terça-feira, 27 de outubro de 2020

Escola ou ensino doméstico *

Philippe Meirieu
Uma leitura para o caso português de Luís Goucha

Em França, num discurso ao país, o Presidente da República “decretou guerra” ao ensino doméstico. Uma voz levanta-se, a de Philippe Meirieu. Ele quer “limitar, o mais possível”, o ensino doméstico. Con­tudo há vários pedagogos que se manifestam con­tra esta deci­são, e provavelmente menos a favor.

Não podemos de forma nenhuma estigmatizar as famílias que fizeram esta opção pessoal, quase “intimista”, do ensino em casa. No entanto, com todas as suas lacunas, a importância da escola mantém-se incontornável.

A Escola é, antes de tudo, um lugar indispensável à socialização e que, de algum modo, faz uma rup­tura simbólica com a família. Não se trata apenas do lo­cal onde as crianças vão para aprender. É um local onde elas vão aprender a aprender com os ou­tros, para en­contrar pessoas vindas de outros sí­tios, com histó­rias diferentes, com outras convicções que não só aquelas existentes nas suas famílias.

Este encontro com a alteridade e a diferença é es­sencial para o desenvolvimento da criança. Em ter­mos de abertura de espírito, o colectivo escolar tem virtudes que o ensino familiar não permite, ou só muito excepcionalmente terá condições de ofe­recer Percebemos as objecções das associações de pais, que afirmam que a escola não tem suficiente­mente em conta as aspirações dos seus filhos no que toca à criatividade, ao contacto com a natureza e de não estar atenta aos problemas individuais, aos handi­caps de alguns que têm mais dificuldade em acom­panhar uma turma. E isso é verdade!

Se na ideia do Presidente francês a escolarização, e não só a instrução, se torna obrigatória, vai ser pre­ciso que a Educação Nacional faça um esforço real em direcção de todas estas crianças que hoje têm escola em casa. Trata-se, aqui, de ter mais em conta as suas personalidades e singularidades. Me­lho­rar também os contactos, a “mistura entre to­dos”.

A aprendizagem reduzida ao contexto familiar têm o pro­blema de não oferecer um colectivo, o grupo de que a criança precisa para se realizar. Ela tam­bém precisa de al­guém que não seja um familiar para incarnar a transmissão de conhecimentos de uma forma rigo­rosa: é importante distinguir o re­gisto familiar, que é do domínio afectivo, e o re­gisto das aprendizagens cognitivas, mesmo que não exista nenhuma bar­reira entre os dois.

O que estrutura psicologicamente a criança é: “os meus pais gostam de mim, fazem-me descobrir aquilo que eles gostam; o meu professor faz-me descobrir um mundo de modo mais amplo, independentemente das escolhas da minha família”.**

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* No original: “Face à l'instruction à domicile, Phili­ppe Meirieu plaide pour l'école, "rencontre de l’alté­rité et de la différence". LER >>>

** Vejo a família como algo próximo de uma comunidade. (…) O que é decisivo aí são as relações afectivas. (…) O que une uma comunidade são as forças centrípetas que fortalecem o vínculo em torno de algo que aproxima as pessoas.

Entretanto, a sala de aula não é uma comunidade, não pode ser uma comunidade, não deve ser. A sala de aula é uma sociedade. O que acontece aqui pode ser visto como um sintoma da sociedade em que se insere. A educação em ambiente familiar não permite a vivência destes sintomas, ou não permite com a mesma intensidade. 

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