quinta-feira, 7 de março de 2024

A reestruturação dos Ciclos do Ensino Básico.

Daniel Lousada

No século passado ainda [final dos anos oitenta, inícios dos noventa talvez], foi lançada a ideia de estender o modelo de monodocência até ao sexto ano, eliminando desta forma o 2º Ciclo do ensino Básico. Julgo que a formação de professores do Ensino Básico, que junta a uma formação generalista uma variante disciplinar, contemplava já esta possibilidade. A ideia não avançou, e continuamos onde estamos. 

Os argumentos a favor ou contra esta ideia são conhecidos. Há-os para todos os gostos na net. Não vou, portanto, listá-los aqui. Começo então por comentar a opinião daqueles que, ao verem este tema discutido no relatório "Educação 2022", defendem que, "numa altura de grande escassez de professores, presente e futura, nada acontece por acaso"[1]. Também nesta coisa dos acasos é possível encontrar acasos para todos os gostos. Quando, no tempo do governo de Passos Coelho, a fenprof parecia abrir porta à divisão do currículo do 1º Ciclo em "fatias"[2], dizia-se, não por acaso também, haver excesso de professores. Não é portanto por acaso que, nesta sucessão de acasos, sejam ora os interesses da tutela ora os interesses corporativos a trazer o tema da fusão entre ciclos para a agenda.

Uma coisa parece certa: de acordo com o jornal Público, o tema é assunto, pelo menos, no programa da A.D., mas desconheço em que termos. Nisto da leitura de programas eleitorais, sou como a generalidade dos portugueses: fico-me pelo que se diz. Por vezes, é certo, nestas coisas, nem o que se escreve se faz, quanto mais o que se diz. Mas, à cautela, o melhor é estarmos atentos e prepararmos-nos para reagir ao que pode vir por aí.

A fusão de ciclos, mantendo a monodocência, ou avançando com a pluridocência a partir do 3º ano, são hipóteses pensadas no passado. Fica por saber o que esta pluridocência significa. É que entre a docência partilhada com um professor coadjuvante, e a divisão do currículo em disciplinas, leccionadas por professores especialistas nos respectivos conteúdos disciplinares, a diferença é enorme. 

Há compatibilidade entre monodocência e pluridocência? Sim. Não é preciso dispensar o modelo em vigor no 1º Ciclo, para permitir a entrada de professores especialistas desta ou daquela área disciplinar. Têm é de entrar para apoiar e não para substituir o professor titular, à semelhança do que acontece, por exemplo, com a educação especial. Mas isto, a meu ver, implica que se repense o serviço de apoio aos professores e seus alunos, e o perfil dos respectivos especialistas [3].

No 1º Ciclo, o que se passa com a disciplina de inglês, nas situações que observo, reflecte um modelo incompatível com o regime de monodocência. Faz parte do currículo deste Ciclo, mas parece um corpo estranho a correr fora dele. Para mim, que apoio, convictamente, a extensão da monodocência até ao 6º ano, não me faria impressão alguma ver a língua inglesa a partir mesmo do 1º ano, desde que a sua entrada se desse como mais um instrumento de cultura que nos liga ao mundo, interligada com outras componentes do currículo [4]. Como nem todos os professores do 1º Ciclo sabem o mínimo dos mínimos, indispensável para ensinar inglês, há o especialista que os coadjuva, podendo o professor do 1º Ciclo, que se mantém na sala de aula, como figura tutelar de referência, aprender com ele, apoiando os seus alunos enquanto aprende com eles [5]. Seria a aprendizagem cooperativa professor/aluno, no seu melhor, atrevo-me a dizer.

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[1] Comentário partilhado na página do Facebook de "Inquietações Pedagógicas".
[2] "A reorganização do 1º CEB que se defende, (...) implica o fim do regime de docência com um único professor para todas as áreas curriculares" [Jornal da FENPROF nº 274, Dezembro 2014, p.18].
[3] Aqui não posso deixar de entrar num assunto que, talvez, não seja do agrado dos professores de educação especial que, a meu ver, não são todos especialistas na área de especialização de que a escola precisa. Por exemplo, o que aprendi sobre deficiência mental, serviu-me de muito pouco [para não dizer nada], no apoio que fui chamado a prestar às crianças portadoras daquele tipo de deficiência. Mas isto são fados de outro fadário, que ficam para “cantar”.
[4] Sérgio Niza defendia, há alguns anos, que os conteúdos nucleares do 1º Ciclo são os Estudo do Meio, identificando os conteúdos da língua portuguesa e da matemática, como instrumentos de cultura, naquela visão integrada que tem caracterizado o seu currículo
[5] Assim, por exemplo, quando na área do Estudo do Meio, no Bloco 1 - À descoberta de si mesmoas crianças são levadas a identificar-se pelo seu nome, a identificar os seus pais e outros familiares, e respectivas profissões, os amigo, o lugar onde vivem, etc., poderiam brincar com a língua inglesa: I am ..., my name is ..., my best friend is ..., etc.

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