Hoje, por diversas razões, apeteceu-me retomar as minhas “escritas” que tinha interrompido por algum cansaço de cacofonias e a necessidade de controlar a impulsividade que sentia para comentar os “excessos” da (des)informação…
Tive a sorte de me “cruzar” com a excelente crónica de Tolentino Mendonça que a amiga Rosário Caldeira tão bem seleccionou e publicou na sua página de facebook. Repeti o título que é tão amplo e permito-me citar este trecho:“Há um dom naquelas estações em que a vida se resolve transparente, se movimenta em harmonia e tudo habilmente coincide.”
E é nessa harmonia que me quero inspirar para hoje recordar as mulheres “sem fotos” que preencheram a vida que corria na minha cidade. Lembro alguns rostos, alguns nomes mas sobretudo vidas de trabalho, cansaço e pouco rendimento mas que aliviavam as de alguns citadinos.
Neste cortejo de rostos, recordo as “lavadeiras”! que vinham de Alfaião, com os burros carregados de roupa lavada com restos de cinzas e sabão feito, e que em casa branqueavam ao sol. Um ritual de domingo, na casa da minha mãe, era receber a lavadeira, contar as peças da semana anterior e fazer a listagem das peças para lavagem na semana seguinte. Essa tarefa era minha desde que comecei a saber escrever. Lembro depois que a lavadeira almoçava connosco, fruto daquela afabilidade apanágio da minha mãe.
Recordo as leiteiras que bem cedo saiam dos seus lugarejos, ainda longe da cidade, e distribuíam o leite que invariavelmente era fervido antes de ser servido ao pequeno-almoço de quem tinha o privilégio de o poder tomar com o pão fresco, que as padeiras colocavam, enquanto nascia o dia, nos sacos deixados na porta de entrada de alguns mais favorecidos.
Recordo as mulheres que carregavam as estevas que acendiam os nossos fogões e as nossas braseiras, e com as quais se ousava discutir o preço do feixe das urzes; as mulheres, que iam ao mercado manhã cedo, escolhiam os dias da chegada do peixe mais fresco, transportavam na cabeça sacos carregados e que, com andares “acrobatas”, fizeram os seus estragos nas “posturas” que se materializaram nas artroses precoces.
Era um tempo de percursos feitos a pé ou de burro, sem “luzes”, só de alguma esperança, com neve, frio, chuva ou sol…por caminhos enviesados, em madrugadas mal acordadas e regressos a casa com bolsos de dinheiros esmolados, porque todos discutiam preços.
Não sei se se chamavam Marias, Aidas, Antónias ou Guilherminas… Sei que eram mulheres de força, algumas viúvas de homens vivos, interessadas na educação dos seus filhos e que foram envelhecendo em silêncios nunca partilhados.
Não! Nesse tempo não era nada bom! |
Lembro, a propósito, uma homenagem feita recentemente às carquejeiras que “invadiam a cidade do Porto”, até há 70 anos, e que um grupo de mulheres de boa vontade teve o ensejo de lhe prestar homenagem.
Quero voltar a minha Bragança, percorrer ruas e praças e verificar se, em algum tempo e em algum lugar, vejo essas gloriosas anónimas serem relembradas com a força e o respeito que merecem. Estou farta de títulos e de condecorações que hoje “te dou a ti” para tu, mais tarde, “dares a mim” ou a um dos meus…
Sem comentários:
Enviar um comentário