segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Da "Escola a Tempo Inteiro" ou de como o tempo todo das crianças foi tomado pela Escola *

Daniel Lousada

«A Escola a Tempo Inteiro é uma vergonha nacional - diz Carlos Neto, na entrevista que concedeu ao Jornal Público - As crianças não podem ser vítimas do trabalho dos pais. O tempo escolar tem que ser apreciado de uma forma nova».

O apoio à família podia ser diferente? Podia! Se ao tempo fosse decidido outro caminho, se os poderes públicos antes de decidirem, começassem pela pergunta: De que forma é que as famílias têm resolvido o problema da guarda dos seus filhos? Sem respostas à pergunta [porque não procurada], optou-se então pela decisão mais fácil, que não obriga a compromissos com as escolas e as famílias organizadas na resposta. E o resultado está à vista: o tempo da escola a invadir o tempo todo das crianças!

Será possível reverter o que Carlos Neto chama de "vergonha nacional"? Não sei! Com as redes informais de apoio, entretanto destruídas, e não estando nem aí quem estava na linha da frente destas redes, o trabalho a desenvolver seria mais do que imenso. Seria necessário montar de raiz [ou quase] toda uma estrutura de apoio, que as escolas, por si só, sem o apoio empenhado das famílias, nunca serão capazes de montar [e daqui o problema maior]: seria preciso convencer os pais, muitos dos quais confortáveis com a resposta que lhes é oferecidaa investir um pouco do seu tempo e energia na procura de respostas mais amigas dos seus filhos, levando-os a revisitar projectos de sucesso, entretanto abandonados; seria necessário convocar outros actores eventualmente disponíveis [associações de todo o tipo, ligadas à cultura, ao lazer, etc.], sensibilizando-os para a importância do seu contributo nesta área. E, muito importante, seria necessário, na presente conjuntura, que as autarquias dessem um sinal positivo nesse sentido, dispondo-se a apoiar alternativas credíveis, com recursos que poderiam ser, talvez, próximos dos disponibilizados às soluções existentes.** 

Como as famílias não estão, certamente, disponíveis para aceitar o que têm por coisa nenhuma, haverá, da parte das escolas, disponibilidade bastante para contribuir para uma alternativa credível? E da parte do poder autárquico, haverá vontade política para as acolher? Não sei. Os sinais que chegam da parte de algumas autarquias não são lá muito animadores! Indiferente às vozes que denunciam a insensatez desta "escola a tempo inteiro", vejo o município de Vila Nova de Gaia a insistir não só cavalgar mas a aprofundar o mesmo caminho, impondo agora às submissas Direcções de Agrupamentos Escolares, a flexibilização dos horários do 1º Ciclo, de maneira a acomodar as actividades de "complemento curricular", obrigando a remeter para o final do dia, áreas do currículo que aconselham a disponibilidade de cabeças mais frescas e descansadas. A "política" tem destas coisas: pessoas que nos habituamos a respeitar chegam a ministros, ou presidentes de câmara, e parecem perder a capacidade de pensar. 

___________________

Este texto teve uma versão anterior que foi inadvertidamente apagada. Como não foi conservada qualquer cópia, o que agora se apresenta foi escrito a partir das notas e da memória que ficou do texto anterior. A quem nos leu e queria reler a versão anterior apresentamos as nossas desculpas.

** O projecto piloto desenvolvido no conselho de Famalicão, que procura testar uma proposta mais amiga das crianças, merece a nossa atenção [VER AQUI >>>]

Sem comentários:

Enviar um comentário