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Philippe Meirieu [pedagogo] e Abdennour Bidar [filósofo] encontram-se na escrita do livro “Crescer em Humanidade”. Na entrevista ao “Café Pédagogique” lamentam as controvérsias que cercam a pedagogia de ataques cegos, que não aproveitam a ninguém e confundem o espaço público em vez de o iluminar. Recusando esta lógica, decidiram aproveitar o tempo que os juntou na escrita deste livro, para reflectir sobre o que importa, hoje, na educação, cada um com a sua sensibilidade e referências de análise.
“Faire société”* é o tema que abre o livro. Sem se deter na observação das fracturas sociais e aumento do comunitarismo**, debruça-se antes sobre as mudanças antropológicas que estamos a viver, questionando-as na busca de respostas: como é que as escolas são afectadas por estas mudanças e como enfrentá-las? Isto mostra-nos, de imediato, a ausência de uma direcção clara, de um “projecto educativo fundador”. Philippe Meirieu e Abdennour Bidar defendem, então, que a educação e a escola só recuperarão a sua legitimidade social se exprimirem um projecto educativo de emancipação colectiva, que questione a procura cega da “eficiência escolar”, assente na lógica da “evidência”.
Ao reverem Bachelard que, no final da "La Formation de l'esprit scientifique", considera que a escola não deveria ser modelada pela sociedade, mas aquela a contribuir para a construção desta, interrogam-se sobre a possibilidade de uma mudança radical de paradigma na educação. Tudo isto daria a possibilidade de nos mobilizarmos para construir, ao mesmo tempo, uma instituição e uma sociedade, com valores capazes de construir um futuro, no futuro, ultrapassando ajustamentos na distribuição de poderes, na organização de programas, etc. O que implicaria, necessariamente, um debate profundo à volta da liberdade pedagógica.
Recusando a liberdade pedagógica como porta aberta a caprichos individuais, apela a que nos interroguemos sobre como esta pode contribuir para a unidade do sistema, e em que condições este sistema pode encorajar a liberdade pedagógica dos seus actores. Insistem na ideia de que questão da liberdade pedagógica e da coerência do sistema é essencial, mas que a coerência do sistema não pode continuar a sobrepor-se à liberdade pedagógica. Embora considerando que a crise de recrutamento de professores está, em larga medida, ligada à questão remuneratória, acreditam que o problema do reconhecimento dos professores não é apenas material, mas também simbólico. O apelo a fazer vai, assim, no sentido de que os professores sejam considerados como actores e autores responsáveis e não como meros executantes de processos estandardizados.
Uma “escola de tecelagem” é a proposta. Uma escola onde são tecidas ligações entre todos, se tecessem laços entre os humanos e o planeta, profundamente solidários. Uma escola construída em redor de um colectivo solidário à escala humana. Uma escola em que o “mínimo gesto” esteja em conformidade com os princípios educativos: acesso à liberdade, igualdade no direito de acesso de todas e todos à educação e à prática concreta e quotidiana da fraternidade, através da ajuda e mútua cooperação.
Demasiadas vezes, as nossas instituições são esquizofrénicas: exibem ambições e traem-nas alegremente nas suas práticas. Abdennour e Meirieu quiseram escapar a este defeito e perguntaram-se uma e outra vez: como encarnamos os nossos valores nas nossas práticas?
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