domingo, 4 de outubro de 2020

FACE AO VÍRUS DO INDIVIDUALISMO, DEIXEMO-NOS CONTAGIAR PELOS IDEAIS DA “EDUCAÇÃO NOVA”*

Philippe Meirieu
Versão condensada, em português, de Daniel Lousada **

Este é um tempo de humildade, mas também de solidariedade e determinação. A nossa sociedade precisa de uma escola pública onde possamos aprender em conjunto, e de um trabalho incansável, que nos envolva a todos, no desenvolvimento do desejo de aprender.

A crise sanitária que atravessamos terá sem dúvida um efeito profundo sobre nós, de que teremos ainda lições a retirar: lições de humildade perante a descoberta da imensa fragilidade do nosso modelo de civilização; lições de solidariedade face ao reco­nheci­mento de que dependemos uns dos outros; lições de determinação, também, face à urgência de cuidarmos da sobrevivência do nosso planeta, que o mesmo é dizer da nossa própria sobrevivência.

O confinamento e agora, muito a medo, o regresso à escola, confirmam a importância das condições materiais de aprendizagem e, ainda [se é que precisávamos de confirmação], que o desejo de aprender e a vontade de sa­ber, tão necessários à nossa emancipação, não são inatos, exigindo, por isso, mobilização de todos, num trabalho educativo exigente.

Sabemos que a Escola, mais do que um conjunto de espaços onde os nossos filhos aprendem, é uma instituição [etimologicamente “o que nos institui, nos faz levantar"] criada e organizada para que as nossas crianças aprendam umas com as outras e connosco, partilhem conhecimentos e tenham acesso aos valores, que lhes permitem sentir-se cidadãos numa sociedade que ajudam a desenvolver.

A "escola em casa", a desilusão do uso da tecnologia digital reduzida à aplicação de protocolos in­di­vi­du­ais estandardizados, o abandono escolar de demasiados alunos, a solidão e a angústia psicológica de muitos outros, reforçou ainda mais a necessidade de implementar uma pedagogia que se preocupe com a construção de um colectivo, que faça da cooperação entre pares a pedra angular da escolaridade.

A Escola não pode, simplesmente, distribuir conhe­cimen­tos académicos, para verifi­car, de seguida, a sua hi­potética memorização, através da aplicação de testes pa­droniza­dos. A sua vocação é permi­tir, a cada um e cada uma, "pen­sar por si", indo além de representa­ções sumá­rias, de lugares-comuns e dogmas de todo o tipo. O ensino deve con­duzir os estu­dantes na aventura do saber, onde o rigor da investigação, no respeito pela ver­dade, preva­lece sobre as satisfa­ções imediatas, de identifica­ção com um lí­der ou de obe­diên­cia a palavras de or­dem... Pre­cisa­mos de uma escola que trabalhe incan­sa­velmente na for­mação de cida­dãos lúcidos e críticos, capazes de se en­vol­ve­rem em debates se­renos, mobilizando o conhe­ci­mento ci­entífico, mas sem nunca ignorarem os valores ine­rentes a todas as decisões humanas.

A crise que vivemos confirmou a actualidade dos ideais da “Educação Nova”, e trouxe-nos a urgência de nos mobili­zarmos colectiva­mente à sua volta. Mobili­zarmo-nos em todos os sectores da educação, e não apenas no da educa­ção escolar, na luta con­tra todas as formas de discrimina­ção, no acesso a uma cul­tura de qualidade, na par­tilha so­lidária do bem comum.

A crise que atravessamos teve o condão de reforçar a im­por­tância da escola para todas as crianças, em par­ticular para as mais carenciadas ou em dificul­dade. A escola pú­blica, com o seu pro­jecto apostado na mistura social, é es­sencial na luta contra todas as formas de segregação e ex­clusão.

Precisamos que os professores [cuja tarefa é "alargar o cír­culo", dar a cada um e a todos o acesso a ri­quezas cul­turais insuspeitas] se assumam forma­dores para uma cida­dania lú­cida, não apenas através dos conhecimentos que trans­mitem, mas também, e principalmente, através dos pro­cessos de transmissão que utilizam.*** Porque há valores que não nos chegam pelo ouvido, mas pelas experiências de vida, a que só no exercício desses valores conseguimos aceder.

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* O Movimento de Educação Nova, teve a sua expressão máxima na primeira metade do século XX; os anos que Daniel Hameline identifica como “os anos loucos da pedagogia”.
** As mexidas a que foi sujeito, sem desvirtuar o pensamento do seu autor, fazem deste texto um pouco, também, de quem o condensou, nesta versão
*** Não deixando de valorizar os conteúdos, é nos processos utilizados na sua transmissão, que a importância do projecto da “Educação Nova” mais se faz sentir – Coloca em destaque a importância do que viemos, mais tarde, a identificar de currículo oculto.

domingo, 27 de setembro de 2020

Mil e uma maneiras de ser exigente

Philippe Meireu
Versão [condensada] em português de Luís Goucha
[Passar para a versão em PDF >>>]

Este é o titulo do capitulo 8 do livro “Ce que l’école peut encore pour la démocratie”, onde Meirieu nos relata um tempo de vida na sua escola e que, pese embora o tempo que se passou entretanto, não se distingue grandemente da escola de hoje.

Quando evocamos as “novas pedagogias” ou os “métodos activos” é preciso não esquecer que estes apenas têm valor pela exigência que nos impõemPartir do interesse e da expressão a criança”, não é tudo. Sobretudo, não podemos ficar só por aqui. Não nos devemos deixar seduzir pelas suas "ideias fantásticas", e deixá-los encerrar-se nas suas obsessões, fechando os olhos aos erros que cometem, para não os contrariar. Isto não é ajudar e pode mesmo tornar-se numa falta de respeitoÉ preciso que ela progrida e consiga atingir formas cada vez mais elaboradas de pensamento
(...)
Alguns professores podem deixar-se seduzir por modelos em que tudo corre bem, porque tudo está bem, mas a norma não é essaNão se pode esquecer a dialéctica do acompanhamento específico de cada um tal como é, para que ele possa, por si, aceder aos conhecimentos que lhe são propostosIgnorar esta dialéctica é ignorar o percurso individual de cada um e cortar a possibilidade de democratizar o acesso aos conhecimentos. LER MAIS >>>

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Letras trocadas

Maria dos Reis
Hoje, nas minhas leituras matinais, apareceu-me este texto, [viral na internet em 2003, relacio­nado  com a plasticidade do cérebro no que diz respeito à captação de sentido da mensagem]:

O texto remete-me para uma preocupação que me acompanhou durante todo o meu percurso profissional: as dificuldades específicas de aprendizagem na leitura e na escrita. Estas dificuldades podem transformar a ida à escola de alguns alunos, num suplício, apesar destes poderem demonstrar capacidades extraordinárias noutras áreas de expressão [teatro, pintura, desenho, educação física, etc.].

O facto da escola estar demasiado centrada nas aprendizagens académicas, limita a implementação de estratégias motivacionais mais diversificadas que, aplicadas à população em foco, permitiria atingir os objectivos pretendidos mesmo em áreas consideradas basilares.

No início de um ano lectivo completamente atípico, tenho-me lembrado muito destes alunos. Se o confinamento foi péssimo por não permitir a interacção entre pares, alguns terão sentido um alívio por não se sujeitarem às leituras em público, nem à contagem dos seus erros por parte de quem corrige os seus trabalhos [e a maior parte das vezes não se coíbe de verbalizar a frase fatal: “és sempre o/a mesmo/a”].

Que valorizar afinal?

Se por um lado temos o dever de acompanhar todos os alunos por forma a alcançar os objectivos propostos para o seu nível de ensino, a forma como seleccionamos as estratégias para o conseguir, é, efectivamente, o que conta.

Entender estes alunos, fazê-los sentir-se úteis e especiais nas diferentes áreas de aprendizagem é já motivação para trabalhar as áreas comprometidas. Hoje importam-me pouco explicações, mais ou menos científicas, para o fenómeno. Hoje interessa-me realçar a importância do envolvimento no bem-estar psicológico do aluno e o reforço a dar às famílias.

Como o texto que apresentei demonstra, afinal compreendemos o sentido das palavras, apesar do posicionamento das letras trocado... Em primeiro lugar, o que conta é o sentido. Depois, há que trabalhar a correcção do texto, convocando a ajuda dos pares. Só aprendemos quando estamos disponíveis para o fazer e nos sentimos bem com isso. Com avanços e recuos, conseguiram-se percursos académicos felizes. Tudo é possível quando nos envolvemos positivamente na tarefa e temos vontade de nos superar.

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

António Nunes


“A leitura, a escrita, a aritmética, só são importantes se tornarem as nossas crianças mais humanas”

A escola serve para isto...mas, por vezes [sempre vezes demais], encontra a dirigi-la e a avalia-la alguns “eruditos com poder de decisão” que a olham de forma enviesada, distante de um mundo que se quer feliz.

Os burocratas que atualmente a assaltam deveriam reciclar-se, alternando os gabinetes, onde se enfiaram, com os espaços autênticos onde os seres humanos se movimentam e vivem as suas vidas..., ouvindo o que verdadeiramente estes precisam para serem felizes.