>]
Com a chegada do "vírus" [hoje é o vírus, amanhã outra coisa será], de repente, todas as tragédias do mundo desapareceram. Desapareceram não, eclipsaram-se, tal como a Lua durante um eclipse, que sabemos estar onde está, mas escondida: as tragédias continuam a ocorrer, só que ainda mais distantes dos olhares, quase sempre indiferentes, dos que assistem à tragédia, protegidos por uma tela. As televisões não vêem razão para procurar tragédias, lá longe, nos mares da Grécia ou noutro mar qualquer!
Serão agora mares "livres" de refugiados, à procura de paz nas suas praias?
Nós por cá, com as escolas fechadas e as crianças recolhidas em casa, alimentamos os nossos medos, com doses diárias de estatísticas de infectados. Enquanto isso, na escola da rtp memória, a professora diz que "tão e tanto" têm o mesmo significado, que o "sujeito" pode ser "simples e composto"...
Como eu gostaria de ouvir contar aos nossos jovens, através das histórias e dos poemas que o professor lhes lê, longe de exercícios de gramática, que eles são bem complexos, como sujeitos!
Não me interpretem mal. Não quero desvalorizar a importância dos "sujeitos compostos", nem tão pouco o estudo da gramática. E muito menos quero pôr em causa o trabalho militante dos professores, que dão a cara pela escola na tv. Mas, a sério, acham mesmo importante, entrarem-nos sala adentro, com exercícios de sintaxe? E querem que os pais mandem os filhos fazer com isso, o quê?
Sei que, em tão pouco tempo, seria difícil inventar outro modelo. E, no entanto, alimentei a secreta esperança de ver a tv, a agarrar os nossos jovens aos saberes que a escola tem de melhor, através de outras coisas, mais de acordo com..., como direi..., o seu ADN. O meio pode não ser a mensagem, como diz Alvin Toffler, mas faz parte dela, digo eu!
"Há tanta coisa bonita que não há", diz Manuel António Pina, num belíssimo poema: "coisas que já houve e já não há, livros por ler, coisas por ver (...) Tantas lembranças de que não me lembro, sítios que não sei, invenções que não invento"... Nem tudo são coisas bonitas certamente, algumas são mesmo muito feias, mas sobre as quais é tão importante falar, e zangarmo-nos com o que não tem razão de ser, e exorcizar os nossos medos, e... ... ...
E a escola? A escola está onde está, e lá estará quando voltarmos. Para já, só temos de manter a ligação!
Mas o que é da escola, da escola é: não precisamos de mandar tudo o que a escola tem para casa, até porque nem tudo chega a todas as casas, e muito menos da mesma foram!
Daniel Lousada [ARTIGO EM PDF >>>]
Com a chegada do "vírus" [hoje é o vírus, amanhã outra coisa será], de repente, todas as tragédias do mundo desapareceram. Desapareceram não, eclipsaram-se, tal como a Lua durante um eclipse, que sabemos estar onde está, mas escondida: as tragédias continuam a ocorrer, só que ainda mais distantes dos olhares, quase sempre indiferentes, dos que assistem à tragédia, protegidos por uma tela. As televisões não vêem razão para procurar tragédias, lá longe, nos mares da Grécia ou noutro mar qualquer!
Serão agora mares "livres" de refugiados, à procura de paz nas suas praias?
Nós por cá, com as escolas fechadas e as crianças recolhidas em casa, alimentamos os nossos medos, com doses diárias de estatísticas de infectados. Enquanto isso, na escola da rtp memória, a professora diz que "tão e tanto" têm o mesmo significado, que o "sujeito" pode ser "simples e composto"...
Como eu gostaria de ouvir contar aos nossos jovens, através das histórias e dos poemas que o professor lhes lê, longe de exercícios de gramática, que eles são bem complexos, como sujeitos!
Não me interpretem mal. Não quero desvalorizar a importância dos "sujeitos compostos", nem tão pouco o estudo da gramática. E muito menos quero pôr em causa o trabalho militante dos professores, que dão a cara pela escola na tv. Mas, a sério, acham mesmo importante, entrarem-nos sala adentro, com exercícios de sintaxe? E querem que os pais mandem os filhos fazer com isso, o quê?
Sei que, em tão pouco tempo, seria difícil inventar outro modelo. E, no entanto, alimentei a secreta esperança de ver a tv, a agarrar os nossos jovens aos saberes que a escola tem de melhor, através de outras coisas, mais de acordo com..., como direi..., o seu ADN. O meio pode não ser a mensagem, como diz Alvin Toffler, mas faz parte dela, digo eu!
"Há tanta coisa bonita que não há", diz Manuel António Pina, num belíssimo poema: "coisas que já houve e já não há, livros por ler, coisas por ver (...) Tantas lembranças de que não me lembro, sítios que não sei, invenções que não invento"... Nem tudo são coisas bonitas certamente, algumas são mesmo muito feias, mas sobre as quais é tão importante falar, e zangarmo-nos com o que não tem razão de ser, e exorcizar os nossos medos, e... ... ...
E a escola? A escola está onde está, e lá estará quando voltarmos. Para já, só temos de manter a ligação!
Mas o que é da escola, da escola é: não precisamos de mandar tudo o que a escola tem para casa, até porque nem tudo chega a todas as casas, e muito menos da mesma foram!
sábado, 16 de maio de 2020
Desenvolvimento do sentido da autonomia na Escola … e em casa?
Claire Ravez
Versão portuguesa de Luís Goucha [LER EM PDF]
A autonomia escolar não é uma “autonomia geral”, uma capacidade geral e transversal, a adaptar-se a qualquer tipo de situação, mas uma autonomia específica, articulada com uma cultura escrita e com dispositivos objectivos.
Versão portuguesa de Luís Goucha [LER EM PDF]
A autonomia escolar não é uma “autonomia geral”, uma capacidade geral e transversal, a adaptar-se a qualquer tipo de situação, mas uma autonomia específica, articulada com uma cultura escrita e com dispositivos objectivos.
quinta-feira, 14 de maio de 2020
Arrisquemos ser autores na profissão que escolhemos
António Nunes e Daniel Lousada
[LER EM PDF >>>]
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Quando os discursos sobre o futuro da escola mais se fazem ouvir, maior a necessidade de revisitar o espírito transformador dos pedagogos que nos precederam, na convicção de que é a compreensão do passado que marca a experiência actual, e é na história presente que o futuro − seja ele o que vier a ser − se fecunda.
A escola é um «espaço de professores transmutados em actores» – diz António Nunes – em vez do que seria desejável: um espaço condizente com o projecto cultural que abraça, «de professores-autores, capazes de repensarem as suas práticas, de as modificarem e recriarem constantemente»[1], tal como os professores dos primeiros anos do século XX, os tais que Daniel Hameline descreve como «os anos loucos da pedagogia». Daqui o nosso argumento: não há forma de reconstruir aquele espaço, que não passe pela pedagogia, que não passe pelo regresso do “professor-pedagogo”, por uma espécie de reinvenção dos «anos loucos da pedagogia».
Colocada nestes termos, a empresa parece ser nada menos que enorme! Porquê? Porque, como refere Hameline[2], de certa forma, «os professores foram e serão sempre actores aos quais não será concedido, nem pelos poderes públicos, nem pelos seus interlocutores directos [colegas, pais, alunos], nem pela sua própria consciência, o direito de fazerem as coisas à sua maneira». Contradição, insanável, com o desejável de António Nunes? Não, de todo: antes resistência ao espirito transformador, que caracteriza a vida de uma instituição.
De repente, a escola vê-se subitamente desalojada [provisoriamente, é certo] do espaço [físico] onde, ao longo dos tempos, se foi afirmando, sem grandes transformações! São outros os cenários que, inesperadamente, se apresentam, e os professores percebem, rapidamente, que a peça onde têm sido actores, não tem condições para se manter em cena. Percebem que a “escola em casa” não é escola! Nem vale a pena fazer de conta. No entanto, vale a pena fazer tudo o que estiver ao seu alcance para não deixar que a escola se perca. Então, de certa forma, mais «libertos de programas, horários, hierarquias, e, talvez, também, dos olhares dos colegas e dos sindicatos», para usar as palavras de François Dubet[3], os professores têm a oportunidade única de, com menos constrangimentos, arriscar assumir a liberdade de “fazerem as coisas à sua maneira”[4] [aquela mesma maneira de fazer as coisas que é própria dos autores] e, de olhos postos no futuro, que a escola de certeza terá, reaprender a profissão.
A escola não voltará a ser mais a mesma, como dizem? Sem dotes adivinhatórios, podemos dizer apenas que, tal como antes, o acto pedagógico nunca é igual, que «a história da educação escolar não se repete: insiste»[5]. O nosso desafio passa, então, pela compreensão do sentido desta insistência, das suas prioridades, dos equilíbrios a promover, tão fortemente abalados hoje.
A educação escolar faz-se de equilíbrios.
Colocada nestes termos, a empresa parece ser nada menos que enorme! Porquê? Porque, como refere Hameline[2], de certa forma, «os professores foram e serão sempre actores aos quais não será concedido, nem pelos poderes públicos, nem pelos seus interlocutores directos [colegas, pais, alunos], nem pela sua própria consciência, o direito de fazerem as coisas à sua maneira». Contradição, insanável, com o desejável de António Nunes? Não, de todo: antes resistência ao espirito transformador, que caracteriza a vida de uma instituição.
De repente, a escola vê-se subitamente desalojada [provisoriamente, é certo] do espaço [físico] onde, ao longo dos tempos, se foi afirmando, sem grandes transformações! São outros os cenários que, inesperadamente, se apresentam, e os professores percebem, rapidamente, que a peça onde têm sido actores, não tem condições para se manter em cena. Percebem que a “escola em casa” não é escola! Nem vale a pena fazer de conta. No entanto, vale a pena fazer tudo o que estiver ao seu alcance para não deixar que a escola se perca. Então, de certa forma, mais «libertos de programas, horários, hierarquias, e, talvez, também, dos olhares dos colegas e dos sindicatos», para usar as palavras de François Dubet[3], os professores têm a oportunidade única de, com menos constrangimentos, arriscar assumir a liberdade de “fazerem as coisas à sua maneira”[4] [aquela mesma maneira de fazer as coisas que é própria dos autores] e, de olhos postos no futuro, que a escola de certeza terá, reaprender a profissão.
A escola não voltará a ser mais a mesma, como dizem? Sem dotes adivinhatórios, podemos dizer apenas que, tal como antes, o acto pedagógico nunca é igual, que «a história da educação escolar não se repete: insiste»[5]. O nosso desafio passa, então, pela compreensão do sentido desta insistência, das suas prioridades, dos equilíbrios a promover, tão fortemente abalados hoje.
A educação escolar faz-se de equilíbrios.
Philippe Meirieu [6] aponta três polos determinantes e constitutivos da Pedagogia: «um Polo Axiológico [contendo os valores, as atitudes, etc.], um Polo Cientifico [por onde circulam os saberes específicos das matérias a ensinar] e, finalmente, um Polo Praxeológico [onde encontramos as opções das práticas educativas, assim como os diferentes utensílios que as sustentam e lhe dão um corpo coerente na intervenção educativa]». Três polos que se equilibram entre si, para que a educação escolar decorra sem grandes sobressaltos.
Se, aparentemente, no plano das intenções e apenas neste plano, com a “escola em casa”, poder-se-ia dizer que, no essencial, os valores e as atitudes a desenvolver ou os saberes específicos das matérias a ensinar, não estarão em causa [quando muito, poderemos ver reduzidas matérias a ensinar], o mesmo não se poderá dizer das opções, quanto às práticas educativas e utensílios que as sustentam, um facto que, por si só, fragiliza o equilíbrio entre estes três polos, constitutivos da pedagogia[7]. Aproveitemos, então, este estado da escola, para experimentar «fazer reset daquilo que achamos que é ensinar»[8]. Trata-se, usando a linguagem informática, de reiniciar o sistema, o que, como é próprio de qualquer reinício, nos remete à origem do nosso pensamento pedagógico e, na perspectiva que nos traz aqui, nos convida a revisitar o espírito transformador dos pedagogos, que nos precederam, na procura de um “upgrade”, que nos permita reconstruir o equilíbrio há muito perdido [ou talvez nunca conseguido], e que esta crise aprofundou.
Subitamente, de uma “escola em crise”, passámos a uma “escola em suporte básico de vida”, a lutar pela sua sobrevivência! Face ao risco de colapso das suas funções vitais, vimo-nos obrigados a ligá-la, literalmente, às máquinas. Temos, portanto, uma escola com muitos dos seus órgãos afectados, alguns talvez em risco de falência, e que procuramos, a todo o custo, que recupere, sem sequelas irreversíveis! Sermos ou não bem-sucedidos, nesta procura, dependerá, em grande medida, daquilo que fizermos [e não fizermos, também], a partir do que sabemos hoje. Não sabemos muito, é certo, mas o que sabemos convida-nos a alguma prudência.
Sabemos que os alunos gostam da escola, mas não gostam das nossas aulas; como abordar esta situação, agora que a escola de que gostam, pelo menos no futuro imediato, não existe plenamente? Sabemos que muitos deles, só conseguem acompanhar a escola com a ajuda do professor, e se ele não estiver presente, em momentos críticos da aprendizagem, alguém terá de estar por ele;que fazer quando a capacidade de trabalhar autonomamente não existe?[9] São tudo coisas que vêm de há muito, obviamente, mas por razões que a razão desconhece, optámos, vezes demais, por ignorar.
Finalmente, se dúvidas houvesse, temos a confirmação de que a tecnologia não pode tudo, embora algumas vozes insistam em querer convencer-nos do contrário: que ela pode substituir muita coisa, até professores! São as vozes dos que acham que os professores podem ser reduzidos a simples peças de uma engrenagem, e que a tecnologia pode dispensar a pedagogia com vantagem. Numa escola assim, nem actores conseguimos ser!
Cuidemos, então, do reinício da escola; façamos «reset daquilo que achamos que é ensinar»; testemos o que a tecnologia pode fazer pela escola [não a escola por ela], como outros fizeram no passado, e arrisquemos ser autores, capazes de repensar as nossas práticas, de modificá-las e recriá-las. Revisitemos, por exemplo, Célestin Freinet, entusiasta das tecnologias do seu tempo: o que faria com as tecnologias de que dispomos?; como veria a imprensa, a correspondência, o jornal escolar?; teriam o mesmo sentido, cumpririam as mesmas funções?; deixar-se-ia entusiasmar pelos jornais digitais, pela correspondência electrónica, pelas redes sociais? Passada a crise, teremos capacidade de evitar, que a educação caia na relação Cliente/Prestador de serviços, há muito desejada pelos construtores de plataformas digitais, a quem a escola, num estado de necessidade, escancarou as portas? Revisitemos Sérgio Niza e o “Modelo de Organização do Trabalho de Aprendizagem” dos Professores da Escola Moderna: o Conselho e o Diário de Turma [descendentes da Assembleia Cooperativa e do Jornal de Pa- rede, de Freinet], os pequenos projectos de caracter curricular, organizados com os alunos. Revisitemos John Dewey, António Sérgio, Rui Grácio, Adolphe Ferrière, Paulo Freire, Maria Amália Borges, ... e tantos outros.
Arrisquemos ser autores na profissão que escolhemos.
__________________________
1 António NUNES “Refletir a Pedagogia”, Ágora Gaia, 2017.
2 Citado por António NÓVOA. “Os lugares da teoria e os lugares da prática da profissionalidade docente”, in Revista Educação em Questão, Natal, v. 30, n. 16, p. 197-205, set./dez. 2007.
3 In Après le virus, l’école sera-t-elle comme avant? www.cahiers-pedagogiques.com
4 Que passa pela «aceitação positiva de uma dupla contradição: a contradição da obediência rebelde e a contradição de prever o imprevisível», de acordo com Hameline, «uma das componentes da nova profissionalidade». António NÓVOA, ibidem.
5 «O gago não repete: insiste. A história da educação escolar não se repete: insiste. (...) Esta espécie de gaguejar intriga-me. O que devemos fazer da juventude, o que devemos fazer por ela, é fazê-la fazer. Como o fizemos nós próprios, mas de outra forma. Ambivalência do desejo de educar: que os que chegam sejam eles mesmos e que, ao mesmo tempo, sejam algo de nós. Que recebam. Que se envolvam. Que sejam envolvidos. Que se libertem». Daniel HAMELINE, “Prefácio”, in Philippe MEIRIEU, École Mode d’emploi. L'école, mode d'emploi. Paris, ESF éditeur, Paris 2000.
6 Conferência realizada por Philippe MEIRIEU na Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação de Lisboa, a 17 de Fevereiro de 2009.
7 Valores e atitudes não são conteúdos de um programa que se passem “de cátedra”, através de formas tradicionais de ensino: decorrem dos modelos de organização educativa em que se inscrevem. Para além do que, e mais importante ainda, não conseguimos «encontrar nenhum sentido coerente para a educação, se alguma coisa comum não acontecer num espaço público». Maxine GREEN, in António NÓVOA, “Ilusões e desilusões de educação comparada”. Educação, Sociedade & Cultura, no 51, Edições Afrontamento, Porto 2017.
8 Ilídia CABRAL [prof. Faculdade de Educação e Psicologia da U.
Católica], in TSF, Rádio Notícias.
9 Não é por acaso que, dos elogios aos professores, que se mobilizaram para se ligarem aos seus alunos, passamos rapidamente à manifestação crítica daqueles que não têm como ajudar os seus filhos a cumprir com o que os seus professores lhes pedem.
terça-feira, 12 de maio de 2020
Amarrada a protocolos sanitários, a escola não é escola
Versão em português de Daniel Lousada [LER EM PDF]
domingo, 10 de maio de 2020
Um abecedário resumido para questionar a "escola em casa"
Cécile Morzadec e Laurent Reynaud
Versão em português de Luís Goucha [LER EM PDF >>>]
(...)
IMAGINAÇÃO
Porque nada nem ninguém nos preparou para o ensino à distância, precisamos imaginar outras formas de envolver os alunos nas suas aprendizagens, através de jogos e desafios à imaginação. Em vez de reduzir a continuidade pedagógica a uma acumulação de actividades, que mais se assemelham trabalhos de casa, não seria este o momento de estimular a inventividade dos alunos e ajudar desenvolver a sua imaginação? IMAGINAÇÃO
segunda-feira, 4 de maio de 2020
Todas as cartas de amor são ridículas
Um poema de Fernando pessoa. Uma Actriz para interpretá-lo - Maria de Medeiros - A poesia, o texto literário, num cruzamento de línguas.
Num tempo em que se fala tanto de "flexibilização curricular" [falava-se até há bem pouco] e da importância dos projectos interdisciplinares, talvez esteja aqui uma inspiração que possa juntar professores das diferentes línguas, com os seus alunos, num projecto comum: A poesia, o texto literário, num cruzamento de línguas.
«Há alguns meses propus a Maria de Medeiros, pela ARTE, uma experiência poética e uma interpretação um pouco especial: dizer um poema de Fernando pessoa nas três línguas que a actriz controla perfeitamente: o português (a Língua original do poema), o francês e o alemão. Escolhemos "todas as cartas de amor são ridículas", um belo poema de Fernando pessoa.
Num tempo em que se fala tanto de "flexibilização curricular" [falava-se até há bem pouco] e da importância dos projectos interdisciplinares, talvez esteja aqui uma inspiração que possa juntar professores das diferentes línguas, com os seus alunos, num projecto comum: A poesia, o texto literário, num cruzamento de línguas.
«Há alguns meses propus a Maria de Medeiros, pela ARTE, uma experiência poética e uma interpretação um pouco especial: dizer um poema de Fernando pessoa nas três línguas que a actriz controla perfeitamente: o português (a Língua original do poema), o francês e o alemão. Escolhemos "todas as cartas de amor são ridículas", um belo poema de Fernando pessoa.
Não se trata aqui de uma simples tradução, onde se sucederiam passivamente as três línguas, mas de algo mais complicado e mais misterioso.
O poema é dito em português e traduzido simultaneamente em francês e em alemão por Maria de Medeiros.
Três línguas cruzam-se, continuamente. Uma trança linguística poética maravilhosamente interpretada pela Maria de Medeiros.
É um momento raro».
Tradução francesa: Pedro Igreja-Costa. Tradução Alemã: Inês koebel
Tradução francesa: Pedro Igreja-Costa. Tradução Alemã: Inês koebel
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