segunda-feira, 28 de julho de 2025

Educação para a cidadania: área disciplinar ou área curricular não disciplinar?

José Gil dizia em 2019 [*] «
que estamos a mudar de paradigma sem que tenhamos aquele para o qual queremos mudar. Isto em tudo, como é o caso da Educação para a Cidadania. Havia antes uma educação para a transmissão e acumulação na área das Humanidades, agora é da Cidadania. O que é que os professores vão ensinar?» NADA — 
atrevo-me a dizer — se insistirmos em tratar como disciplina o que não é.

Educação para a cidadania e educação para a transmissão e acumulação na área das humanidades são dois tipos de educação que funcionam em planos distintos, mas se tocam e completam [**]. Dizendo isto, parto do princípio de que a educação para a cidadania não veio (ou se veio não deveria ter vindo) para roubar o espaço ocupado por outras áreas, mas para alargar o espaço que o modo de transmissão e acumulação, próprio das diferentes áreas disciplinares, convida a alargar. Diria que a educação para a cidadania obriga-nos também a viver naquele espaço impreciso, que vai daquilo que dizemos àquilo que fazemos, enquanto professores.

A Educação para a Cidadania não tem vocação de disciplina. É área curricular não disciplinar. Só foi “elevada” (ou melhor, despromovida) à condição de disciplina porque os 2º e 3º Ciclos e Secundário, por força da organização do seu currículo (um professor/uma disciplina), não se dão bem com conteúdos transdisciplinares. Ora, transformar em disciplina o que não tem vocação para o ser, com todas as contradições que tal transformação acarreta, só poderia dar no que deu. Poderia ser de outra forma? Podia. Mas isso implicaria libertar os professores das amarras burocráticas que os tolhem, que fazem da tradução de uma ideia numa prática um registo interminável de dados, em toneladas de papeis (ou pixels), que nem as teses de doutoramento mais complexas conseguem produzir. E que, já agora, ninguém lê.

No 1º Ciclo, a Educação para a Cidadania é área curricular não disciplinar, e nem por isso os conteúdos a trabalhar deixaram de ficar bem identificados. Cabe ao professor abordá-los pelo lado das disciplinas que melhor os servem; ou por uma situação problema que leva à construção de um projecto, não disciplinar, de natureza curricular (porque todos têm de ficar a saber o que aprenderam com isso) — há professores que abordam muitos conteúdos das áreas disciplinares, seguindo esta via. Se bem que, para isso, o façam de forma “clandestina”, para contornar o espartilho que é a organização da sua agenda semanal, por disciplinas, que lhes é imposta, segundo a fórmula em uso nos outros níveis de ensino, contrária à natureza do seu currículo. LER>>>

A dificuldade dos níveis de ensino pós 1º Ciclo, em se organizarem à volta de áreas curriculares transdisciplinares, já vem de longe. Do que me lembro, vem do tempo da “Área escola”, nascida da reforma ou revisão curricular (como lhe queiram chamar), de Roberto Carneiro, e depois rebaptizada de “Área de projecto”: primeiro foi a dificuldade no “encontro de vontades” entre disciplinas, e depois a avaliação a chegar como o “elefante na sala” a tolher tudo e todos. Acho que (ainda) não conseguimos ultrapassar isto. E não conseguindo…

Talvez seja mesmo como José Gil apontou: «Estamos a mudar de paradigma, sem que tenhamos aquele para o qual queremos mudar». Ou então temos, mas falta explicá-lo e encontrar forma de traduzi-lo numa prática. Porque, pelo que temos visto, aquilo que temos não serve.

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[*] Entrevista concedida ao D.N. 04.01.2019, conduzida por João Céu e Silva.

[**] Educação e instrução, na distinção tradicional, em relação às quais temos dificuldade em encontrar uma prática consequente que as faça uma só.

RELACIONADO COM ESTE TEMA LER: Em vez de educar para a cidadania, porque não educar para a felicidade? >>>

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Risco Político

Na personalidade de cada um de nós existe um defeito ao qual somos mais propensos, uma fraqueza própria, um traço que prejudica especialmente a harmonia das nossas relações com os outros. Para uns será a cobardia, para outros os ciúmes, para alguns a indiferença ou a falta de generosidade. Da mesma forma, escreveu Aristóteles, cada sistema político tem um risco característico que habita no seu seio e ameaça fazê-lo fracassar. De acordo com o filósofo grego, no caso da democracia, esse perigo chama-se demagogia

Demagogia é uma antiga palavra grega que significa «arrastar o povo». Para Aristóteles, esta descreve uma forma de governar na qual os argumentos são substituídos por apelos aos medos, preconceitos, amores e ódios dos cidadãos. Implica abordar os debates através da linguagem dos sentimentos e impedir, inclusive, a possibilidade de uma argumentação serena sobre a ação política. Os demagogos representam-se como salvadores em momentos de crise acentuada e, se conseguirem conquistar o povo, podem mudar o rumo do regime político para derivas mais autoritárias. Foi Aristóteles quem individualizou e explicou pela primeira vez a demagogia, definindo-a como a «forma corrupta ou deteriorada da democracia». Aristóteles achava que as fórmulas através das quais os povos se organizam são mutáveis e dinâmicas, de maneira que toda a conquista se pode alcançar, mas também é reversível, estando em permanente risco. Por isso, é saudável desconfiar de quem, na contenda política, recorre às emoções primárias para ser o primeiro.

Irene Vallejo
Alguém falou sobre nós — Ensaios sobre o mundo actual, à luz da antiguidade clássica. 
Bertrand Editora, Lisboa, 2023

terça-feira, 22 de julho de 2025

A escrita como fala, que dá tempo ao pensamento, e o elogio do texto livre

«Mesmo que mais ninguém leia, vale mesmo a pena escrever, porque faz com que nos tornemos leitores de nós próprios» — leio em “Como escrever”, de Miguel Esteves Cardoso [*]. Uma prática que cultivo, porque me incutiram a escrita como forma de pensar. «Porque escrever é a única maneira de saber (ver) o que está dentro da cabeça» — leio também em M. E. Cardoso. Eis uma bela ideia... LER MAIS>>>

segunda-feira, 21 de julho de 2025

«Como escrever» — um livro que todo o professor deveria ler

Este é um livro que todo o professor deveria ler ou, pelo menos, folhear. É um livro feito de muitos «lugares comuns», com muita pedagogia dentro. Alguns são mesmo lugares comuns, e outros tendem a ser comuns depois de lidos, expressões que poderiam ter saído da cabeça de qualquer um, mas não saíram: saíram da cabeça de Miguel Esteves Cardoso.

Isto, que poderia ser o grande defeito deste livro, é, afinal, a sua grande virtude. Não quer ser «científico», com listagens das regras com que se fazem escritores. Fala apenas de como escrever.

Ninguém ensina a ser escritor. Escolas de escritores é coisa que não existe. O que existe são escolas que ensinam a escrever (e será que, quem aprende, escreve?). Ser escritor depende das circunstâncias que rodeiam quem escreve. Mas nada disto é novidade — isto, sim, é lugar comum, mesmo. Mas nem por isso menos válido.

«Para começar a escrever, tem de desfazer o trabalho repressivo que fizeram sobre si», diz M. E. Cardoso. Um trabalho repressivo que começa na escola! Só assim se compreende — diz-se —, que depois de 12 anos de escola, haja tão pouca gente que escreve. Se outros motivos não houvesse para um professor ler este livro, este já seria motivo suficiente.

Daniel Lousada

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Proibição do telemóvel no 1º Ciclo: uma medida escusada e de propaganda pura

Quando soube da intenção do Ministério da Educação de proibir a entrada do telemóvel nas escolas do 1º Ciclo, liguei a professores que conheço, para saber quais os problemas que o seu uso levanta nas suas escolas. As respostas vieram apenas confirmar o que eu já intuía: todas eles responderam que as crianças não levam telemóvel para a escola! Levam apenas o Kit digital, quando lhes é pedido que levem. 

Sou claramente contra a proibição da entrada do telemóvel no 1º Ciclo, o que não quer dizer que seja a favor do seu uso na escola! Confuso? Eu explico. 

Quando falamos de crianças do 1º Ciclo, é de crianças com idades compreendidas entre os 5/7 e os 9/10 anos que falamos. Serão pouquíssimas as crianças deste nível de escolaridade que têm telemóvel ou, tendo, o levam para a escola. E as que levam, é porque os seus pais se sentem confortáveis com isso. Então, nesta situação, cabe ao (a) professor(a) explicar que, tal como no cinema ou no teatro, ela está num espaço onde não cabe o uso do telemóvel. E então tem a oportunidade de explicar a função importantíssima da tecla on/of (que, provavelmente, os seus pais e a maioria dos adultos não conhece) e ensinar a usá-la.

Do lugar onde me encontro (de alguém que deixou a profissão de professor vai para vinte anos), olho para esta interdição e o que vejo é a cena muito comum, em alguns espaços comerciais frequentados por crianças irrequietas, em que os pais, incapazes de exercer a sua autoridade, ordenam aos seus rebentos: «está quieto que o senhor ralha».

Finalmente os professores podem dizer aos seus alunos: não mexam nisso que o senhor ministro ralha.

Continuamos a viver contaminados pelo «síndrome da calculadora». Lembram-se? Jovens universitários, emboscados pelas televisões à porta da universidade, mostram não saber a tabuada, e é aos miúdos do 1º ciclo que querem proibir o uso da calculadora. Tivessem feito aquelas «emboscadas» à porta das escolas do 1º ciclo e teriam verificado que os miúdos sabiam muito bem a tabuada. Algo se perde no percurso do 1º ciclo à universidade, mas nunca é isso que é chamado ao debate.

PARA VER MAIS SOBRE ESTE ASSUNTO, ACEDER AO SEPARADOR, O DIGITAL E A PEDAGOGIA >>>

segunda-feira, 7 de julho de 2025

As falhas vocabulares de hoje e o (elogio do) ebook

Recebi de um amigo uma colecção de palavras, agrupadas sob o título Aquilinadas
 que ignoro, retiradas do romance Lápides Partidas, de Aquilino Ribeiro. Por momentos, vejo-me recuar ao tempo do liceu, a sublinhar palavras desconhecidas nos textos do manual escolar, para depois procurá-las no dicionário: um trabalho de casa, ao tempo, muito comum.

Diz-se dos jovens de hoje, que têm falta de vocabulário. Mesmo a propósito, por coincidência ou não, leio Mario Quintana dizer, em Tristes histórias, que «há palavras que ninguém emprega. Apenas se encontram no dicionário como velhas caducas num asilo. Às vezes uma que outra se escapa e vem luzir-se desdentadamente, em público, nalguma oração de paraninfo. Pobres velhinhas… Pobre velhinho!»

Reparo na expressão oração de paraninfo. Desconhecendo o significado da palavra paraninfo atribuo à expressão o mesmo sentido da expressão oração de sapiência — tentativa de chegar ao sentido da palavra pelo contexto, e prática muito comum do leitor que foi treinado a não deixar que uma palavra desconhecida impeça o acesso ao sentido da expressão. Errei o alvo, ainda que tenha andado lá perto: A oração de sapiência é um discurso que inaugura o ano lectivo, enquanto que a oração de paraninfo pode ser um discurso proferido numa cerimónia de formatura.

A edição do livro de Mario Quintana é em formato digital, pelo que bastou-me seleccionar a palavra paraninfo, para ter acesso automático ao seu significado, disponibilizado pelo leitor digital, e a um pequeno texto sobre a expressão oração de paraninfo, gerado por um assistente I.A.. Fosse o livro em papel e eu teria, certamente, seguido em frente: afinal o desconhecimento da palavra não me impedia de aceder ao sentido do texto. Teria, talvez  — se a curiosidade a isso me levasse — sublinhado ou anotado a palavra, numa outra «aquilinada», para procurá-la quando estivesse perto de um dicionário.

«Caderno de significados» como metáfora dos 
instrumentos pedagógicos que fomos desvalorizando
Alguém da geração dos cadernos de significados, do tempo em que a palavra facilitismo não tinha sido inventada, faça o exercício de imaginar, nesse tempo, um manual escolar com todos os significados à distância de um clic. Mantinha, certamente, a utilidade do caderno de significados, mas não obrigaria, o uso do dicionário, apenas pelo prazer de fazer da compreensão uma tarefa difícil e do prazer do texto algo distante— a palavra facilitismo entrou na ordem do dia. E entrou com tanta força que até o simples movimento de procurar fazer fácil a compreensão de um texto é logo apelidada de facilitista.

Acho que grande parte do problema veio daqui: de se ter associado o digital ao que é fácil, À ideia de que o digital entrou na escola para agradar aos jovens. Uma ideia que o movimento que se convencionou de transição digital, que a escola acolheu (acriticamente), só agravou — se é para transitar, vamos a isso: transite-se. Não, não se transita. Acolhe-se, quando acrescenta qualidade ao que vínhamos fazendo até então, quer no processo de produção, quer no produto.

Pegando no exemplo do caderno de significados como metáfora dos instrumentos pedagógicos que se foram perdendo (porque desvalorizados), atrevo-me a dizer que o problema, hoje, está naqueles que elegem o digital como concorrente do papel. Ora, o digital não é concorrente do papel e o «caderno de significados» só perde a sua importância se o professor deixar.* O papel continua a fazer parte indispensável do movimento da leitura à escrita (abro aqui um parêntesis para recordar que a leitura não é fim, é meio: o fim é a escrita e, quando lemos, a escrita precisa estar no horizonte — ler como um escritor, defende Francine Prose**). Se antes se copiava do livro ou se escrevia a partir das leituras que éramos levados a fazer, nada impede, hoje, que se faça o mesmo movimento a partir de um ebook. Há todo o mundo da escrita para descobrir, no qual o analógico é indispensável.

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Bastou a Sué­cia travar às quatro rodas, na digitalização dos ma­nuais escola­res para que, entre nós, se levantasse um coro de vozes a reivindicar idêntica decisão. Como se, o livro em papel, só consiga entrar na sala de aula através do ma­nual escolar... Esquece-se que, o que se passou na Suécia, foi o resultado de uma soma de excesso, que valeria a pena analisar, não vá começarmos nós, agora, a soma de outros excessos mas de sentido contrário.

** Francine Prose, Ler como um escritor, Lisboa, Casa das letras, 2007

LER TAMBÉM : Gostar de ler: Privilegiar o papel sem diabolizar o pixel >>>

sábado, 5 de julho de 2025

Da (in)disciplina — Princípio da compreensão.

Pedro D’Orey da Cunha
«Um excelente decálogo — aqui apenas o princípio nº 5 — de Pedro da Cunha — que foi Secretário de Estado da Reforma Educativa, no tempo de Roberto Carneiro, (1989), que deveria ser lido com proveito por todos os professores, diretores and so on...» (José Matias Alves, na sua página do Facebook).

5. O princípio da Compreensão

Diante de um conflito, um problema disciplinar, uma perturbação, é essencial que o professor se pergunte a si mesmo, antes de mais, de quem é o problema, ou melhor, quem sofre com o problema. A estratégia adoptada depende inteiramente da resposta dada. Assim, se quem está a sofrer é a criança, esta precisa de compreensão, não de ralhete. Mas se quem sofre é o professor, ou outros alunos, então a criança não precisa de compreensão, necessita de confrontação.

Vejamos a diferença. O João trabalha animado na sua carteira durante a aula de Matemática. De repente, frustrado e raivoso, fecha o livro com barulho, põe os braços na carteira e esconde a cabeça entre os braços. A professora tem duas alternativas: ou vai ter com ele e ralha «porque distraiu os outros», ou põe-lhe a mão no ombro e diz-lhe baixinho – «este problema é difícil não é?» .Creio que não hesitaríamos em escolher a segunda alternativa. É óbvio que quem está a sofrer é o aluno, que ele simplesmente exprimiu a sua frustração, e que o que é necessário é a compreensão do professor. 

Podia afirmar sem hesitação que mais de metade dos problemas disciplinares são deste tipo. O que os alunos necessitam, não é da descompostura, nem do conselho, nem que o professor se lhes substitua. O que os alunos necessitam é da escuta do educador. Sentindo-se compreendidos e aceites, os alunos abrem-se então, enchem-se de coragem e retomam o caminho. Mas repare-se bem: compreensão não significa substituição nem desistência. O professor não se substitui o aluno, não o dirige, não lhe diz que desista, aceita-o na sua dificuldade; e é esta aceitação que dá ânimo ao aluno para autonomamente prosseguir o trabalho.
Este princípio é baseado nas teorias do psicólogo Carl Rogers, que mostrou bem o efeito terapêutico da compreensão e da escuta activa, lhe definiu bem as características e estudou os seus efeitos e aplicações. Apropriadamente, caracterizou a sua terapia como não directiva, e o seu efeito principal como promotor da autonomia do sujeito.

Infelizmente, muitos educadores aplicaram a teoria indiscriminadamente a todos os problemas, não verificando que Carl Rogers, como psicoterapeuta, tinha somente em vista os seus clientes, os quais por definição se dirigiam a ele porque sofriam ou estavam ansiosos. Nos casos em que o aluno não sofre, mas até goza com fazer sofrer os outros, quando ofende o professor, quando segue alegremente os seus impulsos, então não precisa de compreensão, precisa de confrontação, decidida, exigente, com autoridade.

terça-feira, 3 de junho de 2025

Preâmbulo sobre a formação do Professor

Julgo que os professores portugueses não pressentem, em regra, a importância do que supera e condiciona a didática. Ficam-se na preocupação do como devem ensinar. Não meditam bastante no em que consiste essencialmente o trabalho educativo — influxo duma personalidade sobre outras personalidades em formação. Não começam, por isso, por se educar a si mesmos — e não prolongam essa auto-educação pela vida inteira.

Não tratam de tentar criar uma cultura viva, na medida em que seria necessário fazê-lo. Aprendem a ensinar, e dizem que isso lhes basta. Ora assim não chegam a ser bons professores (porque não vivem e não transmitem as ideias como coisa sua, perfeitamente assimilada e recriada), quanto mais educadores! O verdadeiro educador procura, antes de mais nada, o enriquecimento e o aperfeiçoamento da sua alma ao contacto com a vida, mas de forma que a experiência das coisas não lhe tire a pureza da visão e a jovialidade espiritual.  CONTINUAR A LER >>>

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Em vez de educar para a cidadania, porque não educar para a felicidade?

Até onde a leitura de um poema me levou — 2

De que é feito o percurso que nos leva a uma vida feliz? De que é feito o percurso que nos leva ao exercício de uma cidadania plena? E que relação entre os dois percursos?

[...]

A relação entre o conceito de felicidade e o conceito de cidadania é evidente. Não é possível um sem o outro. Confundem-se no mesmo percurso. No entanto, dou a primazia à felicidade. Porquê? Porque a educação para a cidadania não serve de nada, sem o horizonte de uma vida feliz. LER MAIS >>>

sábado, 3 de maio de 2025

A gente lê tudo seguido, não quer saber do verso para nada

Algumas notas sobre a relação da forma com o conteúdo do poema

Daniel Lousada

"A gente lê tudo seguido, não quer saber do verso para nada!", desabafa uma criança, quando desafiada a procurar a voz a dar ao poema "Sem data", de Nuno Júdice. E daqui a pergunta:

Qual a responsabilidade do verso, na escolha da voz (do seu ritmo feito sobretudo de pausas e respirações) com a qual procuramos o sentido do poema? E como passar tudo isto aos alunos? LER MAIS >>>

terça-feira, 29 de abril de 2025

Preconceito de género

Até onde a leitura de um poema me levou — 1

É sabido que a literatura pode ser porta de entrada à exploração dos mais diversos temas. É possível encontrar, algures por aí, o texto que nos serve para início de conversa sobre um tema que elegemos. Por exemplo, com o poema "Não peças", de Lalla Romano (que motivou este texto), é possível abordar o estereótipo de género, que arruma as pessoas em gavetas, e que, em situações limite, pode levar a toda a sorte de preconceitos relacionados com questões de género.

Leio, então, o poema e fixo-me no último verso, ... LER MAIS >>>

quinta-feira, 17 de abril de 2025

A relação entre animação e poética

[Uma relação que pode ser transportada para a escrita]

Quando trabalhava em cinema de animação, uma das técnicas mais comuns — e que aprendi na altura — consistia em não desenhar toda a sequência de forma seguida, do primeiro ao último desenho. Em vez disso, começava-se pelo primeiro desenho, seguido imediatamente do último, e só depois se criavam os desenhos-chave intermédios, que definem os momentos mais importantes da ação. […]

Este método é usado porque permite controlar a estrutura temporal e expressiva da acção desde o início. Ao definir primeiro os extremos — o ponto de partida e o de chegada — o animador estabelece os limites e a intenção global do movimento. Os desenhos-chave intermédios servem para garantir que os momentos cruciais da expressão ou da narrativa estão assegurados. […]

Funciona, portanto, como uma espécie de esqueleto rítmico e expressivo, sobre o qual o movimento completo pode ser construído com precisão e intenção. É uma abordagem que combina economia de trabalho com controlo […]

Tudo isto serve para a escrita. LER TEXTO COMPLETO >>>

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Manifesto para uma Educação Informada por Evidências


A EIE não procura orientar, delimitar ou mesmo predeterminar as decisões tomadas pelos intervenientes educativos, mas sim fornecer-lhes informação científica, que normalmente não lhes é disponibilizada, para que possam tomar as suas próprias decisões de uma forma mais informada. Neste sentido, a EIE não trata os agentes educativos como meros aplicadores ou executores de medidas pré-estabelecidas, mas propõe-se dotá-los de um conhecimento profissionalizante que lhes dê uma visão mais ampla e profunda das questões em que intervêm, de modo a conferir-lhes uma maior capacidade de acção. Em suma, o objectivo é fornecer aos profissionais da educação um quadro teórico específico da sua profissão, a partir do qual possam reflectir e tomar decisões com maior autonomia e autoridade. LER MAIS >>>

domingo, 13 de abril de 2025

Quando antes do significado é o significante que importa

(...) na hora de ler o poema, ouvir é o que mais importa! Vejo uma palavra, um verso, uma estrofe, e é a sua voz, num encadeamento de sons, que quero ouvir. A sonoridade e o ritmo dela decorrente (a que se junta a configuração das linhas que fazem os versos), concorrem, mais do que em qualquer outro tipo de texto, para aquela percepção (livre do significado preciso das palavras), que dá sentido ao poema – Entre amigos, não consigo falar de um poema sem dizê-lo ou trazer para a conversa a sua leitura; quer dizer, se me perguntam sobre ele, não o sabendo de cor ou não o tendo presente, apenas me ocorre dizer: Ah, tens que lê-lo! Mas se for um texto em prosa consigo falar dele, sem tê-lo presente, precisamente porque me obrigou a outro tipo de esforço: precisei de entrar nele pela conquista, antes de ser (ou não) conquistado por ele.

E aqui entra o meu argumento, em defesa da integração da poesia no processo de iniciação à aprendizagem da leitura: LER MAIS >>>

quinta-feira, 20 de março de 2025

O outro é uma mais-valia *

Laurent Reynaud

Do «penso, logo existo» de Descartes ao «penso porque tu existes» de Albert Jacquard, há o outro, a alteridade como motor do pensamento. Pensar é ter dúvidas, mas para isso as nossas certezas e representações precisam ser desestabilizadas. A ambição do professor é desenvolver o pensamento, incutindo o reflexo da dúvida fundamentada. 

Na prática, estamos constantemente a caminhar sobre uma corda bamba. Por um lado, há o risco da dúvida generalizada, que abre abismos de suspeita permanente, de pensamento confuso e estéril: será que ainda devemos ter dúvidas sobre o aquecimento global antropogénico, sobre a esfericidade da Terra...? Por outro lado, há o abismo das certezas dogmáticas e das crenças que não toleram, verdadeiramente, a dúvida: o que podes dizer a um aluno que afirma que «o homem não é um animal, que o homem é assim mesmo», ou que «os dinossauros são uma fantasia, nunca existiram». A queda, para um lado ou para o outro, ao sabor do vento, mergulha num confinamento ideológico que só reforça os laços do clã. A aparente solidariedade do grupo tranquiliza e conforta ao mesmo tempo que conforma. Entre os dois, há o confronto de opiniões, de representações e de «certezas» que suscita dúvidas e activa a investigação racional através do pensamento. 

O desacordo é aqui frutuoso, desde que cada um possa exprimir as suas opiniões e ouvir as dos outros sem ser desacreditado de antemão. Não se trata do exercício de hábitos espontâneos, mas de hábitos que temos de aprender (e ensinar) a praticar. Muitas vezes, porém, o nosso ensino transmite conceitos de forma dogmática, sem utilizar muito o recurso da alteridade. O máximo que é costume fazer-se é recolher as ideias dos alunos, durante as avaliações diagnósticas, mas muito raramente as comparamos com a forma como os outros as vêem. Aprender, organizando o confronto de pontos de vista, significa aprender a duvidar com os outros e a agradecer-lhes por isso. É isto que o trabalho de grupo, assente no conflito sócio-cognitivo, propõe. Se for utilizado regularmente, podemos, razoavelmente, apostar que os alunos verão a sua utilidade, muitas vezes expressa no registo da crença: «O outro é uma mais-valia».


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* in Faire collectif pour apprendre, Paris, ESF, 2023 (versão digital)

quinta-feira, 13 de março de 2025

Tu és livre e deves portanto libertar-te *

Vergílio Ferreira
A liberdade começa em saberes o que te oprime. Não bem em haver opressão, mas em reconhecê-la como tal. Porque pode haver opressão e tu julgá-la uma fatalidade; porque pode haver opressão e convencerem-te de que é necessária para a liberdade que te prometem. 

Só a liberdade absoluta é um perpétuo horizonte, para lá de todos os horizontes, que é o horizonte do impossível. Mas é nos limites humanos que tu hás-de querer ser livre e esses são os limites do homem, ou seja, do possível. Por isso não aceites que te inventem a liberdade mas apenas que te ajudem na tua libertação. Não admitas que ninguém seja livre por ti, mas assume tu próprio essa difícil dignidade. Reduz ao máximo o baldio para os outros, para que sejas tu ao máximo em tudo aquilo que fores. Não consintas que alguém seja a tua própria voz e chame à sua vontade a vontade que é tua. 

Ninguém é livre sozinho, porque o é apenas com os outros. Assim, só com os outros tu o poderás ser. Mas ser livre com os outros não é serem-no os outros por ti. Que a fronteira da tua liberdade te não seja a porta da casa para que tu sejas livre dentro e fora dela. Que a tua liberdade comece no pão que te espera à mesa e persista no desconhecido que te espera na rua; na palavra que pensaste e naquela que disseste; na paz do teu sono e na agitação da vigília; naquilo que és para ti e no houveres de ser para os outros; naquilo que és tu e naquilo que mostras ser. 

Constrói a tua alegria, mesmo a tua amargura, e não esperes que te digam se o estar triste ou alegre está previsto num programa. Que a distância de ti a ti seja por ti preenchida e nunca pela polícia ou um director de consciência — seu irmão. Tu és livre.

É portanto do teu dever libertares-te.

* Fonte: Vergílio Ferreira, Contra-Corrente (1969-76), Lisboa: Livraria Bertrand, 1980, pp. 217-18.

quarta-feira, 12 de março de 2025

Introdução à metafísica *

Martin Heidegger
Um texto de 1935. Quem diria!

Essa Europa, estando num estado de cegueira incurável, sempre pronta para se apunhalar a si mesma, encontra-se hoje na grande tenaz, encurralada entre a Rússia de um lado e a América do outro. A Rússia e a América, consideradas metafisicamente, são ambas a mesma coisa; a mesma fúria desolada da desenfreada técnica e da insondável organização do homem vulgar. Quando o recanto mais remoto do globo tiver sido conquistado pela técnica e explorado pela economia, quando um qualquer acontecimento se tiver tornado acessível em qualquer lugar a qualquer hora e com uma rapidez qualquer, quando se puder «viver» simultanemanete um atentado a um rei em França e um concerto sinfónico em Tóquio, quando o tempo for apenas rapidez, momentaneidade e simultaneidade e o tempo enquanto história tiver de todo desaparecido da existência de todos os povos, quando o pugilista for considerado o grande homem de um povo, quando os milhões de manifestantes constituirem um triunfo — então, mesmo então continuará a pairar e estender-se, como um fantasma sobre toda esta maldição, a questão: para quê? — para onde? — e depois, o quê?

O declínio espiritual da terra está tão avançado que os povos ameaçam perder a última força espiritual que permite sequer ver e avaliar o declínio como tal. Esta simples constatação nada tem que ver com um pessimismo cultural nem tão-pouco, como é óbvio, com um optimismo; pois o obscurecimento do mundo, a fuga dos deuses, a destruição da terra, a massificação do homem, a suspeita odienta contra tudo o que é criador e livre, atingiram, em toda a terra, proporções tais que categorias infantis como pessimismo e optimismo já há muito se tornaram ridículas.

Fonte: Martin Heidegger, Introdução à Metafísica, tradução de Mário Matos e Bernhard Sylla, Lisboa: Instituto Piaget, s.d., p. 45.

sábado, 8 de março de 2025

«Recomeçar» *

Tive a sorte de me cruzar com  crónica «Recomeçar» (iMISSIO 29.10.2022) de Tolentino Mendonça, de quem recupero o título, que é tão amplo, e permito-me citar este trecho:

“Há um dom naquelas estações em que a vida se resolve transparente, se movimenta em harmonia e tudo habilmente coincide.”

E é nessa harmonia que me quero inspirar para hoje recordar as mulheres “sem fotos” que preencheram a vida que corria na minha cidade. Lembro alguns rostos, alguns nomes mas sobretudo vidas de trabalho, cansaço e pouco rendimento mas que aliviavam as de alguns citadinos.

Neste cortejo de rostos, recordo as “lavadeiras”! que vinham de Alfaião, com os burros carregados de roupa lavada com restos de cinzas e sabão feito em casa e que depois de bem esfregadas branqueavam ao sol. Um ritual de domingo, na casa da minha mãe, era receber a lavadeira, contar as peças da semana anterior e fazer a listagem das peças para lavagem na semana seguinte. Essa tarefa era minha desde que comecei a saber escrever. Lembro depois que a lavadeira almoçava connosco, fruto daquela afabilidade apanágio da minha mãe.

As leiteiras que bem cedo saiam dos seus lugarejos, ainda longe da cidade, e distribuíam o leite que invariavelmente era fervido antes de ser servido ao pequeno-almoço de quem tinha o privilégio de o poder tomar com o pão fresco, que as padeiras colocavam, enquanto nascia o dia, nos sacos deixados na porta de entrada de alguns mais favorecidos.

As mulheres que carregavam as estevas que acendiam os nossos fogões e as nossas braseiras, e com as quais se ousava discutir o preço do feixe das urzes.

As mulheres, que iam ao mercado manhã cedo, escolhiam os dias da chegada do peixe mais fresco, transportavam na cabeça sacos carregados e que, com andares “acrobatas”, fizeram os seus estragos nas “posturas” que se materializaram nas artroses precoces.

Era um tempo de percursos feitos a pé ou de burro, sem “luzes”, só de alguma esperança, com neve, frio, chuva ou sol…por caminhos enviesados, em madrugadas mal acordadas e regressos a casa com bolsos de dinheiros esmolados, porque todos discutiam preços.

Não sei se se chamavam Marias, Aidas, Antónias ou Guilherminas… Sei que eram mulheres de força, algumas viúvas de homens vivos, interessadas na criação dos seus filhos e que foram envelhecendo em silêncios nunca partilhados.

Hoje quero celebrar essas mulheres silenciosas, sem voz, só presentes quando se mostra um Portugal de miséria, e não deixar que as traições da memória venham dizer: “nesse tempo é que era bom”!
Lembro, a propósito, uma homenagem feita recentemente às carquejeiras que “invadiam a cidade do Porto”, até há 70 anos, e que um grupo de mulheres de boa vontade teve o ensejo de lhe prestar homenagem.

Quero voltar a minha Bragança, percorrer ruas e praças e verificar se, em algum tempo e em algum lugar,vejo essas gloriosas anónimas serem relembradas com a força e o respeito que merecem. Estou farta de títulos e de condecorações que hoje “te dou a ti” para tu, mais tarde, “dares a mim” ou a um dos meus…

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* Publicado originalmente a 28 de Outubro, em "Memórias e outras coisas... — Bragança".

Por vezes, em vez da pergunta, o que faz falta é deixar fluir a magia

A propósito de um relato de Manuela Castro Neves


A história que trago aqui, retirada das muitas histórias que a Manuela conta no seu livro, fala de um espanto, que me fez pensar que nem sempre é útil ir atrás de respostas, em propostas de projectos, quando ninguém quer saber de perguntas. E não interessando a pergunta, ninguém quer saber da resposta, quanto mais inventar projectos. 

sábado, 1 de março de 2025

A fluência leitora e a leitura em contra-relógio

Daniel Lousada

Até hoje nunca soube quantas palavras conseguia ler (?) por minuto. A ideia do desenvolvimento da competência leitora, através do exercício da leitura rápida em voz alta, que a actual equipa do ministério da educação recuperou de Nuno Crato, fazendo dela prova obrigatória dos alunos do 2º ano, do 1º ciclo do ensino básico (designada por «diagnóstico da fluência leitora»!) despertou a curiosidade (a minha) de quem, numa tarde de Sábado, não lhe apetece fazer nada. Então, de cronómetro na mão, qual ciclista em prova de contra-relógio, atiro-me a despachar palavras, pouco ou nada preocupado com o que me querem dizer.

Escolhi um texto de Eduardo Lourenço, impresso em «Artes e Educação. Antologia de autores portugueses» (uma novidade para mim, que adquiri há dias), organizada por António Carlos Cortez, que desenvolve um tema que, não me sendo desconhecido, não é daqueles em que estou mais à vontade e tem, aqui e ali, um ou outro termo de articulação mais exigente. Feitas as contas, consegui ler em voz alta 211 palavras. Não sei se este número está dentro, abaixo ou acima da média, para alguém com o meu nível de escolaridade e formação. Mas diz-se que a uma criança que frequenta o 9º ano, são pedidas, no mínimo, 180 palavras! [*]

Não nego a importância da rapidez de leitura no desenvolvimento da fluência leitora. Uma importância que expresso nesta proposta de trabalho (VER >>>). Mas entre considerar a sua importância e colocá-la no centro das preocupações, ao ponto de fazer dela um tema crítico, de que depende a competência na leitura das nossas crianças, vai uma enorme distância. Creio, aliás, que esta obsessão partilhada por Nuno Crato, arrasada no tempo em que foi ministro (VER VÍDEO >>>), se baseia no pressuposto de que o reconhecimento eficaz das palavras depende, quase em exclusivo, da rapidez que o leitor coloca na sua articulação (é caso para perguntar como é que fica o gago nesta relação?). Reparemos, por exemplo, na expressão «fui ao mar colher cordões, vim do mar cordões colhi», um trava línguas usado, em brincadeiras, entre amigos. Lida em silêncio, identificámo-la rapidamente, não nos oferecendo qualquer problema de leitura. Experimentemos, então, dar-lhe voz alta, o mais rápido que nos for possível, e o resultado será, certamente, problemático!

«(...) avaliar a competência de leitura na rapidez de leitura de palavras é pouco e esquece dimensões essenciais como compreensão e prosódia — diz José Morgado. E continua: «Quantas vezes, apesar de sermos leitores competentes e experientes precisamos de diminuir o ritmo de leitura para tornar mais sólida a compreensão do que estamos a ler». Tanto assim é que, se me perguntarem sobre o conteúdo do texto de que me servi para testar a minha rapidez na leitura, terei de voltar a ele com esse propósito! 

Fazendo minhas as palavras de José Morgado, «gostava que não lessem este texto de forma demasiado rápida para que possa ficar mais claro o que pretendi reflectir». Algo que seguramente farei, quando voltar à leitura (ou melhor, quando iniciar a leitura) do texto de Eduardo Lourenço.

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[*] Fazendo fé nos estudos que andam pela net, estou um pouco acima dos mínimos, que anda nas 200 palavras, para o tipo de textos (o ensaio) de que me servi no meu teste. Se bem que os números se refiram a leitores falantes de língua inglesa.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Porque é preciso romper com a ideologia do bem-estar na educação *


Uma educação emancipatória não pode fazer parte do paradigma do «desenvolvimento pessoal». Ela remete para outro paradigma, o da «superação colectiva». Este é um paradigma que surge na Carta de Stans de Pestalozzi, é desenvolvido por Korczak e Makarenko, cresce a partir do trabalho de Célestin e Élise Freinet e é trabalhado no âmbito da Pedagogia Institucional. Podem ser encontrados vestígios no movimento da Educação Nova, mas este último permanece profundamente ambivalente em relação a ela: a metáfora hortícola (Hameline, 1986) é ainda frequentemente dominante e actua como um importante obstáculo epistemológico no acesso a práticas educativas emancipatórias. Quanto ao discurso pedagógico contemporâneo, quer seja «mainstream» ou pretenda ser científico, nem sempre escapa ao naturalismo do já existente, e é, sem dúvida, um dos maiores desafios, hoje, das ciências da educação, de clarificar a importância de uma ruptura epistemológica com o paradigma do «desenvolvimento pessoal» e a ideologia do bem-estar que o acompanha.» CONTINUAR A LEITURA >>>

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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Ainda os manuais escolares reutilizáveis

Daniel Lousada

O manual escolar não é «um historial de apontamentos» como sugere um leitor do Público, em «carta ao director» deste jornal, em defesa dos argumentos de Vasco Teixeira, um dos donos da Porto Editora, contra os manuais escolares reutilizáveis.

«O manual escolar não pode ser um manual de cristal», é certo. Mas isto não significa (não pode significar) que deva ser transformado em sebenta.

Se quisermos que as crianças do 1º ciclo tenham o seu «historial de apontamentos» (e é importantíssimo que o tenham) ensinem-las a construí-lo: em diários de actividades; em registos de realizações bem conseguidas; em registos de perguntas que a leitura dos textos lhes suscitam; na organização de portefólios...

O manual escolar é um instrumento de trabalho que, como qualquer outro instrumento, quando é adoptado (e há professores do 1º ciclo que não adoptam manuais escolares) também é para ser partilhado.

LER TAMBÉM: Não deveria produzir-se manuais escolares que pudessem ser reutilizáveis?

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Deve-se ou não se deve ensinar a ler e escrever na pré-escola?[*]


A polémica sobre a idade óptima para o acesso à língua escrita já ocupou milhares de páginas. O que se segue é uma contribuição — necessariamente fragmentária e apenas esboçada — para ajudar a responder à indagação que serve de título, já que hoje estamos em condições de afirmar que essa polémica foi mal colocada, por ser falso o pressuposto no qual se baseiam as posições antagónicas. CONTINUAR A LER>>>

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[*] in Reflexões sobre alfabetização, Cortez Editora, pp. 96-103

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Escola para amanhã [*]

Uma conversa com Sérgio Niza que, passados 50 anos, mantém ainda a sua actualidade [Disponível em PDF>>>]

O autêntico saber, ou o verdadeiro conhecimento, se quisermos, adquire-se na resolução das contradições da vida prática, e o mais é discurso. Assim, e inevitavelmente, as pessoas sempre terão sido obrigadas a construir, ou reconstruir, a sua permanente educação. A escola tendo entendido, por pressão histórica, essa antiquíssima realidade, verificou que a perspectiva de planeamento a estabelecer deveria apontar para uma educação permanente adentro das várias instituições escolares.
(...)
Perante a inoperância das instituições de ensino, só restava à escola ocupar a infância como momento mais maleável de desenvolvimento como essência: técnicas de leitura dos objectos culturais, construindo uma didáctica que forneça aos educandos as estruturas matrizes de qualquer conhecimento formalizado. SEGUIR PARA A ENTREVISTA COMPLETA >>>

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domingo, 9 de fevereiro de 2025

«Não deveria produzir-se manuais escolares que pudessem ser reutilizáveis?»[1]

À pergunta «Não deveria produzir-se manuais escolares que pudessem ser reutilizados?», Vasco Teixeira responde que «no 1º ciclo é um erro que os livros não tenham espaço para escrever, assim como na aprendizagem das línguas». Porquê? «Se for a qualquer país ver um livro de aprendizagem de inglês, ele tem espaço para escrever, porque é a forma mais eficaz de aprender»! Quer dizer, para este senhor (e a associação que representa as empresas deste sector), se o aluno realizar a proposta de trabalho sugerida, utilizando o papel e o lápis, que tem ao lado do manual, a aprendizagem não é tão eficaz. Eficaz, mesmo, só a escrita que o aluno faz no manual escolar. Porquê? Porque sim, porque é assim que se faz em qualquer país com dinheiro para alimentar o negócio.

«O escrever no livro é um guião para eles (os alunos) controlarem o espaço»! — continua Vasco Teixeira, não sei se com ou sem vergonha. Imagino — só posso imaginar, porque não assisti à entrevista — que tenha dito isto sem se rir. E a entrevistadora certamente que não atingiu a piada.

A sério, um guião para controlarem o espaço? Quem sabe, talvez, que para este senhor, quando um professor diz aos seus alunos que a resposta àquela pergunta é para ser escrita em duas ou três linhas, não está a fazer bem o seu trabalho.  

É impressionante o que se consegue dizer, para defender que um manual escolar não é para ser partilhado e só deve servir a um único aluno. 

Não deveria valer tudo neste negócio (e que aliás não deveria ser um negocio). Mas, ao que parece, vale. 

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[1] Entrevista concedida ao Jornal Público, por Vasco Teixeira, a propósito dos vinte anos da criação da plataforma digital «Escola Virtual», pertença do grupo Porto Editora de que é co-proprietário.


sábado, 1 de fevereiro de 2025

Sobre a aprendizagem do desenho na infância – uma abordagem a partir de Vygotsky e Freinet

Daniel Lousada
LER COMPLETO EM PDF>>>

Para Vygotsky, o en­sino das técnicas justifica-se naquela fase em que o desenho – porque não coincide com a ima­gem imaginada – começa a deixar de satisfazer a quem o desenha. E «só ajudando-o poderemos orientar adequa­damente o desenvolvimento do desenho infantil nesta idade […] por um lado é necessário cultivar a inven­tivi­dade; por outro, o processo de representação das ima­gens criadas pela imaginação requer conhecimentos es­peci­ais»[1]. A estes conhecimentos, atrevo-me a chamar-lhes a «gramática do desenho»; uma gramática que se aprende e apreende pela acção, num processo que vejo muito próximo da produção do texto. E ao desenvolvi­mento deste processo, não são alheios os modelos que a escola e o meio envol­vente conseguem oferecer ao aprendiz. LER TEXTO COMPLETO>>>
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[1] A imaginação e a arte na infância. Lisboa, Relógio D’Água Editores, 2009: p. 106.


quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Da pedagogia como utopia

Contrariamente ao que pensam tanto os seus apoiantes como os seus opositores, a pedagogia não combina «natu­ralmente» com as utopias. Muito pelo contrário! Quer de­finamos a pedagogia, segundo a tradição etimológica, como «acompanhamento» da criança em direcção ao pre­ceptor, quer prefiramos uma definição mais conceptual, considerando-a como uma relação necessária e provisória que visa a «emergência» de um sujeito autónomo, em am­bos os casos, o que a caracteriza é o movimento: «acompa­nhamento» ou «emergência» opõem-se, de facto, a qual­quer forma de entrincheiramento. Ser «pedagogo» é, pois, recusar o confinamento e a fatalidade, lutar contra todas as formas de prisão domiciliária e todas as formas de reprodu­ção sociológica ou mimética; é, nas palavras de Kant que definem o Iluminismo, permitir a cada um de nós «pensar por si próprio» ou, como diz Pestalozzi de forma mais radi­cal, fazer com que cada um de nós possa «fazer obra de si próprio». LER TEXTO COMPLETO >>>

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Da IA e do Robô que aprende

Daniel Lousada

José Matias Alves, na sua página do Facebook >, a propósito da IA, dá conta do que um amigo de Rubem Alves dizia sobre o computador que aprende:
«Um amigo meu, professor de engenharia, comentou que se matriculasse um computador num cursinho, ele tiraria sempre nota máxima em todos os testes; passaria em primeiro lugar no vestibular; "salvaria" na sua memória tudo o que fosse ensinado. Em tudo ele seria superior aos seus colegas humanos, menos num detalhe, pois a uma pergunta ele não saberia responder: de tudo o que você estudou e aprendeu me diga: do que foi que você gostou mais?».*

A anteceder este comentário Matias Alves coloca a pergunta: «Então agora, com a IA, o que diria Rubem Alves?»

Eu, curioso e levado pela pergunta à qual, diz o amigo de Rubem Alves, um computador não saberia responder, pergunto ao ChatGPT: De tudo quanto sabes, de que é que gostas mais? Ao que ele responde:

«Isso é uma pergunta interessante! Eu não tenho emoções ou gostos pessoais, mas posso dizer que gosto de explorar ideias e aprender com as perguntas que me fazem. As coisas que mais me fascinam são os temas que envolvem a criatividade humana, a linguagem e o conhecimento. O facto de poder ajudar a resolver dúvidas, gerar novas perspectivas ou até inspirar pessoas é o que torna a minha "existência" mais significativa, por assim dizer» (ChatGPT, 02.01.2025).
E remata com a pergunta:
«E tu o que gostas mais de saber e explorar?»

Eu, contrariamente ao ChatGPT, tenho emoções e gostos pessoais — são os meus gostos, não são os gostos do vizinho, se bem que possam partilhar alguns com ele, e com ele terei até adquirido alguns —. E, no entanto, assim, de repente, não estando à espera da pergunta, vi-me sem resposta para dar! Talvez porque não goste da mesma coisa o tempo todo? Não sei. Experimento contextualizar a pergunta na profissão (de professor) que exerci. E surpreendo-me ao pensar que a resposta do ChatGPT poderia andar próximo da minha e a de muitos professores que conheço!

De tudo quanto aprendi, não sei dizer do que gosto mais. Mas dúvidas e surpresas à parte, uma coisa eu sei: «Gosto de gostar» — trata-se de um gosto que partilho com Adília Lopes (ou que Adília Lopes partilhou comigo) — O maior dos gostos, estou certo. E, tal como ela, tenho sorte. Uma sorte que não vejo como possa ser partilhada com uma máquina «inteligente».

APRENDER A GOSTAR DE GOSTAR, PRECISA-SE [LER MAIS>>>]. Um gosto que nenhuma máquina (inteligente ou não) sabe cultivar.

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*in Rubem Alves,  Por uma educação sensível, São Paulo, Principis, 2023