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Philippe Meirieu |
Embora a Escola de Summerhill tenha sido criada em 1921, o trabalho ali desenvolvido só foi conhecido fora das fronteiras de Inglaterra na década de 1960. O meio pedagógico da “Escola Activa”, os pedagogos que se interessavam pelo movimento libertário e pela difusão das teorias psicanalíticas, em matéria educativa, conheciam a existência da escola sediada em Sulfolk, mas a maioria desconhecia as suas práticas e apenas se referiam a ela de uma forma muito genérica.
«A minha mulher e eu decidimos abrir uma escola, na qual daríamos aos alunos a liberdade de expressão. Para fazê-lo, devíamos renunciar a toda a disciplina, a toda a direcção, a todas as sugestões, a toda a moral preconcebida, a toda a educação religiosa fosse ela qual fosse. Alguns disseram que eramos muito corajosos, mas, na verdade, não precisámos de coragem. Do que precisámos, já tínhamos: a crença no facto de que a criança não é má, mas boa».[1]
«Tom, de 8 anos, estava sempre a bater-me à porta para perguntar-me: “Diz-me, que posso fazer hoje?”. Não queria dizer-lhe nada. Seis meses mais tarde, se alguém procurava o Tom, podia encontrá-lo no seu quarto rodeado de papéis. Passava horas a desenhar mapas geográficos. Um dia, um professor de uma faculdade de Viena visitou Summerhill. Conheceu o Tom e fez-lhe um monte de perguntas: “Interroguei o seu pequeno Tom sobre geografia e ele falou-me de lugares que me eram desconhecidos por completo”».
A partir do momento em que uma criança manifesta o desejo de aprender, seja o que for, Neill não só deixa que mergulhe no que elegeu – com a consequência possível de não dormir o suficiente – como também lhe faculta toda a ajuda técnica possível, em especial através de lições individuais intensivas. Tanto assim que encontramos, nos seus textos, junto a violentos ataques à “Escola tradicional”, uma crítica virulenta aos métodos pedagógicos que procuram dourar a pílula, para que as crianças a consigam digerir melhor.
[1] A afirmação da “bondade natural” do homem” de Rousseau só é válida no “estado natural”, e esse “estado natural” não é uma etapa
histórica determinada, mas uma hipótese filosófica que representa, de algum
modo “o homem, abstracção feita de
influências sociais nefastas que perturbam o seu desenvolvimento”. Assim
concebida, a “bondade natural do homem”
é uma espécie de “marca original”
[independente do todo o “princípio” histórico]
e inseparável, para Rousseau, do princípio de “perfectibilidade”, que podem alcançar os seres humanos mediante a
educação. Rousseau não considera,
com efeito, que “a criança seja boa”,
mas que tem em si essa potencialidade e que graças à educação emancipadora, é
possível, portanto, fazê-la aceder ao estado de sujeito, e permitir-lhe construir
uma sociedade democrática no âmbito do contracto social.
[2] Na realidade, Neill recusa as análises de Freud sobre a agressividade e prefere,
pelo contrário, as de Wilhelm Reich sobre o carácter decididamente
positivo da “pulsão de vida”.
[3] Mais ainda: «As mudanças que Neill produz nos seus alunos, ao estarem
assentes na identificação, só têm êxito com aqueles que podem identificar-se
com ele. E muitos podem fazê-lo simplesmente, porque ele é o homem mais
extraordinário que conhecem. Mas se um homem de menos estatura tentar aplicar a
sua ingénua filosofia… será o caos,
porque o conceito que Neill tem de
humanidade é incorrecto, mesmo quando esse conceito o inspira até ao ponto de
fazê-lo alcançar coisas extraordinárias» [Bettelheim
e outros, 1972: 90-91].
[4] Veja-se Menès (2012). A autora explica que, enquanto sujeito, a
criança é movida por desejos, entre eles, o desejo de aprender. Os adultos
podem alimentar esse desejo mediante um diálogo que inspire confiança ou
facilitando a sua relação com o ambiente. Também podem “anestesiá-lo” não respondendo nunca a esse desejo ou bem, pelo
contrário, esgotá-lo “sobrestimando-o”
permanentemente.
[5] Demonstrei, em 2010, até que
ponto a "lógica produtiva",
dominante no campo económico e social, onde é legítima, sempre ameaçou a sala
de aula e colocou muitos alunos em risco de serem marginalizados da
aprendizagem [o que favorece apenas aqueles que são mais dedicados e que já
conhecem a satisfação da aprendizagem]. Esta é a principal razão pela qual a
escola não pode imitar "a oficina".