Versão condensada, em português, de Daniel Lousada **
A crise sanitária que atravessamos terá sem dúvida um efeito profundo sobre nós, de que teremos ainda lições a retirar: lições de humildade perante a descoberta da imensa fragilidade do nosso modelo de civilização; lições de solidariedade face ao reconhecimento de que dependemos uns dos outros; lições de determinação, também, face à urgência de cuidarmos da sobrevivência do nosso planeta, que o mesmo é dizer da nossa própria sobrevivência.
O confinamento e agora, muito a medo, o regresso à escola, confirmam a importância das condições materiais de aprendizagem e, ainda [se é que precisávamos de confirmação], que o desejo de aprender e a vontade de saber, tão necessários à nossa emancipação, não são inatos, exigindo, por isso, mobilização de todos, num trabalho educativo exigente.
Sabemos que a Escola, mais do que um conjunto de espaços onde os nossos filhos aprendem, é uma instituição [etimologicamente “o que nos institui, nos faz levantar"] criada e organizada para que as nossas crianças aprendam umas com as outras e connosco, partilhem conhecimentos e tenham acesso aos valores, que lhes permitem sentir-se cidadãos numa sociedade que ajudam a desenvolver.
A "escola em casa", a desilusão do uso da tecnologia digital reduzida à aplicação de protocolos individuais estandardizados, o abandono escolar de demasiados alunos, a solidão e a angústia psicológica de muitos outros, reforçou ainda mais a necessidade de implementar uma pedagogia que se preocupe com a construção de um colectivo, que faça da cooperação entre pares a pedra angular da escolaridade.
A Escola não pode, simplesmente, distribuir conhecimentos académicos, para verificar, de seguida, a sua hipotética memorização, através da aplicação de testes padronizados. A sua vocação é permitir, a cada um e cada uma, "pensar por si", indo além de representações sumárias, de lugares-comuns e dogmas de todo o tipo. O ensino deve conduzir os estudantes na aventura do saber, onde o rigor da investigação, no respeito pela verdade, prevalece sobre as satisfações imediatas, de identificação com um líder ou de obediência a palavras de ordem... Precisamos de uma escola que trabalhe incansavelmente na formação de cidadãos lúcidos e críticos, capazes de se envolverem em debates serenos, mobilizando o conhecimento científico, mas sem nunca ignorarem os valores inerentes a todas as decisões humanas.
A crise que vivemos confirmou a actualidade dos ideais da “Educação Nova”, e trouxe-nos a urgência de nos mobilizarmos colectivamente à sua volta. Mobilizarmo-nos em todos os sectores da educação, e não apenas no da educação escolar, na luta contra todas as formas de discriminação, no acesso a uma cultura de qualidade, na partilha solidária do bem comum.
A crise que atravessamos teve o condão de reforçar a importância da escola para todas as crianças, em particular para as mais carenciadas ou em dificuldade. A escola pública, com o seu projecto apostado na mistura social, é essencial na luta contra todas as formas de segregação e exclusão.
Precisamos que os professores [cuja tarefa é "alargar o círculo", dar a cada um e a todos o acesso a riquezas culturais insuspeitas] se assumam formadores para uma cidadania lúcida, não apenas através dos conhecimentos que transmitem, mas também, e principalmente, através dos processos de transmissão que utilizam.*** Porque há valores que não nos chegam pelo ouvido, mas pelas experiências de vida, a que só no exercício desses valores conseguimos aceder.
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* O Movimento de Educação Nova, teve a sua expressão máxima na primeira metade do século XX; os anos que Daniel Hameline identifica como “os anos loucos da pedagogia”.
** As mexidas a que foi sujeito, sem desvirtuar o pensamento do seu autor, fazem deste texto um pouco, também, de quem o condensou, nesta versão.
*** Não deixando de valorizar os conteúdos, é nos processos utilizados na sua transmissão, que a importância do projecto da “Educação Nova” mais se faz sentir – Coloca em destaque a importância do que viemos, mais tarde, a identificar de currículo oculto.
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